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– Doente, deitado.

Nas duas outras choças, os guardas vão às vezes procurar o doente e o obrigam a assistir à chamada. Nunca no bloco dos violentos. Conclusão: o que eles procuram antes de mais nada, do maior ao menor, é a tranqüilidade da prisão.

Meu amigo Grandet, com quem estou associado e reparto as coisas, é um marselhês de 35 anos. Muito alto, magro como um prego, mas muito forte. Somos amigos desde a França. A gente se dava em Toulon, bem como em Marselha e Paris.

É um célebre perfurador de cofres-fortes. É bom, mas pode ser muito perigoso. Hoje estou quase sozinho nesta imensa sala. O chefe da choça varre e passa um pano no chão de cimento. Estou vendo um homem consertando um relógio, com um troço de madeira no olho esquerdo. Em cima da sua rede, uma tábua onde estão dependurados uns trinta relógios. Este rapaz tem os traços de um homem de trinta anos e cabelos inteiramente brancos. Aproximo-me dele e o observo trabalhar, depois tento bater um papo. Nem levanta a cabeça e permanece mudo. Afasto-me um pouco, ofendido, saio para o pátio e me sento perto do tanque. Encontro Titi la Belote, que está treinando com um baralho completamente novo. Seus dedos ágeis baralham constantemente as 52 cartas com uma rapidez incrível. Sem interromper o jogo de suas mãos de prestidigitador. diz:

– Então, velho, tudo bem? Está se dando bem em Royale?

– Sim, mas hoje estou na fossa. Preciso trabalhar um pouco; resolvi sair um pouco da choça. Quis bater um papo com o sujeito que está dando uma de relojoeiro, ele nem abriu a boca.

“Não se incomode, Papi, este sujeito não liga para ninguém. Para ele, só existem os relógios. Para o resto, bolas! É verdade que, depois do que aconteceu para ele, tem o direito de ser gira. Até por menos. Imagine que este rapaz – pode-se dizer que ele é um rapaz, não tem ainda trinta anos – era condenado à morte, no ano passado, porque ele teria estuprado a mulher de um guarda. Lorota! Fazia tempo que ele trepava com a dona, a esposa de um guarda-chefe bretão. Como ele trabalhava na casa deles como moço de serviços, cada vez que o bretão tinha plantão de dia, o relojoeiro comia a garota. Só que eles cometeram um erro: a dona nem o deixava mais lavar e passar a roupa. Era ela mesma que fazia tudo, e o cornudo do marido achou estranho, começou a desconfiar, porque sabia que ela era preguiçosa. Mas não tinha prova de seu infortúnio. Então bolou alguma coisa para pegar os dois em flagrante e matá-los. Ele não contava com a reação da dona. Um dia, ele deixa o plantão duas horas depois de ter começado e pede a um guarda para acompanhá-lo até em casa, alegando que queria lhe dar um presunto que tinha recebido de sua terra. Sem barulho, passa pelo portão; mas, assim que abre a porta da casinha, um papagaio se põe a berrar: ‘Chegou o patrão!’, como costumava fazer toda vez que o cara voltava para casa. Logo a mulher se põe a gritar: ‘Socorro! É uma curra!’ Os dois guardas entram no quarto na hora em que a mulher escapa dos braços do forçado que, surpreendido, pula pela janela, enquanto o cornudo atira nele. Levou um tiro no ombro; a dona, por sua vez, arranhou ela mesma os peitos e a face e rasgou o chambre. O relojoeiro caiu, ferido, e, na hora em que o bretão ia acabar com ele, o outro guarda lhe tirou a arma. É verdade que o outro era um corso e entendeu logo que o chefe lhe tinha contado uma lorota, estupro ali era chifre em cabeça de cavalo. Mas o corso não podia falar com o bretão e fingiu que acreditava no estupro. O relojoeiro foi condenado à morte. Até aí, meu velho, nada de extraordinário. É depois que o caso se torna interessante.

“Em Royale, no quartel dos punidos, tem uma guilhotina, cada peça bem guardada num lugar especial. No pátio, tem cinco lajes para erguê-la, bem cimentadas e niveladas. Toda semana, o carrasco e seus assistentes, dois forçados, montam a guilhotina com a faca e o troço todo e cortam um ou dois troncos de bananeira. Assim, ficam certos de que está sempre em bom estado.

