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– Charrière, hoje é 26 de junho de 1936, você acabou de cumprir a sua pena. Siga-nos.

Saio. No pátio, o sol é suficientemente brilhante para me tontear. Sinto uma espécie de fraqueza. Minhas pernas amolecem e manchas negras dançam diante dos meus olhos. No entanto, caminhei apenas 50 metros, trinta dos quais ao sol.

Chegando ao prédio da administração, vejo Maturette e Clousiot. Maturette está transformado num verdadeiro esqueleto, com o rosto cavado e os olhos fundos. Clousiot está deitado numa padiola, lívido e já com cheiro de morte. Penso: “Não estão bonitos, os meus amigos. Será que eu também estou nesse estado?” Estou doido para me ver num espelho. Digo-lhes:

– Como é? Estamos firmes?

Não respondem. Repito:

– Estamos firmes?

– Estamos – responde debilmente Maturette.

Sinto o impulso de dizer-lhe que a reclusão terminou, que nós temos o direito de conversar. Beijo o rosto de Clousiot. Ele me olha com dois olhos brilhantes e sorri. Diz:

– Adeus, Papillon.

– Não fale assim!

– Falo, sim. Estou nas últimas.

Alguns dias depois, morreu no hospital de Royale. Tinha 32 anos, fora preso com vinte pelo furto de uma bicicleta que não havia cometido. Chega o comandante:

– Tragam os presos aqui para dentro. Maturette e Clousiot se portaram bem. Vou anotar na ficha de vocês: “Boa conduta”. Você, não, Charrière. Você cometeu uma falta grave. Vou anotar na sua ficha: “Má conduta”.

– Desculpe, comandante, mas qual foi a falta que eu cometi?

– Você não se lembra da descoberta dos cigarros e do coquinho?

– Sinceramente, não.

– Bem, que regime você vem tendo há quatro meses?

– De que ponto de vista? No que se refere à comida? O mesmo de sempre, desde que cheguei aqui.

– Ah, isso é o cúmulo! Que foi que você comeu ontem à noite?

– Não sei. Deram o que costumam dar. Não me lembro. Acho que foi feijão, ou arroz. Ou talvez um legume.

– Mas lhe deram comida ontem à noite? Você comeu?

– Claro que comi! O senhor acha que eu vou desperdiçar comida?

– Não, não é isso. Desisto. Não vou anotar “má conduta”. Guarda, faça uma nova ficha de saída para Charrière. Vou anotar “boa conduta” na sua ficha, está bom?

– Está bom e é justo. Não fiz nada que desmerecesse o meu conceito.

Foi com essa frase que nós saímos do escritório.

A grande porta do conjunto de reclusão se abre para passarmos. Escoltados por um único guarda, descemos lentamente o caminho que leva ao porto. Vemos o mar, com seus reflexos brilhantes e prateados da espuma. Em frente se acha Royale, com o verde da vegetação e o vermelho dos tetos. A Ilha do Diabo, austera e selvagem. Peço licença ao guarda para me sentar por alguns minutos. Ele autoriza. Nós nos sentamos, um à esquerda e outro à direita de Clousiot, e automaticamente, sem nos darmos conta, damo-nos as mãos. Esse contato nos dá uma emoção estranha e, sem nos dizermos nada, beijamo-nos no rosto. O guarda faia:

– Vamos, rapazes. É preciso descer.

E lentamente, bem lentamente, descemos até o porto, nós dois adiante, de mãos dadas, o guarda e os dois enfermeiros que vêm carregando o nosso amigo agonizante.

A VIDA EM ROYALE

Assim que entramos no pátio do campo, todos os forçados começam a nos tratar com uma atenção amigável. Reencontro Pierrot le Fou, Jean Sartrou, Colondini, Chissilia. Temos que ir os três para a enfermaria, informa o guarda. Assim, escoltados por uns vinte homens, atravessamos o pátio até a enfermaria. Em alguns minutos, Maturette e eu temos na nossa frente uma dúzia de maços de cigarros e de fumo, café com leite bem quente, chocolate feito com cacau puro. Cada um quer dar alguma coisa para a gente. Clousiot ganha do enfermeiro uma injeção de óleo canforado e uma de adrenalina para o coração. Um preto muito magro diz:

– Enfermeiro, dê as minhas vitaminas para ele, precisa mais do que eu.

É realmente comovedora esta demonstração de bondade solidária para com a gente.

