A noite corre lentamente, mas vai passando e eu não durmo. Nem larguei o fuzil. Fiquei tão acordado, ajudado pelas queimaduras e pelas picadas dos mosquitos, que nem uma vez a arma caiu da minha mão. Posso ficar satisfeito comigo mesmo, não arrisquei minha liberdade capitulando sob o peso de tanto esforço. O espírito foi mais forte do que a matéria e eu me felicito quando ouço os primeiros gritos dos pássaros que anunciam o próximo nascer do dia. Os que “se levantam mais cedo que os outros” são o prelúdio do que não se faz esperar por muito tempo.
O negro senta-se, depois de ter-se espreguiçado com todo o corpo, e começa a coçar os pés.
– Bom dia, o senhor não dormiu?
– Não.
– Que besteira, já falei para o senhor que não precisava ter medo de mim. Decidi ajudar o senhor, para que tenha êxito no seu plano.
– Obrigado, Jean. O dia vai demorar a penetrar na floresta?
– Ainda mais de uma hora. Somente os bichos percebem tanto tempo antes de todo mundo que o dia vai nascer. Nós vamos ver um pouco de claridade daqui a uma hora. Empreste-me a sua faca, Papillon.
Sem hesitar, dou a faca para ele. Ele anda dois ou três passos e corta um galho de uma planta gorda. Dá um pedaço grande para mim e guarda o outro.
– Beba a água que está dentro e passe um pouco no rosto.
Nessa estranha bacia, bebo e me lavo. O dia já chegou. Jean devolve a faca. Acendo um cigarro e Jean também fuma. Vamos andando. É lá pelo meio do dia, depois de ter patinhado muitas vezes dentro de grandes poças de lama muito difíceis de atravessar, que, sem nenhum encontro, bom ou ruim, chegamos aos arredores do presídio de Inini.
Chegamos perto de uma verdadeira estrada de acesso ao presídio. Uma estreita linha de estrada de ferro corre ao lado desse amplo terreno desbravado. “São trilhos”, diz ele, “por onde passam somente os carros empurrados pelos chineses. Esses carros fazem um barulho terrível, a gente ouve de longe.” Assistimos à passagem de um deles, em cima está um banco onde ficam sentados dois guardas. Atrás, dois chineses com longas varas de madeira freiam o vagão. Saem faíscas das rodas. Jean explica que as varas têm uma ponta de aço e que servem para empurrar ou para brecar.
A estrada é muito movimentada. Passam uns chineses carregando nos ombros rolos de cipós, outros um porco-do-mato; e outros, ainda, montes de folhas de coqueiro. Todas essas pessoas parecem dirigir-se ao presídio. Jean diz que há muitas razões para ir ao mato: caçar, procurar cipós para fazer móveis, folhas de coco para fazer esteiras que protegem os legumes da horta do calor do sol, caçar borboletas, abelhas, cobras, etc. Certos chineses têm permissão para ir ao mato durante algumas horas, depois de terminar a tarefa imposta pela administração. Todos têm que voltar antes das 5 da tarde.
– Tome, Jean. Aqui estão os 500 francos e a sua espingarda (que antes eu descarreguei). Tenho a minha faca e o meu facão. Pode ir. Obrigado. Deus lhe pague melhor do que eu por ter ajudado um desgraçado a tentar viver de novo. Você foi honesto, obrigado mais uma vez. Espero que, quando contar essa história a seus filhos, você diga: “Aquele condenado parecia um bom rapaz, não me arrependo de tê-lo ajudado”.
– Sr. Papillon, é tarde, não vou poder andar muito antes da noite. Fique com a espingarda, fico com o senhor até amanhã de manhã. Gostaria, se o senhor quiser, de chamar eu mesmo o chinês que o senhor escolher para avisar o seu amigo. Ficará com menos medo de mim do que se ele encontrar um branco foragido. Deixe que eu vá pela estrada. Mesmo um guarda, se aparecer, não vai estranhar a minha presença. Direi que vim procurar pau-rosa para o entreposto de madeira Symphorien de Caiena. Tenha confiança em mim.
– Então, tome seu fuzil, vão achar estranho ver um homem desarmado no mato.
– É verdade.
Jean está plantado no caminho. Vou assobiar de leve quando aparecer o chinês que eu escolher.
– Bom dia, sinhô – diz em patoá um velhinho chinês que carrega no ombro um tronco de bananeira, certamente um palmito, delicioso de comer. Assobio, porque este velho educado que cumprimentou Jean (foi o primeiro a cumprimentar) me agrada.
– Bom dia, chinês. Pare, eu falar com você.
– Que querer, sinhô? – e pára.
Falam por uns cinco minutos. Não ouço a conversa. Dois chineses passam, carregam uma corça grande enfiada numa vara. Está pendurada pelos pés, sua cabeça raspa o chão. Passam sem cumprimentar o negro, mas falam alguma coisa em chinês para o seu patrício, que responde com duas ou três palavras.
Jean manda o velho entrar no mato. Chegam até onde estou. Aproximando-se, ele estende a mão.
– Você fugiu?
– E.
– De onde?
– Da Ilha do Diabo.
– Bom – ele ri e me olha com seus olhos puxados. – Bom, como você chamar?
– Papillon.
– Eu não conhecer.
– Eu, amigo Chang, Cang Vauquien, irmão Cuic-Cuic.
– Ah! Bom – e me dá novamente a mão. – Que querer você?
– Avisar Cuic-Cuic que eu espero ele aqui.
– Impossível.
– Por quê?
– Cuic-Cuic roubar sessenta patos chefe de presídio. Chefe querer matar Cuic-Cuic. Cuic-Cuic fugiu.
– Há quanto tempo?
– Dois meses.
– Foi por mar?
– Não sei. Eu ir presídio falar outro chinês amigo íntimo Cuic-Cuic. Ele resolver. Você não sair daqui. Eu voltar essa noite.
– A que horas?
– Não sei. Mas eu voltar trazer comida para você, cigarros, você não acender fogo aqui. Eu assobiar La Madelon. Quando você ouvir, você sair na estrada. Compreender?
– Compreendi.
E ele vai embora.
– O que é que você acha, Jean?
– Nada está perdido porque, se o senhor quiser, nós voltamos para trás até Kourou e eu arranjo para o senhor um barco, comida e uma vela para partir por mar.
– Jean, eu vou muito longe, é impossível ir completamente só. Obrigado pela oferta. No pior dos casos pode ser que eu aceite.
O chinês deu um pedaço grande de palmito para a gente. Comemos. É fresco e delicioso, com um gosto pronunciado de avelã. Jean vai ficar vigiando, confio nele. Passo suco de fumo no rosto e nas mãos, porque os mosquitos começam a atacar.
– Papillon, alguém está assobiando La Madelon.
Jean me acorda.
– Que horas são?
– Não muito tarde, talvez 9 horas.
Saímos na estrada. A noite está negra. Aproxima-se aquele que está assobiando, eu respondo. Ele se aproxima, está bastante perto, eu ouço mas não enxergo. Sempre assobiando, um de cada vez, chegam perto da gente. São três. Cada um deles toca na minha mão. A lua vai aparecer logo mais.
– Vamos sentar na beira da estrada – diz um deles em francês perfeito. – Na sombra ninguém vai ver a gente.
Jean veio para perto de nós.
– Coma antes, depois pode falar – diz o letrado do bando.
Jean e eu comemos uma sopa de legumes bem quente. Esquenta a gente e resolvemos guardar o resto da comida para mais tarde. Bebemos chá açucarado, quente, com sabor de hortelã; é delicioso.
– Você é o amigo íntimo de Chang?
– Sou, ele me disse que viesse procurar Cuic-Cuic para fugir com ele. Eu já fugi uma vez, fui muito longe, até a Colômbia. Sou um bom marinheiro, é por isso que Chang quer que eu leve seu irmão. Ele confia em mim.
– Muito bem. Quais são as tatuagens de Chang?
– Um dragão no peito, três pontos na mão esquerda. Ele me disse que estes três pontos são a marca de que ele foi um dos chefes da revolta de Poulo Condor. Seu melhor amigo é outro chefe da revolta, chama-se Van Hue. Tem um braço cortado.
– Sou eu – diz o intelectual. – Você é mesmo amigo de Chang; portanto, é nosso amigo. Escute bem: Cuic-Cuic ainda não conseguiu partir por mar porque não sabe dirigir um barco. Além disso, está sozinho, está na floresta, a uns 10 quilômetros daqui. Faz carvão de lenha. Uns amigos vendem o carvão e levam o dinheiro para ele. Quando tiver guardado bastante, vai comprar um barco e procurar alguém para fugir pelo mar com ele. Onde está, não há perigo nenhum. Ninguém pode chegar na espécie de ilha onde ele está, porque é cercada de areia movediça. Qualquer um afunda no barro, se se aventurar sem saber. Virei buscá-lo de madrugada, para levá-lo até Cuic-Cuic. Venha conosco.