Afinal, são 2 e meia, os homens se preparam. Entre a chamada e a saída para os trabalhos, temos meia hora. Partem. Bébert Celier está mais ou menos no meio da coluna das vinte fileiras de quatro.
Naric e Quenier estão na primeira fila, Massani e Santini na 12.a, Bébert Celier na décima. Considero que está bom assim, porque, no momento em que Naric pegar madeiras, barras e a peça, os outros ainda não terão acabado de entrar. Bébert terá chegado quase à porta da oficina ou talvez até um pouco adiante. Quando estourar a briga, como os dois vão urrar como bezerros, automaticamente todo mundo, e Bébert também, vai se virar para olhar. Quatro horas, tudo correu bem, a peça está debaixo de um monte de material na igreja. Eles não puderam retirá-la da capela, mas lá é um ótimo lugar para ela,
Vou falar com Juliette, ela não está em casa. Quando subo de volta, passo pela praça onde fica a administração. Na sombra, em pé, vejo Massani e Jean Santini esperando para entrar na cadeia. Com isso a gente já contava. Passo junto deles e pergunto:
– Quanto?
– Oito dias – responde Santini.
Um guarda corso diz:
– Que vergonha, dois conterrâneos brigarem!
Volto para o campo. Seis horas, Bourset retorna muito feliz:
– Até parece – me diz ele – que eu tinha um câncer e depois o médico me informa que era engano dele, que não tenho nada.
Carbonieri e meus amigos estão triunfantes e me dão parabéns pela maneira como organizei a operação. Naric e Quenier também estão satisfeitos. Vai indo tudo muito bem. Durmo a noite toda, embora, no fim do dia, os jogadores me tivessem convidado. Faço de conta que estou com uma tremenda dor de cabeça. O que eu tenho, na verdade, é que estou morto de sono, mas contente e feliz por estar tão perto da solução. Pois o mais difícil está feito.
Hoje de manhã, a peça foi colocada provisoriamente por Matthieu na cavidade da parede. De fato, o guarda do cemitério faz a limpeza das alamedas, pelos lados do túmulo-esconderijo. Não seria prudente chegar perto agora. Todas as manhãs, ao nascer do sol, às pressas, eu pego um ancinho de madeira e vou arrumar a terra em cima do túmulo. Com uma vassoura limpo a alameda; depois, e sempre às pressas, volto ao meu serviço, deixando a vassoura e o ancinho junto com o meu material de limpeza.
Agora já faz quatro meses justos que a fuga está sendo preparada, e nove dias que afinal recebemos a última peça da jangada. Já não chove mais de dia e às vezes nem durante a noite. Todas as minhas faculdades estão em estado de alerta, para as duas horas H: primeiro, para a hora de tirar do jardim de Matthieu a famosa peça e montá-la na jangada, com cada nervura bem encaixada nela. É uma operação que só se pode fazer de dia. Depois, para a hora da partida. Ela não poderá ser imediata, porque, depois de tirarmos a jangada de seu esconderijo, vai ser preciso recheá-la com os cocos e guardar dentro os víveres.
Ontem contei tudo a Jean Castelli e em que pé estão as coisas. Ele ficou contente por mim, de ver que eu estou quase alcançando o meu objetivo.
– A lua – disse-me ele – está em quarto crescente.
– Bem sei. Por isso, à meia-noite, ela não me atrapalha. A maré vazante é às 10 horas, a melhor hora para embarcarmos seria entre 1 e 2 da manhã.
Carbonieri e eu resolvemos precipitar os acontecimentos. Amanhã de manhã, às 9 horas, colocação da peça. Durante a noite, a partida.
No dia seguinte de manhã, em ações bem coordenadas, indo para o cemitério, passo pelo jardim e pulo o muro com uma pá. Enquanto retiro a terra que está por cima das esteiras, Matthieu desloca sua pedra e vem para o meu lado com a peça. Juntos, levantamos as esteiras e as colocamos ao lado. Surge a jangada bem ajeitada, em perfeito estado. Suja de barro, mas perfeita: Tiramos a jangada da cova porque, para encaixar a peça, é preciso espaço dos lados. Encaixamos as cinco nervuras, cada uma bem ajeitada em seu lugar. Para fazê-las entrar, somos obrigados a martelar com uma pedra. No instante em que finalmente terminamos e estamos recolocando a jangada em seu lugar, aparece um guarda, de carabina na mão:
– Nem um movimento ou estão mortos!
Deixamos cair a jangada e levantamos as mãos para o alto. Esse guarda, eu o reconheço, é o guarda-chefe da oficina.
– Não façam a besteira de opor resistência, estão presos. Reconheçam a situação em que estão e, pelo menos, salvem as suas peles, que estão por um fio, com a vontade que tenho de passar fogo em vocês. Vamos, andem, de mãos para o alto! Para o comando!
Ao passar pela porta do cemitério, encontramos um árabe servente. O guarda diz a ele:
– Mohamed, obrigado pelo favor. Passe pela minha casa amanhã de manhã, eu lhe dou o que prometi.
– Obrigado – diz o canalha. – Irei sem falta, mas diga, chefe, Bébert Celier também tem que me pagar, não é?
– Acerte com ele – diz o guarda.
Aí eu digo:
– Foi Bébert Celier que nos dedou, chefe?
– Não fui eu que lhe disse isso.
– Tanto faz quem disse, é bom saber.
O guarda, sempre com a mira da carabina em cima da gente, diz:
– Reviste eles, Mohamed.
O árabe tira a faca enfiada na minha cintura e a faca de Matthieu. Digo a ele:
– Mohamed, você é bem esperto. Como é que você nos descobriu?
– Eu trepava no alto de um coqueiro todo dia, para ver onde vocês tinham enfiado a jangada.
– Quem lhe mandou fazer isso?
– Primeiro foi Bébert Celier; depois foi o vigilante Bruet.
– Vamos – diz o guarda -, já houve conversa demais. Agora, vocês podem baixar as mãos e andar mais depressa.
Os 400 metros que tínhamos de percorrer para chegar ao comando me pareceram o caminho mais comprido de toda a minha vida. Eu estava arrasado. Tanta luta, para nos deixarmos apanhar como uns fodidos.
Meu Deus, como sois cruel contra mim!
Foi um belo escândalo a nossa chegada ao comando. Pois, à medida que íamos avançando, encontrávamos mais guardas e vigilantes que se juntavam ao nosso, que continuava nos ameaçando com a carabina. Ao chegar, tínhamos uns sete ou oito guardas atrás de nós.
O comandante, prevenido pelo árabe que viera correndo na nossa frente, está à soleira da porta do prédio da administração, bem como Dega e cinco guardas-chefes.
– O que está acontecendo, Sr. Bruet? – pergunta o comandante.
– Está acontecendo que apanhei em flagrante delito estes dois homens escondendo uma jangada que me parece estar pronta.
– Papillon, o que tem a dizer?
– Nada, deixo para falar na instrução.
– Meta-os na cela.
Colocam-me numa cela que dá, pela sua janela tapada, para o lado da entrada do comando. A cela é completamente escura, mas ouço as pessoas que falam na rua do comando.
Os acontecimentos se precipitam. Às 3 horas nos tiram e nos põem algemas.
Na sala, uma espécie de tribunal: comandante, subcomandante, guarda-chefe. Um guarda funciona como escrivão. Sentado, mais afastado, diante de uma mesinha, Dega, com um lápis na mão, tem provavelmente a incumbência de anotar na hora e fielmente as declarações.
– Charrière e Carbonieri, ouçam o relatório que o Sr. Bruet fez contra vocês: “Eu, Bruet Auguste, guarda-chefe, diretor da oficina das Ilhas da Salvação, acuso de roubo, desvio de material pertencente ao Estado, os dois forçados Charrière e Carbonieri. Acuso de cumplicidade o marceneiro Bourset. Acredito também poder responsabilizar por cumplicidade Naric e Quenier. Acrescento que surpreendi em flagrante delito Charrière e Carbonieri, que estavam violando a sepultura da Sra. Privat, a qual sepultura servia de esconderijo para ocultar a jangada deles”.
– Que tem você a dizer? – pergunta o comandante.
– Em primeiro lugar, que Carbonieri não tem nada a ver com isso. A jangada é planejada para levar um único homem, eu. Eu o obriguei a me ajudar na retirada das esteiras de cima do túmulo, operação que eu não podia fazer sozinho. Portanto, Carbonieri não é culpado de desvio e roubo de material pertencente ao Estado, nem de cumplicidade na evasão, uma vez que a evasão não se efetivou. Bourset é um pobre coitado que agiu sob ameaça de morte. Quanto a Naric e Quenier, são indivíduos que eu mal conheço. Afirmo que eles não têm relação nenhuma com o caso.