Pierre, o bordelês, diz para mim:

– Você quer gaita? Antes da saída de vocês para Royale, dá tempo para fazer uma vaquinha.

– Não, muito obrigado, tenho dinheiro. Mas como você sabe que eu vou para Royale?

– Foi o contador que disse. Vão os três. Acho até que vão os três para o hospital.

O enfermeiro é um bandido das montanhas da Córsega. Se chama Essari. Depois eu o conheci muito bem, mais tarde contarei toda a história dele, é muito interessante. As duas horas na enfermaria passam muito depressa. Comemos e bebemos bastante. Repletos e satisfeitos, partimos para Royale. Clousiot ficou o tempo todo de olhos fechados, a não ser quando eu me aproximava e botava a mão na testa dele. Então, abria os olhos já mortiços e dizia:

– Amigo Papi, somos verdadeiros amigos.

– Mais do que isso, somos irmãos – respondia eu.

Ainda com um guarda só, descemos. No meio, a maca com Clousiot, Maturette e eu de cada lado. Na porta do campo, todos os forçados se despedem da gente e nos desejam boa sorte. Agradecemos os presentes e não queremos aceitá-los, embora eles não nos ouçam. Pierrot le Fou botou no meu pescoço uma sacola cheia de fumo, cigarros, chocolate e latas de leite Nestlé. Maturette também ganhou uma. Não sabe quem lhe deu. Somente o enfermeiro Fernandez e um guarda nos levam até o cais. Ele entrega a cada um uma ficha para o hospital de Royale. Adivinho que são os forçados enfermeiros Essari e Fernández que, sem pedir nada ao médico, nos hospitalizam. A canoa está aí. Seis remadores, dois guardas atrás armados com mosquetões e mais um no leme. Um dos remadores é Chapar, do caso da Bolsa de Marselha. Bom, vamos. Os remos penetram no mar e, remando, Chapar fala para mim:

– Tudo bem, Papi? Você sempre recebeu o coco?

– Não nos últimos quatro meses.

– Eu sei, houve um acidente. O sujeito foi direito. Ele só conhecia a mim, mas não me entregou.

– O que aconteceu com ele?

– Morreu.

– Não é possível! Morreu de quê?

– Parece, pelo que diz um enfermeiro, que fizeram estourar o fígado dele com um pontapé.

Desembarcamos no cais de Royale, a mais importante das três ilhas. No relógio da padaria são 3 horas. Este sol da tarde é muito forte, me ofusca e me esquenta demais. Um guarda pede dois homens para a maca. Dois forçados, corpulentos, impecavelmente vestidos de branco, cada um com o pulso fortalecido por uma pulseira de couro, levantam Clousiot como se fosse uma pena e nós andamos atrás dele, Maturette e eu, Um guarda, com alguns papéis na mão, anda atrás da gente.

O caminho, de mais de 4 metros de largura, é de cascalho. É difícil de subir. Felizmente, os dois homens param de vez em quando e esperam por nós. Sento no braço da maca, do lado da cabeça de Clousiot e passo levemente a mão na testa dele. Toda vez que faço isso ele sorri, abre os olhos e diz:

– Meu velho Papi!

Maturette pega a mão dele.

– É você, pequenino? – murmura Clousiot.

Ele parece ter uma felicidade inefável ao sentir a gente perto dele. Damos uma parada, quase na chegada, e encontramos uma turma que vai para o trabalho. São quase todos forçados do meu comboio. Todos, na passagem, têm uma palavra amável para a gente. Chegando ao planalto, na frente de um prédio quadrado e branco, vemos, sentados na sombra, as mais altas autoridades das ilhas. Nos aproximamos do comandante Barrot, alcunhado “Coco Seco”, e dos outros chefes da penitenciária. Sem levantar e sem cerimônia, o comandante diz:

– Então, não foi dura demais a reclusão? E aquele na maca, quem é?

– É Clousiot.

Olha para ele e diz:

– Leve todos para o hospital. Quando saírem, bote um aviso para que eles me sejam apresentados antes de entrar no campo.

No hospital, numa grande sala muito bem iluminada, nos botam em camas bem limpas, com lençóis e travesseiros. O primeiro enfermeiro que vejo é Chatal, o enfermeiro da sala de alta vigilância de Saint-Laurent-du-Maroni. Ele toma logo conta de Clousiot e da ordens a um guarda para chamar o médico. Este chega lá pelas 5 horas. Depois de um longo e minucioso exame, vejo que ele balança a cabeça, com ar insatisfeito. Escreve a receita e comenta: