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Meu tique da boca não pára e vejo que o médico já, o notou. Segura-me a mão e olha-me bem nos olhos. Eu sinto que esta perturbado e aflito.

– Sim, meu caro Papillon, vamos afogá-lo. Chatal, mande fazer-lhe uma lavagem nas orelhas.

Toda manhã, essas cenas se repetem com variantes, mas o doutor não está com jeito de se decidir a me mandar para o asilo.

Chatal, por ocasião de uma injeção de brometo, avisou-me:

– Tudo bem, por enquanto. O médico está seriamente abalado, mas ainda pode demorar muito até que ele o mande para o asilo. Mostre ao médico que você pode ser perigoso, se quiser que ele se decida logo.

– Como vai, Papillon? – o médico, acompanhado por guardas-enfermeiros e por Chatal, cumprimenta-me gentilmente, abrindo a porta de minha cela.

– Pare seu carro, doutor – minha atitude é agressiva. – Sabe muito bem que não vou bem. E quero saber quem de vocês é cúmplice do cara que me tortura.

– Quem o tortura? Quando? Como?

– Primeiro, quero saber se você conhece os trabalhos do Dr. d’Arsonval?

– Sim, eu espero…

– Sabe que ele inventou um oscilador de ondas múltiplas para ionizar o ar em volta de um doente atacado de úlceras duodenais? Com esse oscilador, pode-se enviar correntes elétricas aonde se quiser. Pois bem, imagine que um inimigo meu instalou um aparelho desses no hospital de Caiena. Cada vez que estou dormindo bem tranqüilo, ele aperta um botão, a descarga me atinge em plena barriga e nas coxas. Eu me distendo de repente, dando um salto de mais de 10 centímetros de altura em minha cama. Como quer que eu possa agüentar tudo isso e dormir? Esta noite o troço não parou. Assim que começo a fechar os olhos, pam!, a corrente chega. Todo o meu corpo se distende, como uma mola que se solta. Não posso mais, doutor! Avise a todo mundo que o primeiro que eu descobrir que é cúmplice do cara vai ser esfriado. Não tenho arma, é verdade, mas tenho bastante força para estrangulá-lo, seja ele quem for. Para bom entendedor, meia palavra basta! E deixe-me em paz com seus “bons dias” hipócritas e seus “como vai, Papillon?” Repito, doutor: pare seu carro!

O incidente deu resultado. Chatal me disse que o médico avisou aos guardas para prestarem muita atenção. Que nunca abrissem a porta de minha cela sem serem dois ou três, e que falassem sempre gentilmente comigo. Ele está sofrendo de mania de perseguição, disse o médico, é preciso mandá-lo o quanto antes para o asilo.

– Acho que, com um vigilante, eu posso me encarregar sozinho de levá-lo para o asilo – propôs Chatal, para evitar que me enfiem a camisa-de-força.

– Papi, você comeu bem?

– Sim, Chatal, estava bom.

– Quer vir comigo e com o Sr. Jeannus?

– Aonde nós vamos?

– Até o asilo, levar uns remédios. Assim, você dará um passeio.

– Vamos.

E nós três saímos do hospital a caminho do asilo. Enquanto andamos, Chatal fala; depois, a certo momento, quando estamos quase chegando, diz:

– Você não está cansado de ficar no barracão, Papillon?

– Oh, sim. Estou cheio, principalmente depois que meu amigo Carbonieri não está mais lá.

– Por que não fica alguns dias no asilo? Assim, o cara do aparelho talvez não o encontre para lhe dar choques.

– É uma idéia, meu caro, mas acha que vão me aceitar, mesmo eu não sendo doente da cabeça?

– Deixe comigo, eu falo por você – diz o guarda, todo feliz ao ver que eu caí na falsa armadilha de Chatal.

Enfim, eis-me no asilo, com uma centena de loucos. Não é mole viver com malucos! Em grupos de trinta a quarenta, tomamos ar no pátio, enquanto os enfermeiros limpam as celas. Todo mundo vive completamente nu. Felizmente faz calor. Para mim, deixaram-me a cueca.

Acabo de receber um cigarro aceso do enfermeiro. Sentado ao sol, penso em que já estou ‘ali há cinco dias e não consegui entrar em contato com Salvidia.

Um louco se aproxima de mim. Sei a história dele, chama-se Fouchet. Sua mãe havia vendido a casa para enviar-lhe 15 000 francos por um vigilante, a fim de que ele se evadisse. O guarda devia ficar com 5 000 e entregar-lhe 10 000. O tal guarda embolsara tudo e depois partira para Caiena. Quando Fouchet soube, por outra via, que a mãe tinha lhe enviado a grana e perdera tudo inutilmente, tornara-se louco furioso e no mesmo dia atacara os vigilantes. Dominado, não tivera tempo de causar mal a ninguém. Desde esse dia, há três ou quatro anos, ele está com os loucos.

