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Começo a estudar seriamente a coisa. Não há nenhum livro sobre o assunto na biblioteca da prisão. Cada vez que posso, discuto com homens que foram doentes durante um tempo mais ou menos longo. Consigo, aos poucos, obter uma idéia bastante clara:

1.° Todos os loucos têm dores atrozes no cérebro;

2.° Freqüentemente têm zumbido nas orelhas;

3.° Como são muito nervosos, não podem ficar muito tempo deitados na mesma posição sem serem sacudidos por uma verdadeira descarga de nervos que os acorda e os faz sobressaltarem-se, com o corpo todo tenso a ponto de quebrar.

Portanto, é preciso fazer com que descubram esses sintomas sem os indicar diretamente. Minha loucura deve ser justamente o bastante perigosa para obrigar o doutor a tomar a decisão de me mandar para o asilo, mas não violenta a ponto de justificar os maus-tratos dos vigilantes: camisa-de-força, surras, supressão de alimento, injeção de brometo, banho frio ou quente demais, etc. Se eu representar bem o papel, devo conseguir embrulhar o médico.

Há uma coisa em meu favor: por que, qual seria a razão para eu me tornar um simulador? Se o médico não encontrar qualquer explicação lógica para esta pergunta, é provável que eu possa ganhar a partida. Não há outra solução para mim. Recusaram-se a me mandar para a Ilha do Diabo. Não posso mais suportar o barracão depois do assassinato de meu amigo Matthieu. Para o inferno as hesitações! Está decidido. Segunda-feira vou à consulta. Não. Não devo eu mesmo me apresentar como doente. É melhor que um outro faça isso e que esse outro esteja de boa-fé. Tenho que fazer uma ou duas cenas anormais na saia. Então, o chefe da choça vai falar com o guarda e ele próprio marcará minha consulta.

Há três dias que não durmo, não me lavo e não me barbeio. Masturbo-me várias vezes por noite e como muito pouco. Ontem, perguntei ao meu vizinho por que tirou de meu lugar uma fotografia que jamais existiu. Ele jurou por todos os deuses que não havia tocado em minhas coisas. Inquieto, mudou de lugar. Quase sempre, a comida fica numa tina alguns minutos antes de ser distribuída. Acabo de me aproximar da tina e, na frente de todo mundo, mijei lá dentro. A coisa esfriou o ambiente, mas minha cara deve ter impressionado todo mundo, ninguém murmurou uma palavra, só meu amigo Grandet me disse:

– Papillon, por que fez isso?

– Porque esqueceram de pôr sal – e sem prestar atenção em mais ninguém fui buscar minha tigela e estendi-a para o chefe da choça, para que me servisse.

Num silêncio total, todo mundo me olhou comer minha sopa.

Esses dois incidentes bastaram para que nesta manhã eu me encontre diante do médico, sem ter pedido.

– Então, vai ou não vai, doutor? – repito minha pergunta.

O médico, estupefato, me olha. Eu o encaro com olhos deliberadamente muito naturais.

– Vai, sim – diz o médico. – E você, está doente?

– Não.

– Então, por que veio para consulta?

– Por nada. Disseram-me que o senhor estava doente. É um prazer ver que isso não é verdade. Até logo.

– Espere um pouco, Papillon. Sente-se aí, na minha frente. Olhe para mim.

E o médico me examina os olhos com uma lanterna que emite um pequeno feixe de luz.

– Você não viu nada, médico. Que esperava descobrir? Sua luz não é bastante forte, mas assim mesmo acho que você compreendeu, não é? Diga-me, você viu eles?

– O que? – diz o médico.

– Não banque o trouxa, porra! Você é doutor ou veterinário? Não vá me dizer que não teve tempo de vê-los antes que se escondessem, ou me toma por um idiota completo.

Tenho os olhos brilhantes de fadiga. Meu aspecto, nem barbeado, nem lavado, pesa a meu favor. Os guardas escutam, assombrados, mas não faço nenhum gesto violento que possa justificar sua intervenção. Conciliando e entrando no meu jogo para não me excitar, o médico se levanta e põe a mão no meu ombro. Continuo sentado.

– Sim, eu não queria lhe dizer, Papillon, mas tive tempo de vê-los.

