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Dizem que o enterro dos três mortos do campo, além de Hautin e Marceau, foi feito do modo seguinte: como há apenas um caixão com corrediça para jogar os cadáveres no mar, os guardas os botaram todos na canoa e os cinco de uma vez foram jogados ao mar. Isso foi feito na suposição de que os últimos teriam o tempo de afundar com as pedras nos pés, enquanto seus amigos eram devorados pelos tubarões. Disseram-me que nenhum dos cadáveres conseguiu desaparecer no mar e que os cinco, à noitinha, dançaram um bailado de mortalha branca, verdadeiros bonecos animados pelo focinho ou pelo rabo dos tubarões neste festim digno de Nabucodonosor. Os guardas e os remadores teriam, inclusive, fugido diante de tanto horror.

A comissão veio e ficou quase cinco dias em Saint-Joseph e dois em Royale. Não me fizeram interrogatório especial, foi igual aos outros. Pelo Comandante Dutain, soube que tudo correu do melhor modo possível. Deram licença a Filissari até a aposentadoria, portanto ele não vai voltar. Mohamed foi indultado. O Comandante Dutain recebeu um galão a mais.

Como há sempre insatisfeitos, um bordolês me perguntou ontem:

– E o que é que nós ganhamos por ter feito um acordo com os guardas?

Olho o sujeito:

– Quase nada: cinqüenta ou sessenta forçados não vão fazer cinco anos de reclusão disciplinar por cumplicidade na revolta, você acha que isso não é nada?

Essa tempestade felizmente se acalmou. Uma espécie de tácita cumplicidade entre guardas e forçados descontrolou completamente a famosa comissão que, talvez, só queria isso: que tudo se ajeitasse da melhor maneira.

Eu, pessoalmente, não ganhei nem perdi nada, a não ser que meus colegas me agradeceram por terem escapado a uma vida que certamente ia ser mais severa. Pelo contrário, a vida agora até melhorou: chegaram até a suprimir a tarefa de içar pedras. Esse horrível serviço foi abolido. Agora são búfalos que puxam as pedras e os forçados as botam no lugar. Carbonieri voltou para a padaria. Por mim, procuro voltar para Royale. De fato, aqui não há oficina, é portanto impossível construir uma jangada.

A chegada de Pétain ao governo fez piorarem as relações entre forçados e guardas. Todo o pessoal da administração declarou bem alto que é petainista, a ponto de um gualda normando me dizer:

– Quer que eu lhe diga uma coisa, Papillon? Eu nunca fui republicano.

Nas ilhas, ninguém tem rádio e não se recebem notícias. Além do mais, dizem que, na Martinica e em Guadalupe, abastecemos os submarinos alemães. Há sempre polêmicas.

– Merda, quer que eu lhe diga, Papi? É agora que a gente precisa se revoltar para dar as ilhas aos franceses de De Gaulle.

– Você acha que o Grand Charles precisa dos forçados? Para quê?

– Eh! Para conseguir mais 2 000 ou 3 000 homens!

– Leprosos, trouxas, tuberculosos, doentes de disenteria? Você está brincando! Este sujeito não é um fodido para se meter com os forçados.

– E os 2 000 que ainda estão sadios?

– Isso já é outra coisa. Mas nem por serem homens sadios são bons para a guerra. Você acha que a guerra é um assalto a mão armada? Um assalto dura dez minutos; a guerra dura anos. Para ser um bom soldado, é preciso ter a fé do patriota. Que você goste disso ou não, a verdade é que não vejo aqui um sujeito capaz de dar a vida pela França.

– E por que a gente dana a vida pela França, depois de tudo o que ela nos fez?

– Então, está vendo que tenho razão. Ainda bem que o Grand Charles tem outros homens além de vocês para fazer a guerra. Fico doente só de pensar que esses alemães nojentos estão na nossa casa! E pensar que há franceses colaborando com os boches! Os guardas aqui, sem exceção, declaram que estão com Pétain.

O conde de Berac diz:

– Seria uma maneira de um condenado se redimir.

Aí se dá o seguinte fenômeno: nunca antes um sujeito falava em se redimir. E agora todo mundo, homens da malandragem e da periferia, todos esses coitados estão vendo um clarão de esperança.

– Para ser incorporados às fileiras de De Gaulle, Papillon, não devemos fazer esta revolta?