“O relojoeiro saboiano estava numa cela de condenado à morte com quatro outros, três árabes e um siciliano. Eles esperavam resposta ao pedido de indulto, feito por guardas que os defenderam.

“Numa manhã, eles montam a guilhotina e abrem bruscamente a porta do relojoeiro. Os carrascos se jogam sobre ele, lhe amarram os pés com uma corda, ligam os pulsos com a mesma corda dos pés. Com tesouras, aparam o colarinho e ele, em passos estreitos, na semi-obscuridade da alvorada, percorre uns 20 metros. Você sabe, Papillon, que, quando se chega diante da guilhotina, a gente se encontra frente a frente com uma tábua em pé na qual eles amarram o sujeito com correias presas na tábua. Amarram o cara, começam a deitar a tábua, a cabeça de fora, quando chega o atual comandante, o ‘Coco Seco’, que tem que assistir obrigatoriamente à execução. Leva na mão um enorme lampião de querosene e, na hora em que ele ilumina a cena, percebe que os putos dos guardas se enganaram: eles iam cortar a cabeça do relojoeiro, que, naquele dia, não tinha nada a ver com a cerimônia.

“- Parem, parem! – grita Barrot.

“Fica tão perturbado, que parece até que não consegue mais falar. Deixa cair o lampião, empurra todo mundo, os guardas, os carrascos, e ele mesmo desamarra o relojoeiro saboiano. Finalmente consegue dar uma ordem:

“- Leve-o de volta para a cela, enfermeiro. Trate dele, fique com ele, dê-lhe rum. E vocês, cretinos, vão buscar rápido Rencasseu, é ele que executamos hoje!

“No dia seguinte, o saboiano estava com os cabelos inteiramente brancos, tal como você o viu hoje. Seu advogado, um guarda de Calvi, fez um novo pedido de indulto ao ministro da Justiça, contando-lhe o incidente. Á pena do relojoeiro foi comutada e transformada em prisão perpétua. Desde então, ele passa o tempo todo consertando os relógios dos guardas. É a sua paixão. Ele controla os relógios durante muito tempo; é por isso que tem tantos dependurados no seu painel de observação. Agora dá para entender que o sujeito tem o direito de estar um pouco doido, sim ou não?”

– Não tem nem dúvida; depois de um choque desses, ele tem o direito de não ser muito amável. Sinceramente, tenho dó dele.

A cada dia, aprendo um pouco mais sobre esta nova vida. A choça A é realmente uma concentração de homens terríveis, tanto por causa do passado deles como pela maneira de eles reagirem na vida cotidiana. Não trabalho ainda: espero um lugar de limpador de latrinas. É um posto que, depois de 45 minutos de trabalho, me deixará livre sobre a ilha, com direito de ir pescar.

Hoje de manhã, na chamada para a tarefa de plantação de coqueiros, designam Jean Castelli. Ele sai da fileira e pergunta:

– O que é isso? Estão me mandando para o trabalho, eu?

– Sim, você – responde o guarda encarregado da tarefa. – Vai, pega essa picareta!

Friamente, Castelli olha para ele:

– Olhe um pouco pra mim, meu chapa. Você é um caipira de Auvergne. Não está vendo que é preciso ter nascido numa aldeola como a tua para saber usar um instrumento desses? Eu sou corso e marselhês. Na Córsega, a gente joga para muito longe os instrumentos de trabalho, e em Marselha a gente nem sabe que eles existem. Fique você com a picareta e me deixe em paz.

O jovem guarda, que ainda não estava a par da situação, pelo que vim a saber mais tarde, levanta a picareta contra Castelli, cabo para cima. Numa voz só, os 120 homens urram:

– Carniceiro, não toque nele ou você está morto.

– Dispersem! – grita Grandet e, sem levar em conta as posições de ataque tomadas por todos os guardas, voltamos todos para a choça.

A choça B desfila, indo para o trabalho. A choça C também. Doze guardas vêm chegando e, coisa rara, fecham a porta gradeada. Uma hora mais tarde; quarenta guardas estão de cada lado da porta, de metralhadora na mão. Comandante adjunto, vigia-chefe, guarda-chefe, guardas, todos estão aqui, com exceção do comandante, que saiu às 6 da manhã, antes do incidente, para inspecionar a Ilha do Diabo: