O presídio de Inini fica a leste de Kourou. Somente andando de manhã, contra o sol, vamos ter certeza de seguir a direção certa.
– Segunda de manhã, Santori vai ficar bobo – diz Chang. – Eu não falar que você e Papillon desaparecidos antes de segunda 3 horas da tarde, quando guarda acabar sesta.
– E por que é que você não pode chegar correndo e dizer que uma onda carregou a gente enquanto a gente pescava?
– Não, eu nada complicações. Eu dizer: “Chefe, Papillon e Stephen não vir trabalhar hoje. Eu sozinho dei comer aos porcos”. Só isso.
A EVASÃO DA ILHA DO DIABO
Domingo, 7 horas da noite. Acabo de acordar. Propositalmente, durmo desde sábado de manhã. A lua só sai às 9. Lá fora, a noite está negra. Poucas estrelas no céu. Grandes nuvens carregadas de chuva passam correndo em cima de nossas cabeças. Acabamos de sair do barracão. Como muitas vezes vamos pescar clandestinamente de noite ou mesmo passear pela ilha, todos os outros acham a coisa natural.
Um rapaz entra com seu amante, um árabe forte. Com certeza acabaram de fazer o amor num canto qualquer. Olhando-os enquanto levantam a tábua para voltar à enfermaria, penso que, para o árabe, poder fazer o amor com seu amigo duas ou três vezes por dia é o auge da felicidade. Poder satisfazer à saciedade suas necessidades eróticas é coisa que transforma a prisão num paraíso para ele. Para o garoto bonito é o mesmo. Deve ter uns 23 ou 25 anos. Seu corpo é o de um adolescente. Por mais que viva na sombra para conservar sua pele cor de leite, já deixou de ser um Adônis. Na prisão, contudo, tem mais amantes do que poderia pretender se estivesse em liberdade. Além do amante do coração, o árabe, ele pega clientes a 25 francos cada um, exatamente como uma puta da Rua Rochechouart, em Montmartre. Além do prazer que os clientes provocam nele, ganha dinheiro suficiente para ele e seu “homem” viverem comodamente. Eles e seus clientes se dedicam obstinadamente ao vício e, desde o dia em que puseram os pés na prisão, sua cabeça só teve um ideal: o sexo.
O procurador que os fez condenar fracassou na tentativa de castigá-los, colocando-os no caminho da corrupção. É nesta corrupção que eles encontraram a felicidade.
Descida a prancha na bunda do viadinho, ficamos sós, Chang, Sylvain e eu.
– Vamos andando.
Logo estamos no norte da ilha.
Tiramos as duas jangadas da gruta. Logo ficamos os três molhados. O vento sopra com os uivos característicos do vento desencadeado do alto-mar. Sylvain e Chang me ajudam a puxar minha jangada até o alto do rochedo. Na última hora, resolvo prender o pulso esquerdo à corda do saco. Tenho medo, de repente, de perder o saco e de ser carregado sem ele. Sylvain sobe no rochedo em frente, com a ajuda de Chang. A lua já está bem alta, enxerga-se muito bem. Enrolei uma toalha em volta da cabeça. Temos que esperar seis ondas. Leva tempo.
Chang chega perto de mim. Envolve-me o pescoço, depois me, abraça. Deitado sobre a rocha e abaixado numa depressão da pedra, ele vai segurar minhas pernas para ajudar-me a agüentar a arrebentação de Lisette.
– Mais uma – grita Sylvain -, a outra é a nossa!
Fica na frente da sua jangada, para cobri-la com o corpo e protegê-la contra a água que vai passar sobre ela. Estou na mesma posição e, além disso, para me segurar, tenho as mãos de Chang, que no nervosismo me enfia as unhas na barriga da perna.
Está chegando, a Lisette que vem buscar a gente. Vem empinada como a torre de uma igreja. Com seu costumeiro estrondo ensurdecedor, quebra-se sobre os dois rochedos e afunda em direção ao penhasco.
Atirei-me uma fração de segundo antes de meu companheiro, que parte imediatamente, e nas duas jangadas, coladas uma à outra, Lisette nos arrasta ao largo com uma rapidez vertiginosa. Em menos de cinco minutos estamos a mais de 300 metros da costa. Sylvain ainda não subiu na sua jangada. Eu já estava em cima dela no minuto seguinte. Com um pano branco na mão, empoleirado no banco de Dreyfus, onde teve que trepar depressa, Chang manda seu último adeus. Já faz cinco minutos que saímos do lugar perigoso onde as ondas se formam para ir direto contra a Ilha do Diabo. Aquelas que nos levam são bem mais compridas, quase sem espuma, e tão regulares que vamos à deriva, formando um só corpo com elas, sem balançar e sem que a jangada corra o perigo de virar.
