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Assim que saio do hospital, me levam para o prédio da administração, me apresentam ao comandante Barrot, o “Coco Seco”.

– Papillon, antes de botá-lo no campo, eu quis conversar um pouco com você. Você tem aqui um amigo precioso, meu contador geral, Louis Dega. Ele sustenta que você não merece as informações que nos chegam da França. Como ele considera você um condenado inocente, acha natural que você esteja num estado permanente de revolta. Devo dizer que não concordo muito com ele a esse respeito. O que eu gostaria de saber é qual é, atualmente, o seu estado de espírito.

– Primeiro, meu comandante, para poder responder, pode me dizer quais são as informações do meu processo?

– Veja você mesmo.

E ele me passa uma cartolina amarela onde leio mais ou menos o seguinte:

“Henri Charrière, dito Papillon, nascido a 16 de novembro de 1906, em…, Ardèche, condenado por homicídio voluntário aos trabalhos forçados perpétuos, pelo tribunal do Sena. Perigoso de todos os pontos de vista, deve ser vigiado com muita cautela, não poderá se beneficiar dos empregos de favor.

“Central de Caen: Condenado incorrigível. Capaz de fomentar uma revolta. Deve ser vigiado constantemente.

“Saint-Martin-de-Ré: Indivíduo disciplinado mas certamente possuidor de muita influência sobre os colegas. Tentará fugir de qualquer lugar.

“Saint-Laurent-du-Maroni: Cometeu uma agressão selvagem contra três guardas e um auxiliar da administração para fugir do hospital. Volta da Colômbia. Bom comportamento na preventiva. Condenado a uma pena leve de dois anos de reclusão.

“Reclusão de Saint-Joseph: Bom comportamento até a libertação”.

– Com isso, meu velho Papillon – diz o diretor quando lhe devolvo a ficha -, a gente não se sente muito seguro quando tem você como pensionista. Você quer fazer um acordo comigo?

– Por que não? Depende do acordo.

– Você é um homem que, sem dúvida, vai fazer tudo para fugir das ilhas, apesar das grandes dificuldades que existem para a fuga. É possível até que você seja bem sucedido. Quanto a mim, me faltam apenas cinco meses na direção das ilhas. Sabe o que custa uma evasão para o comandante das ilhas? Um ano de soldo normal. Quer dizer, a perda completa do tratamento colonial; férias adiadas de seis meses e reduzidas de três. E, conforme as conclusões do inquérito, se houve desleixo por parte do comandante, a possível perda de um galão. Está vendo que o negócio é sério. Se eu fizer o meu trabalho honestamente, não é porque você é capaz de fugir que tenho o direito de botá-lo numa cela ou numa masmorra. A não ser que eu invente delitos imaginários. E isso não quero fazer. Então, eu gostaria que você me desse a sua palavra de que não tentará fugir até a minha saída das ilhas. Cinco meses.

– Comandante, eu lhe dou a minha palavra de honra de que não vou partir enquanto o senhor estiver aqui, se isso não ultrapassar seis meses.

– Parto dentro de um pouco menos de cinco meses, é absolutamente certo.

– Muito bem, pergunte a Dega, ele dirá ao senhor que sou homem de palavra.

– Acredito.

– Mas, em compensação, peço outra coisa.

– O quê?

– Que, durante os cinco meses que tenho que passar aqui, eu possa ter já os empregos dos quais eu poderia me beneficiar mais tarde, e talvez até mudar de ilha.

– Então está certo. Mas que isso fique estritamente entre nós.

– Sim, meu comandante.

Ele manda vir Dega, que o convence de que o meu lugar não é junto com os presos “bem comportados”, mas com os homens da zona da malandragem, no prédio dos perigosos, onde se encontram todos os meus amigos. Recebo um saco completo com os trastes de forçado e o comandante manda acrescentar algumas calças e algumas japonas brancas pedidas aos alfaiates.

