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O vento parece aumentar. Pelo menos está mais denso, por assim dizer, do que durante a noite. Agora, as ondas estão mais fortes e mais profundas; e, na sua crista, a espuma branca é maior do que no começo da noite.

Há trinta horas que estou no mar. Preciso reconhecer que, por enquanto, as coisas vão mais bem do que mal e que o dia mais duro vai ser o que começa.

Ontem, por ter ficado exposto diretamente ao sol das 6 da manhã às 6 da noite, fiquei tremendamente cozido e assado. Hoje, com o sol batendo de novo em cima de mim, não vai ser fácil atravessar o dia. Meus lábios já estão rachados e, no entanto, estou ainda no frescor da noite. Ardem tanto quanto os olhos. Os braços e as mãos, a mesma coisa. Se puder, não vou descobrir os braços. Se for possível agüentar a malha de lã, vou ficar vestido com ela. O que me arde terrivelmente, também, é entre as coxas e o ânus. Nesse lugar, não é por causa do sol, mas da água salgada e da fricção em cima dos sacos.

De qualquer maneira, meu caro, queimado ou não, você está fugindo e, para estar onde está, vale bem a pena agüentar isto e muito mais. As perspectivas de chegar vivo na Terra Grande são 90 por cento positivas e isto é alguma coisa, é ou não é? Nem que eu chegue completamente esfolado e vivo pela metade, não é preço caro por uma viagem dessas e um resultado desses. Imagine que não vi um único tubarão. Estão todos de férias? Você não pode negar que é um cara de muita sorte. Desta vez, você vai ver, vai dar certo. De todas as fugas muito estudadas, muito preparadas, afinal, a fuga bem sucedida vai ser a mais idiota. Dois sacos de cocos e depois o vento e o mar levam você. Não precisa sair de Saint-Cyr para saber que todo destroço volta para a praia.

Se o vento e as ondas continuarem durante o dia com a mesma força desta noite, com certeza vamos chegar à terra durante a tarde.

O monstro dos trópicos surge atrás de mim. Parece bastante decidido a torrar tudo hoje, porque sai com todo o fogo. Ele expulsa a noite de lua em dois tempos. Não espera nem sair completamente de seu leito, para já se impor como o dono, o rei indiscutível dos trópicos. O vento num instante já ficou quase morno. Em uma hora vai fazer calor. Uma primeira sensação de bem-estar se desprende de todo o meu corpo. Mal os primeiros raios me tocam, um doce calor me percorre da cintura até a cabeça. Levanto a toalha feito um capuz, expondo o rosto ao sol, como se estivesse diante de um fogo de lenha. O monstro, antes de me queimar, quer me fazer sentir que ele é a vida antes de ser a morte.

O sangue corre fluido nas minhas veias e até minhas coxas molhadas sentem a circulação deste sangue vivificador.

Vejo claramente a floresta, o topo das árvores. Tenho a impressão de que não está muito longe. Vou esperar que o sol suba mais um pouco, para ficar de pé em cima dos sacos e ver se consigo enxergar Sylvain.

Em menos de uma hora, o sol já está alto. É, vai fazer calor, diabo! Meu olho esquerdo está meio fechado e grudado. Pego um pouco de água nas mãos em concha e esfrego. Arde. Tiro a malha: fico de peito nu alguns instantes antes que o sol me queime demais.

Uma onda mais forte que as outras me carrega por baixo e me leva bem para o alto. Na hora em que ela engrossa, antes de descer, vejo meu amigo por um segundo. Está sentado de peito nu sobre sua jangada. Não me viu: Está a menos de 200 metros de mim, um pouquinho para a frente, à esquerda. O vento está sempre forte e, para me aproximar dele, que está à minha frente, quase que na mesma linha, resolvo enfiar a malha só nos braços, levantá-los no ar e segurar a parte de baixo com a boca. Certamente este tipo de vela vai me empurrar mais rápido do que ele.

Mantenho a vela durante cerca de meia hora. Mas a malha me machuca os dentes e as forças que preciso gastar para resistir ao vento me esgotam depressa demais. Quando paro, contudo, tenho a sensação de ter andado mais rapidamente do que se tivesse me deixado carregar pelas ondas.

Hurra! Acabei de ver o meu amigo. Está a menos de 100 metros. Mas o que é que está fazendo? Não parece estar preocupado em saber onde estou. Quando outra onda me levanta bastante, torno a vê-lo uma, duas, três vezes. Notei distintamente que ele estava com a mão direita sobre os olhos, observando o mar. Olhe para trás, seu idiota! Deve ter olhado para o meu lado, de certo, mas não conseguiu me ver.

Fico de pé e assobio. Subindo do fundo da onda, vejo Sylvain de pé na minha frente. Levanta a malha no ar. Dissemo-nos bom dia pelo menos umas vinte vezes antes de tornar a sentar. Cada onda que sobe, acenamos um para o outro; e por sorte ele sobe ao mesmo tempo que eu. Nas duas últimas ondas, ele estende os braços em direção à floresta, que agora podemos distinguir muito bem. Estamos a menos de 10 quilômetros. Perdi o equilíbrio e caí em cima da jangada. Ao ver meu camarada e a mata tão próxima, uma alegria imensa me invade, uma emoção tão grande, que choro como uma criança. Nas lágrimas que limpam meus olhos purulentos, vejo mil cristais de todas as cores e penso bestamente: parecem os cristais de uma igreja. Deus está com você hoje, Papi. É no meio dos elementos monstruosos da natureza, o vento, a imensidão do mar, a profundeza das ondas, a abóbada verde imponente da floresta, que a gente se sente infinitamente pequeno relativamente a tudo que nos cerca e, talvez, sem procurá-lo, encontramos Deus, tocamos nele. Assim como o sentia de noite nas mil horas que passei nas masmorras lúgubres onde estava enterrado vivo sem um raio de luz, toco nele hoje, neste sol que se levanta para devorar aquilo que não tem força suficiente para suportá-lo, toco realmente em Deus, sinto-o em volta de mim, dentro de mim. Ele sussurra mesmo no meu ouvido: “Você sofre e vai sofrer mais ainda, mas desta vez resolvi ficar com você. Você será livre e vencerá, prometo”.

Nunca ter recebido instrução religiosa, não conhecer o a-bê-cê da religião cristã, ser ignorante ao ponto de não saber quem é o pai de Jesus e se sua mãe era realmente a Virgem Maria e seu pai um carpinteiro ou um cameleiro, toda essa ignorância crassa não nos impede de encontrar Deus quando realmente o procuramos, e chegamos a identificá-lo com o vento, o mar, o sol, a mata, as estrelas, até com os peixes que ele teve que semear em profusão para que o homem se alimente.

O sol subiu rapidamente. Devem ser mais ou menos 10 horas da manhã. Estou completamente seco da cintura até a cabeça. Molhei a toalha e tornei a colocá-la como um capuz em volta da cabeça. Coloco a malha porque meus ombros, meus braços e minhas costas queimam horrivelmente. Até minhas pernas, que, no entanto, são freqüentemente molhadas pela água, estão vermelhas como camarões.

Com a costa mais próxima, a atração é mais forte e as ondas se dirigem quase que perpendicularmente na sua direção. Vejo os detalhes da floresta, o que me faz supor que hoje de manhã, em quatro ou cinco horas, nos aproximamos de um modo estranhamente rápido. Graças à minha primeira fuga, sei calcular as distâncias. Quando se distinguem bem os detalhes das coisas, a gente está a menos de 5 quilômetros; percebo a diferença de distância entre os troncos das árvores e, da crista de uma onda mais alta, posso distinguir bem claramente uma árvore imensa caída, atravessada, molhando sua folhagem no mar.

Olhe, golfinhos e pássaros! Espero que os golfinhos não se divirtam a empurrar a jangada. Ouvi dizer que eles costumam empurrar em direção à costa os destroços ou os homens e que, além disso, os afogam com os golpes de seu focinho com a melhor das intenções, procurando ajudá-los. Não, eles dão voltas e mais voltas, são uns três ou quatro, vieram farejar, ver o que é, mas vão embora sem ao menos roçar na minha jangada. Ufa!

Meio-dia, o sol está bem em cima da minha cabeça. Está mesmo com a intenção de fazer um assado comigo. Meus olhos supuram sem parar e a pele dos meus lábios e do nariz já foi embora. As ondas são mais curtas e raivosamente se precipitam, com um ruído ensurdecedor, em direção à costa.