Subimos e descemos estas ondas profundas e altas, levados suavemente para o largo com a vazante.
Ao subir na crista de uma dessas ondas, ainda uma vez, virando completamente a cabeça, posso enxergar o pano branco de Chang. Sylvain não está muito longe de mim, a uns 50 metros em direção ao alto-mar. Várias vezes, ele levanta o braço e o agita em sinal de alegria e de vitória.
A noite não foi dura e sentimos fortemente a mudança de atração do mar. A maré com a qual partimos nos atirou ao largo, esta nos empurra agora para a Terra Grande.
O sol se levanta no horizonte, são portanto 6 horas. Estamos muito junto da água para conseguir avistar a costa. Vejo que estamos bastante longe das ilhas, pois, embora o sol as ilumine completamente, mal se distinguem e não se percebe que são três. Vejo uma massa, só isso. Não podendo distinguir os detalhes, penso que estão a pelo menos 30 quilômetros.
Tenho um sorriso de triunfo; pelo êxito total.
E se eu sentasse na jangada? O vento me empurraria melhor, batendo nas minhas costas.
Pronto, sentei. Desenrolo a corrente e dou uma volta em torno da minha cintura. Com o parafuso bem engraxado, é fácil fechar a porca. Levanto as mãos no ar para secá-las no vento. Vou fumar um cigarro. Pronto. Longamente, profundamente, aspiro as primeiras tragadas e assopro a fumaça docemente. Não tenho mais medo. Porque é inútil descrever a dor de barriga que eu tive antes, durante e depois dos primeiros momentos de ação. Não, não tenho medo, de modo que, terminado o cigarro, resolvo comer um pouco de coco ralado. Como um belo punhado, depois fumo outro cigarro. Sylvain está bastante longe, agora. De tempos em tempos, quando nos encontramos no mesmo momento sobre a crista de uma onda, conseguimos nos enxergar furtivamente. O sol bate com uma força dos diabos sobre o meu crânio, que começa a ferver. Molho minha toalha e enrolo-a na cabeça. Tirei a malha de lã. Apesar do vento, sufoco com ela.
Meu Deus, minha jangada virou e quase me afoguei. Bebi dois bons goles de água salgada. Não conseguia, apesar dos meus esforços, virar os sacos e tornar a subir em cima deles. A culpa é da corrente. Meus movimentos não são bastante livres por causa dela. Enfim, fazendo-a deslizar sempre no mesmo sentido, consegui nadar ao lado dos sacos e respirar profundamente. Experimento livrar-me completamente da corrente, meus dedos procuram inutilmente desaparafusar a porca. Irrito-me e, talvez por estar muito nervoso, não tenho força suficiente nos dedos para desemperrá-la.
Ufa! Enfim, aqui está! Passei um mau pedaço. Fiquei completamente louco, pensando na impossibilidade de me livrar da corrente.
Não me preocupo em endireitar a jangada. Sinto-me esgotado, não tenho bastante força. Subo em cima da jangada. Que importa que a parte de baixo esteja virada para cima? Nunca mais vou ficar amarrado, nem com a corda nem com nada. Já percebi a besteira que fiz na hora da saída, prendendo meu pulso. Isso me servirá de experiência.
O sol, inexoravelmente, queima os meus braços, as minhas pernas. Meu rosto está em fogo. Molhá-lo é pior, acho, porque imediatamente a água se evapora e queima mais ainda.
O vento diminui bastante e, se a viagem é mais cômoda, porque agora as ondas são menos altas, em compensação avanço menos rápido. Muito melhor, portanto, o vento e o mar agitado do que a calmaria.
Tenho cãibras tão fortes na perna direita, que grito, como se alguém pudesse me ouvir. Com o dedo, faço umas cruzes sobre a cãibra, lembrando-me de que minha avó dizia que isso faz a dor passar. O remédio da boa avó fracassa miseravelmente. O sol desceu bastante a oeste. São aproximadamente 4 da tarde, é a quarta maré depois da partida. Parece que esta maré montante puxa com mais força do que a outra em direção à costa.