Изменить стиль страницы

Decidi começar segunda-feira meu trabalho de limpador de latrinas. Às 4 e meia da madrugada, vou sair com um colega para esvaziar as latrinas do bloco A, as nossas. O regulamento exige que, para esvaziá-las, sejam levadas até o mar. Mas, pagando um condutor de búfalos, ele nos espera num lugar do planalto, de onde um estreito canal cimentado desce até o mar. Então, rapidamente, em menos de vinte minutos, a gente esvazia todas as tinas neste canal e, para empurrar a matéria, joga-se 3 000 litros de água do mar, trazidos num enorme barril. O transporte da água custa 20 francos por dia, pagos ao condutor de búfalos, um preto das Antilhas simpático. A descida da matéria é ajudada com uma vassoura muito dura. Por ser meu primeiro dia de trabalho, carregar as tinas com duas barras de madeira me cansou os pulsos. Mas vou me acostumar rapidamente.

Meu novo colega é muito prestativo, mas Galgani me informou que é um homem extremamente perigoso. Teria cometido, parece, sete assassinatos nas ilhas. A viração dele é vender merda. De fato, cada jardineiro tem que fazer seu estrume. Para isso, ele cava uma fossa, bota dentro folhas secas e capim e o meu amigo das Antilhas leva clandestinamente uma ou duas tinas ao jardim indicado. Claro que isso não pode ser feito por uma pessoa só, e tenho que ajudá-lo. Mas sei que é uma falta grave, pois pode haver contaminação das verduras e difundir a disenteria tanto entre os guardas como entre os presos. Resolvo que um dia, quando conhecê-lo melhor, vou impedi-lo de fazer isso. Evidentemente, vou pagar-lhe o que ele perder por interromper seu comércio. Além disso, ele trabalha chifres de boi. No que diz respeito à pesca, ele me diz que não pode fazer nada, mas que, no cais, Chapar ou algum outro podem me ajudar.

Pronto, virei limpador de latrinas. Acabado o serviço, tomo um bom banho, boto um calção e vou todo dia pescar em liberdade onde bem entendo. Só tenho uma obrigação: estar ao meio-dia no campo. Graças a Chapar, não me faltam nem varas nem iscas. Quando volto com peixes enfiados pelas brânquias num arame, é raro que, das casinhas, as esposas dos guardas não me chamem. Todas sabem o meu nome:

– Papillon, me vende 2 quilos.

– Está doente?

– Não.

– Está com uma criança doente?

– Não.

– Então não vendo meu peixe.

Consigo pegar grandes quantidades de peixe que dou aos amigos do campo. Troco por pão de metro, verduras ou frutas. Meus amigos comem peixe pelo menos uma vez por dia. Um dia; estou de volta com uma dúzia de grandes lagostas e 7 ou 8 quilos de peixe, passo em frente da casa do comandante Barrot. Uma mulher bastante gorda me diz:

– Você teve sorte na pesca, Papillon. O mar está ruim e ninguém consegue pegar nada. Já faz quinze dias que não como peixe. É pena que você não venda. Meu marido me disse que você se recusa a vender às esposas dos guardas.

– É verdade, senhora. Mas com a senhora pode ser diferente.

– Por quê?

– Porque está gorda e é possível que carne seja ruim para a senhora.

– É verdade, me disseram que só devia comer verduras e peixe cozido. Mas aqui não é possível.

– Pronto, senhora, tome estas lagostas e estes peixes.

E dou para ela mais ou menos 2 quilos de peixe.

A partir desse dia, toda vez que fazia uma pesca grossa, dava para ela o necessário para fazer um bom regime. Ela, que sabe que tudo se vende nas ilhas, nunca me disse nada a não ser “obrigada”. Teve razão, pois adivinhou que, se me oferecesse dinheiro, eu levaria a mal. Mas freqüentemente ela me convida para entrar na casa dela. Oferece-me um licor ou um copo de vinho branco. Quando recebe “figatelli” da Córsega, ela me dá. Nunca a senhora Barrot fez perguntas sobre o meu passado. Apenas uma frase, um dia, lhe escapou, a respeito dos trabalhos forçados:

– É verdade que não dá para fugir das ilhas, mas é melhor estar aqui, num clima sadio, do que apodrecer como um bicho na prisão da Terra Grande.

Foi ela quem me explicou a origem do nome das ilhas: numa epidemia de febre amarela em Caiena, alguns padres e as freiras de um convento se refugiaram nas ilhas e todos se salvaram. Daí veio o nome de Ilhas da Salvação.

