Sigo-o. Rapidamente, ele fecha a porta e esconde a chave num canto do corredor.
– Depressa, vamos.
Chegamos à despensa, a porta está aberta. Tirar o tonel vazio é uma brincadeira. Ele envolve o tonel com cordas, eu com fios de ferro. Pego a mochila de farinha e na noite preta começo a rolar meu tonel para o mar. Ele vem atrás, com o tonel de óleo. Felizmente, ele é muito forte e consegue controlá-lo com facilidade nesta descida quase vertical.
– Devagar, devagar, tome cuidado para que ele não pegue velocidade.
Espero-o, para o caso dele soltar seu tonel, que assim seria forçado a parar, ao bater contra o meu. Desço de costas, eu na frente e o tonel atrás. Sem qualquer dificuldade, chegamos lá embaixo. Há um pequeno acesso ao mar, mas primeiro devemos transpor rochedos que são difíceis de ultrapassar.
– Esvazie o tonel. Não vamos poder passar pelos rochedos com ele cheio.
O vento sopra com força e as vagas rebentam raivosamente contra os rochedos. Pronto, está vazio.
– Enfie a rolha, bem apertada. Espere, ponha esta placa de lata por cima. Os buracos estão feitos. Enfie bem as pontas.
Com o barulho do vento e das vagas, as pancadas não podem ser ouvidas.
Bem presos um ao outro, não é fácil erguer os dois tonéis acima dos rochedos. Cada um deles é de duzentos e vinte e cinco litros. São volumosos e difíceis de manejar. O lugar escolhido por meu amigo para entrarmos no mar não facilita as coisas.
– Empurre para cima, em nome de Deus! Erga um pouco. Cuidado com essa onda!
Nós dois fomos derrubados, com tonéis e tudo, e jogados com força contra o rochedo.
– Cuidado! Eles podem rachar. E nós podemos quebrar a perna ou um braço!
– Acalme-se, Salvidia. Passe na frente, para o mar, ou venha aqui por trás. Lá, está bem localizado. Puxe para você, de uma vez, assim que eu gritar. Vou empurrar, ao mesmo tempo, e certamente vamos nos distanciar dos rochedos. Mas, para isso, é preciso primeiro nos mantermos firmes no lugar, mesmo quando a onda nos cobrir.
Gritando essas ordens ao meu companheiro, no meio da barulhada do vento e das ondas, creio que ele as entendeu: um enorme vagalhão cobre completamente o compacto bloco que formamos, os tonéis, ele e eu. É então que, raivosamente, com todas as minhas forças, empurro a jangada. Ele também puxa, seguramente, pois de repente nos encontramos soltos e levados pela onda. Ele sobe nos tonéis antes de mim e, no momento em que subo, por minha vez, uma enorme vaga nos apanha por baixo e nos atira como uma pluma sobre um rochedo pontudo, mais avançado que os outros. A espantosa pancada é tão forte que os tonéis se desmancham, os pedaços se espalham por todos os lados. Quando a vaga se retira, leva-me a mais de vinte metros do rochedo. Nado e deixo-me levar por uma outra vaga, que rola direto sobre a costa. Aterrisso, praticamente sentado, entre dois rochedos. Tenho tempo de me agarrar antes de ser arrastado de novo. Contundido por toda parte, consigo sair dali, mas quando piso em seco, percebo que meu amigo foi arrastado para mais de cem metros cio ponto em que havíamos entrado no mar.
Sem precauções, grito: “Salvidia! Romeo! Onde você está?” Nada me responde. Aniquilado, deito-me no chão, tiro as calças, o blusão de lã e me encontro nu, só com a cueca. Meu Deus, meu amigo, onde está ele? E grito de novo, o mais alto que posso: “Onde você está?” Apenas o vento, o mar, as vagas me respondem. Fico ali, sem saber quanto tempo, atônito, completamente aniquilado, física e moralmente. Depois, choro de raiva, jogando para longe o saquinho com cigarro e isqueiro que pendurara ao pescoço, gentileza fraternal feita pelo meu amigo, pois ele não fumava.
De pé, rosto ao vento, encarando aquelas vagas monstruosas que acabavam de destruir tudo, ergo meu punho e insulto os céus: “Sujos, porcos, nojentos, pederastas, vocês não têm vergonha de se encarniçar assim contra mim. Pervertidos, sujos, filhos da puta”. E não chega. Continuo contra Deus: “Um bom Deus, você? Nunca mais pronunciarei o seu nome! Você não merece!”
