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– É meio-dia ou 1 hora, mas estou acordando você porque o vento está esfriando e no horizonte, do lado de onde vem o vento, ficou tudo preto.

Levanto-me e tomo meu lugar. O cutelo, o único que colocamos, nos faz deslizar sobre o mar sem rugas. Atrás de mim, a leste, está tudo preto, o vento vai esfriando cada vez mais. O traquete e o cutelo são suficientes para puxar o barco rapidamente. Fiz bem em deixar a vela enrolada no mastro.

– Segurem-se firmes, porque o que vem chegando aí é uma tempestade.

Gotas grandes começam a cair na gente. A escuridão se aproxima com uma rapidez vertiginosa, em menos de um quarto de hora veio do horizonte até bem perto de nós, Agora, um vento de violência nunca vista nos ataca. As ondas, como por encanto, se formam com rapidez incrível, todas cobertas de espuma; o sol está completamente aniquilado, chove torrencialmente, não se enxerga nada e as ondas, batendo contra o barco, lançam fortes jatos de água em nosso rosto. É tempestade, minha primeira tempestade, com toda a fanfarra da natureza desencadeada, o trovão, os relâmpagos, a chuva, as ondas, os uivos do vento que ruge em cima de nós, em volta de nós.

O barco, carregado como uma palha, sobe e desce a alturas incríveis e a abismos tão profundos, que a gente tem a impressão de não poder mais sair deles. No entanto, apesar desses mergulhos fantásticos, o barco torna a subir, vence mais uma crista de onda e passa e torna a passar. Seguro a barra do leme com as duas mãos, pensando como enfrentar um vagalhão um pouco mais alto que vem vindo mas, na hora em que aponto o barco para cortá-lo, faço-o rápido demais e deixo entrar grande quantidade de água. O barco todo fica inundado. Deve haver mais de 75 centímetros de água. Nervosamente, sem querer, fico enviesado diante de uma onda, o que é extremamente perigoso, e o barco fica tão inclinado, prestes a virar, que devolve uma enorme quantidade da água que tinha entrado.

– Grande! – grita Clousiot. – Você entende um bocado, Papillon! Você foi rápido para esvaziar o barco.

– Pois é, você viu? – digo-lhe.

Se ele soubesse que, pela minha falta de experiência, quase a gente afundava, virando em alto-mar… Desisto de lutar contra o curso das ondas, não me preocupo mais com a direção a seguir, simplesmente mantenho o barco em equilíbrio, na medida do possível. Pego as ondas a três quartos, desço voluntariamente ao fundo com elas e subo novamente, junto com o próprio mar. Logo me dou conta de que minha descoberta é importante e que assim eu eliminei noventa por cento do perigo. A chuva pára, o vento sopra sempre com fúria, mas agora posso enxergar bem a frente e atrás de mim. Atrás está claro; na frente, preto, e nós estamos no meio desses dois extremos.

Lá pelas 5 horas, tudo já passou. O sol brilha de novo em cima de nós, o vento é normal, as ondas menos altas; iço a vela e partimos novamente, satisfeitos. Com umas panelas, meus companheiros tiraram a água que restava dentro do barco. Tiramos as cobertas: amarradas ao mastro, com o vento vão secar-se logo. Arroz, farinha, óleo e café duplo, um bom gole de rum. O sol desce, iluminando com todos os seus fogos este mar azul, num quadro inesquecível: o céu está todo vermelho-pardacento; o sol, em parte afundado no mar, projeta longas línguas amarelas, tanto em direção ao céu e a algumas nuvens brancas, quanto em direção ao mar; as ondas, subindo, são azuis no fundo, depois verdes, e a crista vermelha, rosa ou amarelai de acordo com a cor tio raio que a toca.

Uma paz me invade com uma doçura pouco comum e, com a paz, a sensação de que posso ter. confiança em mim. Havia perdido bastante dessa confiança e a pequena tempestade foi muito útil para mim. Sozinho, aprendi como manobrar nesses maus momentos. Vou enfrentar a noite com uma serenidade completa.

– Então, Clousiot, você viu aquela manobra para esvaziar o barco?

– Amigo, se você não fizesse isso e se uma outra onda nos apanhasse naquela situação, a gente afundava. Você é um campeão.