– Quem é você – olho esse pobre homem, jovem, cerca de trinta anos, plantado diante de mim e que me interroga.

– Quem sou? Um homem como você, nem mais, nem menos.

– Sua resposta é besta. Vejo que é um homem, pois você tem um pau e culhões: se você fosse mulher, teria um buraco. Estou perguntando quem é você. Quer dizer, como se chama.

– Papillon.

– Papillon? Você é uma borboleta? Coitado de você. Uma borboleta voa e tem asas, onde estão as suas?

– Perdi.

– Trate de encontrá-las, assim você poderá fugir. Os guardas não têm asas. Com as suas asas, você vai sacanear eles. Me dê o cigarro.

Antes que eu tenha tempo de dá-lo, ele o arranca de meus dedos. Depois, senta-se à minha frente e fuma com delícia.

– E você, quem é? – pergunto-lhe.

– Eu, eu sou o pato. Cada vez que eles têm que me dar alguma coisa que me pertence, me fazem de bobo.

– Por quê?

– Porque fazem. Também, eu mato guardas o mais que posso. Esta noite, enforquei dois. Mas não conte nada a ninguém.

– Por que você os enforcou?

– Porque eles roubaram a casa de minha mãe. Imagine só, minha mãe me mandou a casa dela e eles, como a acharam bonita, ficaram com ela e moram lá dentro. Não fiz bem em enforcá-los?

– Tem razão. Assim eles não podem aproveitar a casa da sua mãe.

– Aquele guarda gordo, que você está vendo lá embaixo, atrás das grades, está vendo? Ele também mora na casa. Eu vou acabar com ele também, pode confiar no que digo.

Nesse ponto, ele se levanta e vai embora.

Ufa! Não é divertido ser obrigado a viver no meio de loucos, e é perigoso. À noite, há gritos de todos os lados; e, quando há lua cheia, os loucos ficam mais excitados do que nunca. Como a lua pode influir na agitação dos loucos? Não posso explicar, mas constatei isso uma porção de vezes.

Os guardas fazem relatórios sobre os loucos em observação. Comigo, fazem experiências. Por exemplo, esquecem-se de me levar para o pátio, de propósito. Esperam para ver se eu reclamo. Ou, então, não me dão uma das refeições. Tenho uma vara com um barbante e faço os gestos de um pescador.

– Estão mordendo a isca, Papillon?

– Não podem morder! Imagine que, sempre que eu pesco, há um peixinho que me acompanha por todo lado e, quando um grande vai morder, o pequeno adverte: “Dê o fora, não morda, é Papillon que está pescando”. Por isso, nunca consigo pescar nada. Mas continuo assim mesmo. Talvez, um dia, apareça um peixe que não acredite nele.

Ouço o guarda dizer ao enfermeiro:

– Então, ele está bem ruinzinho!

Quando me fazem comer na mesa comum do refeitório, jamais posso acabar o prato de lentilhas. Há um gigante, de 1 metro e 90, pelo menos, com braços, pernas e tronco peludos como os de um macaco, que me escolheu como vítima. Primeiro, senta-se sempre a meu lado. As lentilhas são servidas muito quentes; então é preciso esperar que esfriem, para a gente poder comer. Com uma colher de madeira, pego um pouco, assoprando, e consigo comer algumas colheradas. Ele, Ivanhoé – ele pensa que é Ivanhoé -, pega seu prato, põe as mãos em funil, e engole tudo num piscar de olhos. Depois, pega o meu, rispidamente, e faz a mesma coisa. Depois de limpar o prato, joga-o de maneira ruidosa à minha frente, olhando-me com os enormes olhos injetados de sangue, com o ar de quem diz: “Viu como se come lentilhas?” Começo a ficar chateado com Ivanhoé e, como ainda não fui classificado como louco, decidi usá-lo para dar o golpe final. Estamos de novo num dia de lentilhas. Ivanhoé não me tapeará mais. Está sentado a meu lado. Seu rosto de idiota está radiante: saboreia antecipadamente a alegria de comer suas lentilhas e as minhas. Puxo para a minha frente um jarro pesado e grande, cheio de água. Assim que o gigante pega meu prato, ergue-o e começa a deixar as lentilhas caírem em sua garganta, levanto-me e, com toda força, quebro o jarro de água na cabeça dele. O gigante desaba com um grito de animal. No mesmo instante, todos os loucos começam a se atirar uns contra os outros, armados com pratos. Desencadeia-se uma balbúrdia espantosa. O tumulto coletivo é orquestrado por gritos de todos os tipos.