Graças à pesca, vou para qualquer lugar. Já faz três meses que sou limpador de latrinas è conheço a ilha melhor do que ninguém. Vou observar os jardins, a pretexto de oferecer meu peixe em troca de verduras e frutas. O jardineiro de um jardim localizado perto do cemitério dos guardas é Matthieu Carbonieri, que faz parte da minha patota. Ele trabalha sozinho e pensei que, mais tarde, a gente poderia enterrar ou preparar uma jangada no jardim dele. Mais dois meses e o comandante irá embora. Aí vou poder agir livremente.

Estou organizado: limpador titular das latrinas, saio como se fosse Para fazer a limpeza, mas quem faz no meu lugar é o cara das Antilhas, mediante dinheiro, é claro. Travei relações de amizade com dois cunhados condenados à prisão perpétua, Narric e Quenier. São chamados “os cunhados do carrinho”. Contam que foram acusados de ter transformado em bloco de cimento um cobrador que tinham assassinado. Testemunhas teriam visto eles transportarem num carrinho de mão um bloco de cimento que teriam jogado no Marne ou no Sena. O inquérito estabeleceu que o cobrador foi até a casa deles para receber uma duplicata e, depois, ninguém mais o viu. Eles negaram a vida toda. Até na prisão, eles se diziam inocentes. Embora o corpo nunca tenha sido encontrado, foi achada a cabeça embrulhada num lenço. E na casa deles havia lenços do mesmo tecido e da mesma linha, “conforme os peritos”. Mas os advogados e eles mesmos provaram que foram feitos lenços com milhares de metros dessa fazenda. Todo mundo tinha lenços iguais àquele. Finalmente, os dois cunhados pegaram a prisão perpétua e a mulher de um dos dois, irmã do outro, pegou vinte anos de reclusão.

Consegui travar relações com eles. Já que são pedreiros, eles têm entrada e saída livres na oficina de trabalho. Eles poderiam talvez, peça por peça, tirar o necessário para fazer uma jangada. Agora tenho que convencê-los.

Ontem me encontrei com o médico. Levava um peixe de pelo menos 20 quilos, de carne delicada, chamado cherna. Ele e eu caminhamos na direção do planalto. Na metade do caminho, sentamos num murinho. Ele me diz que com a cabeça desse peixe se faz uma sopa deliciosa. Ofereço-lhe a cabeça, com um grande pedaço de carne. Fica espantado com meu gesto e diz:

– Você não guarda ressentimento, Papillon.

– Quer dizer, doutor, este gesto meu, confesso que não o faço por mim. Sou grato ao senhor porque fez o possível para o meu amigo Clousiot.

A gente conversa um pouco e ele me diz:

– Bem que você gostaria de fugir, não é? Você não é um forçado. Parece que você é outra coisa.

– O senhor tem razão, doutor, não pertenço aos trabalhos forçados, estou aqui apenas de passagem.

Começa a rir. Aí ataco:

– Doutor, o senhor acredita que um homem possa se regenerar?

– Acredito.

– O senhor admitiria a idéia de que eu possa viver na sociedade, sem ser um perigo para ela, e me transformar em cidadão honesto?

– Acredito sinceramente que sim.

– Então, por que o senhor não me ajudaria para chegar a isso?

– Como?

– Fazendo com que eu seja mandado ao continente como tuberculoso.

Ele confirma, então, alguma coisa de que eu já tinha ouvido falar:

– Não é possível e lhe aconselho a nunca fazer isso. É perigoso demais. A administração só desinterna um homem por doença depois de ele ter ficado pelo menos um ano no pavilhão correspondente à doença.

– Por quê?

– É um pouco vergonhoso dizer isso, mas penso que é para que o sujeito em questão, se for um simulador, saiba que ele tem toda a probabilidade de ser contaminado pela coabitação com os outros doentes e que ele adoeça mesmo. Portanto, nada posso fazer por você.

Desse dia em diante, ficamos bastante camaradas, o curandeiro e eu. Até o dia em que o meu amigo Carbonieri quase foi morto por causa dele. De fato, Matthieu Carbonieri, de comum acordo comigo, tinha aceito ser cozinheiro dos guardas-chefes. Era para ver se dava para roubar três barris de vinho, óleo ou vinagre e achar um meio de amarrá-los e sair para o mar. Isso, claro, depois da saída de Barrot. As dificuldades eram muitas, pois era necessário, na mesma noite, roubar os barris, transportá-los até o mar sem que ninguém nos visse nem ouvisse, e juntá-los com cabos. O que só seria possível numa noite de tempestade, com vento e chuva. Mas, com vento e chuva, o mais difícil seria botar essa jangada no mar, que forçosamente estaria muito agitado.