– Você aprendeu tudo isso na marinha? – pergunta Maturette.

– Aprendi, você vê como servem para alguma coisa as lições da marinha de guerra?

Fomos bastante à deriva. Com um vento e umas ondas como aquelas, quanto a gente não deve ter ido à deriva em quatro horas? Vou dirigir para noroeste e corrigir isso. A noite cai de repente, depois que o sol desaparece no mar, enviando as últimas faíscas, agora de cor violeta, como fogo de artifício.

Durante seis dias. ainda, navegamos sem incidentes, a não ser algumas chuvas fortes que nunca ultrapassam três horas de duração, nem têm a eternidade da primeira tempestade. São 10 horas da manhã. Nenhum sinal de vento, uma calmaria total. Durmo umas quatro horas. Quando acordo, meus lábios ardem. Não têm mais pele, e nem meu nariz. Minha mão direita também está sem pele, em carne viva. Com Maturette se passa a mesma coisa, e também Clousiot. Passamos óleo duas vezes por dia no rosto e nas mãos, mas não basta: o sol dos trópicos o seca logo.

Devem ser 2 horas da tarde, de acordo com o sol. Comemos e depois, como está tudo calmo, tratamos de fazer um pouco de sombra com a vela. Alguns peixes acompanham o barco à direita, onde Maturette lavou a louça. Pego o facão e digo a Maturette para jogar uns grãos de arroz que, depois de molhados, já começam a fermentar. Os peixes se juntam onde cai o arroz, à tona da água, e, como um deles tem quase toda a cabeça fora, dou-lhe uma bela facada; na mesma hora, ele fica de barriga para cima. É um peixe de uns 10 quilos. Limpamos o bruto e cozinhamos em água e sal. Comemo-lo de noite, com a farinha de mandioca.

Há onze dias que estamos no mar. Vimos só um navio, nesse tempo todo, muito longe no horizonte. Começo a me perguntar: onde estamos, que diabo? Em alto-mar, certo, mas em que posição em relação a Trinidad ou a qualquer uma das ilhas inglesas? Quando se fala no diabo… De fato, à frente e em nossa direção surge um ponto preto que vai aumentando pouco a pouco. Será um navio ou uma chalupa de alto-mar? Mas há um engano: não vem em nossa direção. Agora, de lado, distingue-se bem: é um navio. Aproxima-se, é verdade, mas em diagonal, sua rota não vai levá-lo até nós. Como há vento, nossas velas pendem lamentavelmente, o navio certamente não nos viu. De repente, o apito de uma sereia, depois três tiros, em seguida ele muda de rota e vem direto sobre a gente.

– Espero que não se aproxime demais – diz Clousiot.

– Não há perigo, o mar está uma pintura.

É um petroleiro. Quanto mais ele se aproxima, melhor distinguimos as pessoas na ponte. É claro que eles se devem perguntar o que essas pessoas fazem nessa casquinha de noz aqui, em alto-mar. Suavemente, ele se aproxima de nós, distinguem-se bem agora os oficiais de bordo e outros homens da tripulação, inclusive o cozinheiro; depois vemos chegarem na ponte mulheres com vestidos de cores vivas e homens com camisas coloridas. Percebe-se que são passageiros. Passageiros num petroleiro parece coisa pouco comum. Mansamente, o petroleiro se aproxima e o capitão fala em inglês com a gente:

– Where are you coming from?

– French Guyane.

– Falam francês? – diz uma mulher.

– Sim, senhora.

– O que fazem em alto-mar?

– Vamos aonde Deus nos levar.

A dama fala com o capitão e diz:

– O capitão pede para subirem a bordo, vai içar a barca.

– Diga-lhe que agradecemos mas estamos muito bem na nossa barca.

– Por que não querem ajuda?

– Porque somos foragidos e não vamos na sua direção.

– Aonde é que vocês vão?

– Para a Martinica. Para além da Martinica, aliás. Onde estamos?

– Em alto-mar.

– Qual é a rota para chegar às Antilhas?

– Sabe ler um mapa marítimo com legendas em inglês?

– Sei.

Pouco depois, descem por uma corda um mapa inglês, pacotes de cigarros, pão, um pernil assado.

– Olhe o mapa!

Olho e digo: