Uma noite, digo a ele:
– Dou 2 000 francos se você fizer o que eu lhe pedir: uma jangada para dois homens, feita em peças desmontadas.
– Escute, Papillon, eu não faria isso para ninguém, mas por você me disponho a arriscar dois anos de reclusão, se me pegarem. Só tem uma coisa: não posso tirar peças de madeira tão grandes da marcenaria.
– Já tenho quem vai se encarregar disso.
– Quem?
– Os caras do carrinho, Naric e Quenier. Qual é o teu plano de trabalho?
– Primeiro é preciso fazer um desenho com escala, depois as peças uma por uma, com chanfraduras para que tudo se encaixe perfeitamente. O difícil é achar madeira que flutue bem, porque nestas ilhas tudo é madeira dura, que não flutua.
– Quando é que você me dá uma resposta?
– Daqui a três dias.
– Você quer ir embora comigo?
– Não.
– Por quê?
– Tenho medo dos tubarões e de me afogar.
– Você me promete fazer tudo o que puder para me ajudar?
– Juro que sim, pela vida dos meus filhos. Só tem uma coisa, é que vai demorar um bocado.
– Escute bem: desde já, eu vou lhe preparar uma defesa para caso de imprevisto. Vou copiar o desenho da jangada eu mesmo numa folha de caderno. Embaixo eu escrevo: “Bourset, se você não quiser ser assassinado, fabrique uma jangada igual à do desenho acima”. Mais tarde, eu vou lhe dar por escrito as ordens para a execução de cada peça. Cada peça que terminar, você deposita no local que eu vou lhe dizer. A peça será levada embora. Não procure saber por quem, nem quando (com isso, Bourset parece aliviado). Assim eu evito que você seja torturado, se pegarem, e você só arrisca um mínimo de uns seis meses.
– E se for você que eles pegarem?
– Então será o contrário. Eu confesso que sou o autor dos bilhetes. Você, é claro, guarde bem as ordens escritas. Está prometido?
– Está.
– Você não está com medo?
– Não, não me assusto mais, e fico contente de ajudar você. Eu ainda não disse nada a ninguém. Primeiro espero a resposta de
Bourset. E é só uma longa e interminável semana mais tarde que consigo falar com ele a sós, na biblioteca. Não há mais ninguém. É um domingo de manhã. Na lavanderia, no pátio, o jogo está no auge. Uns oitenta jogadores e outro tanto de curiosos.
Imediatamente ele me enche o coração de sol:
– O mais difícil era ter certeza de conseguir madeira leve e seca em quantidade suficiente. Resolvi o problema bolando uma espécie de armação de madeira que será forrada de cocos secos, sem tirar a casca de fibra, é claro. Não há nada mais leve que essa fibra e a água não consegue penetrar nela. Quando a jangada estiver pronta, fica a seu cargo conseguir um número suficiente de cocos para pôr dentro. Então, amanhã faço a primeira peça. Vai me levar uns três dias. A partir de quinta-feira, ela pode ser retirada por um dos cunhados, logo na primeira calmaria. Eu nunca começarei uma nova peça antes que a anterior tenha sido retirada da oficina. Está aqui o desenho que eu fiz, copie e me escreva a carta que você prometeu. Você já falou com os caras do carrinho?
– Não, ainda não, eu estava esperando a sua resposta.
– Pronto, a minha resposta é sim.
– Obrigado, Bourset, não sei como lhe agradecer. Olhe, tome 500 francos.
Aí, então, me olhando bem nos olhos, ele me diz:
– Não, guarde o seu dinheiro. Se você chegar à Terra Grande, vai precisar dele para depois você dar o fora de lá também. A partir de hoje, eu não vou mais jogar até que você tenha ido embora. Com alguns trabalhos, sempre dá para eu pagar os cigarros e o de comer.
– Por, que você não aceita?
– Porque eu não faria isso nem por 10 000 francos. Estou arriscando alto, mesmo com as precauções tomadas. Só que, de graça, se faz. Você me ajudou, você é o único que me estendeu a mão. Mesmo se me dá medo, fico contente de ajudar você a voltar a ser livre.
Vou fazendo a cópia do desenho numa folha de caderno e sinto vergonha diante de tanta nobreza ingênua. Nem passou pela cabeça dele que minhas ações a favor dele eram interesseiras e com segunda intenção. Sou obrigado a dizer a mim mesmo, para subir no meu Próprio conceito, que preciso fugir a qualquer preço, e mesmo, se for o caso, ao preço de situações difíceis e nem sempre bonitas. Durante a noite, falo com Naric, apelidado de “Boa-Praça”, o qual, mais tarde, ficou de pôr o seu cunhado a par da história. Ele me diz sem hesitar:
– Pode contar comigo para retirar as peças da oficina. Só que a gente não pode se apressar, porque só dá para retirar quando se sai com uma quantidade grande de material para fazer um trabalho de marcenaria na ilha. Em todo caso, prometo que não vamos perder nenhuma oportunidade.
Certo. Falta falar com Matthieu Carbonieri, porque é com ele que eu quero cair fora daqui. Ele concorda cem por cento.
– Matthieu, já encontrei o homem que vai me fabricar a jangada, já encontrei o homem que vai retirar as peças da oficina. A seu cargo fica descobrir no seu jardim o local para enterrar a jangada.
– Não, é perigoso num canteiro de legumes, porque de noite alguns guardas vão roubar legumes e, se passam por cima e sentem que está oco por baixo, acabamos apanhados como fujões. Vou fazer um esconderijo numa parede de sustentação, retirando uma pedra grande e fazendo uma espécie de pequena gruta. Assim, cada vez que me chega uma peça, é só eu levantar a pedra e recolocá-la depois de esconder a madeira.
– É para levar as peças diretamente para o seu jardim?
– Não, seria perigoso demais. Os caras do carrinho não têm nada de justificável a fazer no meu jardim, o melhor é combinarmos que de cada vez eles a depositem em um lugar diferente, não muito longe do meu jardim.
– Entendido.
Tudo parece estar acertado. Só faltam os cocos. Vou ver como é que poderei, sem chamar atenção, preparar uma quantidade suficiente.
A essa altura, sinto-me renascer. Só me falta falar com Galgani e com Grandet. Não tenho o direito de me calar, porque eles podem ser acusados de cumplicidade. Normalmente, eu deveria me separar deles oficialmente para viver sozinho. Quando digo a eles que vou preparar uma fuga e que devo me separar deles, eles me xingam e recusam categoricamente:
– Prepare a sua fuga o quanto antes. Quanto a nós, a gente se arranja por aqui mesmo. Até lá, fique com a gente, não será a primeira vez.
Já faz um mês que a fuga está se armando. Já recebi sete peças, das quais duas grandes. Fui ver a parede de sustentação onde Matthieu cavou o esconderijo. Não se vê que a pedra foi mexida, porque ele toma o cuidado de pregar musgo em volta. O esconderijo é perfeito, mas a cavidade me parece muito pequena para abrigar tudo. Enfim, por enquanto tem lugar.
O fato de estar armando uma fuga me dá um moral formidável.
Como mais do que nunca, e a pesca me mantém em forma física perfeita. Além disso, todas as manhãs pratico mais de duas horas de cultura física nos rochedos. Faço funcionarem sobretudo as pernas, porque a pesca já me faz funcionarem os braços. Descobri um troço bom para as pernas: avanço até mais longe do que faço para pescar e as ondas vêm bater contra as minhas coxas. Para agüentá-las e manter o equilíbrio, contraio os músculos. O resultado é excelente.
Juliette, a comandanta, continua sempre muito amável comigo, mas percebeu que só entro na casa dela quando o marido está. Ela me disse isso francamente e, para me deixar mais à vontade, me explicou que no dia do penteado ela estava brincando. Mas a moça que lhe serve de cabeleireira fica me espiando muitas vezes quando volto da pesca, sempre com umas palavras gentis sobre a minha saúde e o meu moral. Portanto, vai tudo às mil maravilhas. Bourset não perde ocasião de me fazer uma peça. Já há dois meses e meio que começamos.
O esconderijo está repleto, conforme; eu havia previsto. Só faltam duas peças, as mais compridas: uma de 2 metros, outra de 1 metro e meio. Essas peças não vão caber na cavidade.