– Está mentindo, médico. (Mantenho o sangue-frio.) Porque você não viu nada, absolutamente! O que eu pensei que você estivesse procurando são os três pontinhos pretos que tenho no olho esquerdo. Só consigo vê-los quando olho para o vazio ou quando leio. Quando pego um espelho, vejo nitidamente meu olho, mas nem sinal dos três pontos. Eles se escondem mal eu pego o espelho para vê-los.

– Levem-no para o hospital – diz o médico. – Levem-no imediatamente, sem que ele volte ao barracão. Papillon, você disse que não está doente? Talvez seja verdade, mas acho-o muito fatigado, por isso vou pô-lo alguns dias no hospital, para descansar. Você quer?

– Isso não me incomoda. No hospital ou no barracão, tudo a mesma coisa: são as ilhas.

O primeiro passo está dado. Meia hora depois, encontro-me no hospital, numa cela bem iluminada, uma boa cama bem limpa, com roupas brancas. Na porta, um cartão: “Em observação”. Pouco a pouco, sugestionado a fundo, me transformo em palerma. É um jogo perigoso: o tique de entortar a boca e apertar o lábio inferior entre os dentes, esse tique estudado num caco de espelho escondido, eu o trabalhei tão bem, que chego a me surpreender fazendo-o sem ter tido a intenção. É preciso não se divertir muito tempo nessa brincadeira, Papi. À força de se obrigar a se sentir virtualmente desequilibrado, isso pode ser perigoso e deixar taras. No entanto, é preciso fingir a fundo, se quiser conseguir resultado. Entrar no asilo, ser classificado como irresponsável e depois empreender a fuga com meu amigo, não vai ser fácil. Fuga! Essa palavra mágica me transporta, já me vejo sentado sobre os dois tonéis, impelido para a Terra Grande em companhia de meu amigo, o enfermeiro italiano.

O médico passa todos os dias para visita. Examina-me longamente, sempre nos falamos polida e gentilmente. Ele está perturbado, o cara, mas ainda não está convencido. Portanto, vou informá-lo de que tenho pontadas na nuca, primeiro sintoma.

– Como vai, Papillon? Dormiu bem?

– Sim, doutor. Obrigado, vou indo. Obrigado pelo Match que me emprestou. Quanto a dormir, isso é outra coisa. De fato, atrás da minha cela há uma bomba, certamente para regar não sei o quê, mas o pam-pam que o braço da bomba faz a noite inteira chega até a minha nuca e parece que faz eco lá dentro: pam-pam! E isso a noite inteira. É impossível dormir. Eu agradeceria se me mudasse de cela.

O médico volta-se para o guarda-enfermeiro e murmura rapidamente:

– Há alguma bomba?

O guarda faz sinal que não com a cabeça.

– Vigilante, mude-o de cela. Aonde quer ir?

– O mais longe possível dessa maldita bomba, no fim do corredor. Obrigado, doutor.

A porta se fecha, eu me encontro só em minha cela. Um ruído quase imperceptível me alerta, estão me observando pelo visor, certamente é o médico, pois não ouvi os passos se afastarem quando eles se retiraram. Então, depressa, estendo o punho para a parede que esconde a bomba imaginária e grito, não muito alto: “É melhor parar, sua máquina suja! Não vai acabar de regar nunca, jardineiro de meia tigela?” E deito-me na cama, a cabeça escondida sob o travesseiro.

Não ouvi o pequeno pedaço de cobre se fechar sobre o visor, mas percebi passos que se afastavam. Conclusão: o cara do visor era mesmo o médico.

À tarde me mudaram de cela. A impressão que dei nesta manhã deve ter sido boa, pois, para me acompanhar alguns metros, até o fim do corredor, vieram dois guardas e dois enfermeiros; Como não me dirigiram a palavra, também não falei. Limitei-me a acompanhá-los, sem dizer uma palavra. Dois dias depois, o segundo sintoma: ruídos nas orelhas.

– Como vai, Papillon? Terminou a revista que lhe mandei?

– Não, não consegui ler, passei o dia inteiro e uma parte da noite tentando sufocar o mosquito ou mosca que fez um ninho na minha orelha. Enfiei um pedaço de algodão, não adiantou. O barulho das asas dele não pára: zum-zum-zum… E, ainda mais, faz umas cócegas desagradáveis, e o zumbido é contínuo. Isso acaba enervando, doutor. Que acha? Como não consegui asfixiá-lo, talvez consiga afogá-lo. Que me diz?