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– Lá está, olhe.

Uma, duas, três, quatro, cinco, seis… e lá vem Lisette.

O mar fica sempre agitado na ponta do banco de Dreyfus, mas hoje está particularmente de mau humor. Lisette avança com seu barulho característico. Parece mais enorme ainda, deslocando, sobretudo na base, ainda mais água do que habitualmente. Essa massa monstruosa vai atacar o rochedo mais rapidamente e mais aprumada do que nunca. E, quando rebenta e se precipita no espaço contra as enormes pedras, o golpe parece ainda mais ensurdecedor do que em todas as outras vezes.

– É lá que você diz que a gente vai se jogar? Bom, companheiro, você escolheu o lugar a dedo. Eu não vou. Quero sair daqui, é verdade, mas não me suicidar.

Sylvain fica muito impressionado com a apresentação de Lisette, que acabo de lhe fazer. Está na Ilha do Diabo há três dias e, naturalmente, propus a ele partirmos juntos. Cada um numa jangada. Assim, se ele aceitar, terei um camarada para prosseguir a fuga no continente. No mato, sozinho, não é nada divertido.

– Não tenha medo antes do tempo. Reconheço que, à primeira vista, qualquer um dá para trás. Mas é a única onda capaz de levar a gente bastante longe, de maneira que as outras ondas que vêm atrás não terão a força de nos jogar de novo sobre os rochedos.

– Calma, olhe, nós experimentamos, diz Chang. E certo, depois que você for, não pode voltar à Ilha do Diabo, nem chegar a Royale.

Levei uma semana para convencer Sylvain. Um sujeito cheio de músculos, 1 metro e 80, bem proporcionado em todo o seu corpo de atleta.

– Bom. Admito que vamos ser arrastados para bem longe. Depois, em quanto tempo você acha que a gente chega à Terra Grande, com as marés?

– Francamente, Sylvain, não sei. A deriva pode ser mais ou menos longa, vai depender de muita coisa. O vento quase não vai influir, vamos estar muito dentro da água. Mas, se houver mau tempo, as ondas serão mais fortes e nos levarão mais depressa para a mata. Com sete, oito, ou dez marés, no máximo, devemos ser jogados na praia. Portanto, vai levar de 48 a sessenta horas.

– Como é que você calcula?

– Das ilhas direto até a costa, não são mais de 40 quilômetros. À deriva, é como a hipotenusa de um triângulo retângulo. Veja o sentido das ondas. Mais ou menos, precisamos fazer de 120 a 150 quilômetros, no máximo. Quanto mais a gente se aproximar da costa, mais diretamente as ondas vão nos dirigir e jogar sobre ela. Ã primeira vista, você não acha que um destroço a esta distância da costa vai a 5 quilômetros por hora?

Ele me olha e ouve atentamente minhas explicações. Este rapagão é muito inteligente.

– Não, você não esta falando besteira, reconheço. Se não fosse pelas marés baixas, que vão nos fazer perder tempo, porque são elas que vão nos levar ao largo, com certeza a gente chegaria em menos de trinta horas à costa. Com as marés baixas, acho que você tem razão: entre 48 e sessenta horas, a gente chega à costa.

– Você se convenceu, vai comigo?

– Quase. Suponhamos que a gente está no continente, no mato. O que é que a gente faz?

– Precisamos chegar perto de Kourou. Lá tem uma aldeia bastante importante de pescadores, seringueiros e garimpeiros. É preciso aproximar-se com cuidado, porque tem também uma colônia penal estrangeira. Deve ter certamente umas picadas no mato para chegar até Caiena e até um presídio de chineses, chamado Inini. Precisamos pegar um preso ou um civil negro e obrigá-lo a levar a gente até Inini. Se o cara se portar bem, damos para ele 500 pratas – e que desapareça. Se bancar o durão, vamos obrigá-lo a fugir conosco.

– Que é que vamos fazer em Inini, nesse presídio especial para indochineses?

– O irmão de Chang está lá.

– É, meu irmão estar lá. Ele fugir com vocês, ele encontrar com certeza barco e comida. Se vocês encontrar Cuic-Cuic, vocês ter tudo para fuga. Um chinês nunca faz jogo polícia. Também qualquer chinês vocês encontrar no mato, vocês falar com ele e ele avisar Cuic-Cuic.