O vento abaixa e essa calma aparente me faz bem e me traz de volta à realidade.
Vou tornar a subir para o asilo e, se puder, vou entrar de novo na enfermaria. Com um pouco de sorte, vai ser possível.
Subo o costão com uma única idéia: entrar e tornar a me deitar em meu colchão. Nem visto, nem reconhecido. Sem aborrecimentos, chego ao corredor da enfermaria. Saltei o muro do asilo, pois não sei onde Salvidia pôs a chave da porta principal.
Sem procurar muito, encontro a chave da enfermaria. Entro e fecho a porta atrás de mim, com duas voltas. Vou à janela e jogo a chave bem longe, ela cai do outro lado do muro. E eu me deito. A única coisa que poderia me denunciar é minha cueca molhada. Tiro-a e vou torcê-la na privada. Com a colcha cobrindo-me o rosto, vou me esquentando aos poucos. O vento e a água do mar me puseram gelado. Será que meu amigo se afogou, realmente? Talvez tenha sido carregado para mais longe do que eu e conseguido se agarrar na ponta da ilha. Será que não voltei depressa demais? Devia ter esperado mais um pouco. Reprovo-me por ter admitido muito depressa que meu companheiro estava perdido.
Na gaveta da mesinha de cabeceira há dois comprimidos para dormir. Engulo-os sem água. Minha saliva basta para fazê-los descer.
Estou dormindo quando, sacudido, vejo o guarda-enfermeiro diante de mim. A sala está cheia de sol e a janela aberta. Três doentes olham lá de fora.
– Então, Papillon? Você dorme como uma pedra. São 10 horas da manhã. Ainda não tomou seu café? Está frio. Olhe, beba.
Mal desperto, percebo que, no que concerne a mim, parece que não há nada de anormal.
– Por que me acordou?
– Porque, como suas queimaduras já sararam, precisamos da cama. Você vai voltar para a cela.
– Está bem, chefe.
E eu o sigo. Ao passar pelo pátio, ele me deixa lá. Aproveito para secar minha cueca ao sol.
Há três dias que a fuga fracassou. Não se falou nada. Vou de minha cela para o pátio, do pátio para minha cela. Salvidia não apareceu mais, portanto ele morreu, coitado, certamente arrebentado contra os rochedos. Eu mesmo escapei de boa e seguramente me salvei porque estava atrás ao invés de estar na frente. Como saber? É preciso que eu saia do asilo. Vai ser difícil fazer com que acreditem que estou curado ou, pelo menos, apto a voltar ao barracão; vai ser mais difícil do que foi vir para o asilo. Agora preciso convencer o doutor de que estou melhor.
– Sr. Rouviot (é o enfermeiro-chefe), sinto frio à noite. Prometo não sujar minhas roupas. Por que não me dá uma calça e uma camisa, por favor?
O guarda está estupefato. Olha-me, muito espantado, depois me diz:
– Sente-se aqui comigo, Papillon. Conte-me, que há?
– Estou surpreendido, chefe, de me encontrar aqui. É o asilo; portanto, estou entre os loucos? Será que, por acaso, perdi o rumo? Por que estou aqui? Diga-me, chefe, por gentileza.
– Meu velho Papillon, você esteve doente, vejo que está com ar de estar melhor. Quer trabalhar?
– Sim.
– Que quer fazer? – Qualquer coisa.
E eis-me vestido, ajudo a limpar as celas. Nesta noite deixaram minha porta aberta até as 9 horas e foi somente quando o guarda da noite começou seu turno que me fecharam.
Um cara de Auvergne, condenado-enfermeiro, falou comigo pela primeira vez ontem à noite. Estávamos a sós no posto de guarda. O guarda ainda não havia chegado. Eu não conhecia esse cara, mas ele me conhecia bem, e disse:
– Não vale a pena continuar a luta, meu chapa.
– Que quer dizer?
– Deixe disso! Pensa que não manjei a sua jogada? Sou enfermeiro de birutas há sete anos e desde a primeira semana percebi que você era um simulador.
– Então, e daí?
– Daí, lamento sinceramente que tenha fracassado em sua fuga com Salvidia. Para ele, isso custou a vida. Sinceramente, tenho pena, porque era um bom amigo, apesar de ele não ter me dito nada, mas não o quero mal por isso. Se precisar de alguma coisa, é só me dizer, ficarei contente em lhe ser útil.