É assim, com duas calças de um branco impecável, novinhas, e três japonas, um chapéu de palha de arroz, que me encaminho, acompanhado por um guarda, para o campo central. Para ir do pequeno prédio da administração até o campo, é necessário atravessar o planalto inteiro. Passamos em frente do hospital dos guardas, ao seguir um muro de 4 metros que faz a volta completa da penitenciária. Depois de ter feito a volta quase completa desse imenso retângulo, se chega à porta principal. “Penitenciária das Ilhas – Seção de Royale”. A imensa porta de madeira é toda aberta. Tem cerca de 6 metros de altura, com dois postos de guarda e quatro guardas em cada um. Sentado numa cadeira, um graduado. Nada de mosquetão: todos estão com revólver. Vejo também cinco ou seis serventes árabes.

Quando chego debaixo do pórtico, todos os guardas saem. O chefe, um corso, diz:

– Chegou um novo, de gabarito.

Os serventes se preparam para me revistar, mas ele os interrompe:

– Não chateiem, não precisam tirar a tralha toda. Vamos, entre, Papillon. No bloco especial, parece que você tem muitos amigos. Eles estão esperando por você. Meu nome é Sofrano. Boa sorte nas ilhas.

– Obrigado, chefe.

E entro num pátio imenso, onde se erguem três grandes blocos. Sigo o guarda que me leva até um deles. Em cima da porta, uma inscrição: “Bloco A – Grupo Especial”. Em frente da porta toda aberta, o guarda grita:

– Vigia do compartimento!

Surge então um velho forçado.

– Chegou um novo – diz o chefe e vai embora.

Entro numa sala retangular, muito grande, onde vivem 120 homens. Como no primeiro prédio de Saint-Laurent, uma barra de ferro percorre cada um dos lados maiores, interrompida apenas no espaço das portas; é uma grade que só se fecha de noite. Entre a parede e a barra estão esticadas, muito bem estendidas, lonas que servem de cama e às quais se dá o nome de rede, embora não sejam realmente redes. Essas redes são bem confortáveis e higiênicas. Em cima de cada uma estão afixadas duas tábuas para nós guardarmos nossas coisas: uma para a roupa, a outra para a comida, a tigela, etc. Entre as fileiras de redes, uma passagem de 3 metros de largura, a “avenida”. Aqui, também, os homens vivem em pequenas organizações, as patotas. Há patotas de dois homens, mas também de dez.

Assim que chegamos, de todos os lados chegam forçados vestidos de branco: “Papi, venha para cá”. “Não, venha com a gente.” Grandet pega a minha sacola e diz:

– Ele vai ficar de patota comigo.

Vou seguindo Grandet. Instalam a lona, bem esticada, que me servirá de cama.

– Tome um travesseiro de penas, meu chapa – diz Grandet.

Reencontro uma porção de amigos. Muitos corsos e marselheses, alguns parisienses, todos amigos da França ou sujeitos encontrados na Santé, na Conciergerie ou no comboio. Mas, espantado por encontrá-los aqui, pergunto:

– Vocês não estão trabalhando numa hora dessas?

Aí é uma gargalhada geral.

– Ah! essa é boa! Neste prédio, quem trabalha não trabalha mais de uma hora por dia. Depois, a gente volta logo para cá.

Esta recepção é realmente calorosa. É de se desejar que continue assim. Mas logo entendo alguma coisa que não tinha previsto: apesar dos dias passados no hospital, preciso aprender de novo a viver numa comunidade.

Vejo algo que eu nunca teria imaginado. Um sujeito entra, vestido de branco, com uma bandeja encoberta por um pano branco limpíssimo e grita:

– Bife, bife, quem quer bife?

Pouco a pouco vem se aproximando da gente, pára, levanta o pano branco e aparece, como num açougue da França, uma bandeja cheia de bifes cuidadosamente empilhados. Percebo que Grandet é freguês constante, pois o rapaz nem pergunta se ele quer bifes, pergunta apenas quantos quer que deixe.

– Cinco.

– Contrafilé ou alcatra?

– Contrafilé. Quanto é? Me dê as contas, porque agora temos um a mais, então vai mudar.

O comerciante de bifes puxa uma caderneta e começa a calcular:

– Dá 135 francos, tudo incluído.

– Cobre e agora recomeçamos de zero.

Depois de o homem ter ido embora, Grandet me diz:

– Aqui, sem tutu você se arrebenta. Mas tem um sistema para ter sempre tutu: a viração.