– Por que é que chamam seu irmão de Cuic-Cuic? – diz Sylvain.

– Não sei, os franceses batizar ele Cuic-Cuic.

E continua:

– Atenção. Quando vocês quase chegar Terra Grande, vocês encontrar areia. Nunca pisar na areia, ela não boa, ela chupar vocês. Esperar que outra maré leve vocês dentro do mato para poder agarrar cipós e galhos árvores. Senão, vocês fodidos.

– Ah! é, Sylvain. Nunca pisar na areia, nem bem perto da costa. Precisamos esperar até alcançar um galho ou um cipó.

– Tá bom, Papillon. Resolvi.

– Fazendo as duas jangadas iguais, mais ou menos, como temos o mesmo peso, com certeza não vamos ficar muito longe um do outro. Mas nunca se sabe. No caso de a gente se perder, como é que vamos nos encontrar de novo? Daqui não se vê Kourou. Porém quando estava em Royale, você deve ter reparado que à direita de Kourou, aproximadamente a 20 quilômetros, há umas rochas brancas que se enxergam bem quando o sol bate nelas.

– Sei.

– São os únicos rochedos de toda a costa. À direita e à esquerda, até o infinito, é só areia. Essas rochas são brancas por causa da merda dos pássaros. Como ninguém jamais vai até lá, é um esconderijo para se refazer antes de afundar na mata. A gente pode comer ovos e os cocos que levar. Não se pode acender nenhum fogo. O primeiro que chegar espera o outro.

– Quantos dias?

– Cinco. É impossível que em menos de cinco dias o outro não chegue no lugar combinado.

Fazemos as duas jangadas. Usamos sacos duplos, para que sejam mais resistentes. Pedi dez dias a Sylvain para ficar o maior tempo possível treinando a montar a cavalo num saco. Ele faz a mesma coisa. Percebemos que, quando os sacos estão a ponto de virar, é necessário um esforço suplementar para o montador ficar em cima. Sempre que possível, vai ser preciso deitar em cima do saco. Cuidado para não dormir, porque a gente pode perder o saco, caindo na água e não conseguindo mais agarrá-lo. Chang costurou um saquinho impermeável que vou prender no pescoço com uns cigarros e um isqueiro. Vamos ralar dez cocos cada um para levar. Sua polpa nos permitirá agüentar a fome e também matar a sede. Parece que Santori tem uma espécie de bexiga de couro para pôr vinho. Ele não usa isso. Chang, que às vezes vai até a casa do guarda, tentará passar a mão nela.

Vai ser domingo às 10 da noite. A maré, com a lua cheia, terá 8 metros. Lisette estará pois em toda a sua força. Chang vai dar de comer sozinho aos porcos domingo de manhã. Eu vou dormir sábado o dia todo e todo o domingo. Partiremos às 10 horas da noite, a vazante deve começar duas horas depois,

É impossível que meus dois sacos se separem um do outro. Estão amarrados com cordas de cânhamo trançado, arame, e costurados um ao outro com uma linha grossa para velas. Encontramos sacos maiores que os outros e a boca de um está encaixada na boca do outro. Os cocos não vão escapar.

Sylvain não pára de fazer ginástica e eu me deixo massagear as coxas pelas ondas pequenas, que batem sobre elas durante longas horas. Com os golpes repetidos da água sobre minhas coxas e as contrações que sou obrigado a fazer para resistir a cada onda, criei pernas e coxas de ferro.

Num poço abandonado da ilha há uma corrente de cerca de 3 metros. Prendi-a às cordas que seguram meus sacos. Um parafuso de ferro passa através dos anéis. Se por acaso não agüentar mais, eu me amarro aos sacos com a corrente. Talvez assim eu possa dormir sem correr o risco de cair na água e perder minha jangada. Se os sacos virarem, a água vai me despertar e eu os colocarei novamente na posição certa.

– Então, Papillon. Mais três dias.

Sentados no banco de Dreyfus, olhamos para Lisette.

– É, mais três dias, Sylvain. Eu tenho fé que a gente vai conseguir. E você?

– É certo, Papillon. Terça de noite ou quarta de manhã, vamos estar no mato. E então vai ser sopa.

Chang vai ralar dez cocos para cada um. Além das facas, levamos dois sabres roubados do depósito de ferramentas.