– Lamento muito, mas não tenho que me redimir aos olhos de ninguém. Estou me lixando para a justiça francesa e seu capítulo Reabilitação. Já me declarei reabilitado eu mesmo, meu dever é fugir e, depois de livre, ser um homem normal que vive numa sociedade sem ser um perigo para ela. Não acho que um sujeito possa provar essa coisa de um outro modo. Estou, portanto, a favor de qualquer ação voltada para uma fuga. Tomar as ilhas para De Gaulle é coisa que não me interessa e tenho certeza de que a ele também não. Além disso, se você fizer um negócio desses, sabe o que vão dizer os caras importantes? Que vocês tomaram as ilhas para se libertarem, e não para fazer um gesto em favor da França livre. E, além disso, quem tem razão? De Gaulle ou Pétain? Não sei absolutamente de nada. Sofro como um pobre fodido porque meu país foi invadido, penso nos meus, em meus pais, minhas irmãs, minhas sobrinhas.

– Não devemos ser bestas, não é para se preocupar tanto por causa de uma sociedade que não teve nenhuma piedade pela gente.

– Mas isso é normal, porque os tiras e o sistema judiciário francês, e estes policiais e estes guardas, nada disso é a França; é uma gang feita de pessoas com mentalidade completamente deformada. Quantos destes caras não estão dispostos hoje a se tornar criados dos alemães? Quer apostar que a polícia francesa prende compatriotas para entregá-los às autoridades alemãs? Bom. Eu digo e repito, não topo uma revolta, qualquer que seja o motivo. Topo uma fuga, mas que fuga?

Discussões muito graves se travam entre os clãs. Uns são a favor de Pétain, os outros estão com De Gaulle. No fundo, não se sabe nada porque não temos, como já disse, nenhum rádio, nem com os guardas, nem com os prisioneiros. As notícias chegam pelos barcos que passam e trazem um pouco de farinha, de legumes secos e de arroz. Para nós, a guerra, vista de tão longe, é difícil de entender.

Teria chegado a Saint-Laurent-du-Maroni, parece, um aliciador das forças livres. Nos trabalhos forçados, não se sabe de nada, a não ser que os alemães ocuparam a França toda.

Um incidente divertido: chegou um padre em Royale e fez um sermão depois da missa. Disse:

– Se as ilhas forem atacadas, vocês receberão armas para ajudar os guardas a defender a terra da França.

É autêntico. Engraçado, esse padre, e só podia pensar muito mal da gente! Pedir aos prisioneiros para defender sua cela! Só faltava essa, nos trabalhos forçados!

A guerra, para nós, se traduz no seguinte: dobrado o efetivo de guardas, desde o simples vigilante ao comandante e guarda-chefe; muitos fiscais, alguns com um sotaque alemão ou alsaciano muito forte; muito pouco pão: recebemos quatrocentos gramas; muito pouca carne.

Enfim, a única coisa que aumentou é o preço da fuga fracassada: condenado à morte e executado. Pois, na acusação, acrescentam: “Tentou passar para as fileiras dos inimigos da França”.

Estou em Royale já faz quase quatro meses. Tornei-me amicíssimo do médico Germain Guibert. Sua esposa, uma senhora excepcional, me pediu que lhe fizesse uma horta para ajudá-la a viver com esse regime de cinto apertado. Fiz uma horta com alfaces, rabanetes, vagens, tomates e berinjelas. Ela está encantada e me trata como um bom amigo.

Esse médico nunca apertou a mão de um guarda, de qualquer patente, mas freqüentemente apertou a minha ou a de alguns forçados que ele soube conhecer e estimar.

Depois de devolvido à liberdade, entrei novamente em contato com o Dr. Germain Guibert, por intermédio do Dr. Rosenberg. Ele me enviou uma fotografia dele e de sua esposa na Canebière, em Marselha. Estava de volta de Marrocos e me dava os parabéns por me saber livre e feliz. Morreu na Indochina, ao tentar salvar um ferido que tinha ficado para trás. Era um indivíduo excepcional e sua mulher era digna dele. Quando fui à França, em 1967, tive vontade de visitá-la. Mas desisti, porque ela tinha deixado de me escrever, depois que eu lhe pedi um atestado em meu favor, o que ela fez, aliás. Mas, depois, nunca mais deu sinal de vida. Não sei a causa desse silêncio, mas guardo na minha alma, para os dois, a mais alta gratidão pelo modo como me trataram no seu lar em Royale.