Os crioulos enchem as rosadas bocas sugadoras dos Vegetais um pouquinho depressa demais para dar tempo de engolir, e a "mecanicamente suave" escorre descendo pelos queixinhos arredondados até os pijamas verdes. Os crioulos xingam os Vegetais e aumentam-lhes a abertura das bocas com um movimento giratório da colher, como se estivessem descaroçando uma maçã podre: "Esse peido velho do Blastic está caindo aos pedaços na minha frente. Já não posso mais dizer se estou dando a ele papa de bacon ou pedaços da porca da língua dele"…

Às sete e meia voltamos para a enfermaria. A Chefona olha para fora através do seu vidro especial, sempre limpo a tal ponto que não se pode dizer que está ali, e balança a cabeça em sinal de aprovação do que está vendo, estende o braço e arranca uma folha do calendário, um dia mais para perto do objetivo. Aperta um botão para que as coisas comecem. Ouço o ressoar de uma grande folha de zinco sendo sacudida em algum lugar. Todo mundo se coloca em ordem. Agudos: sentem-se do seu lado da enfermaria e esperem que as cartas e os jogos de Monopólio sejam trazidos. Crônicos: sentem-se do seu lado e esperem pelos quebra-cabeças da caixa da Cruz Vermelha. Ellis: vá para o seu lugar na parede, mãos para o alto para receber os pregos e o mijo escorrendo pela perna. Pete: balance a cabeça como um fantoche. Scanlon: trabalhe com as mãos nodosas na mesa a sua frente, construindo uma bomba de faz-de-conta para explodir um mundo de paz. Harding: comece a falar, agitando suas mãos de pombo no ar, depois as prenda debaixo dos braços, porque homens adultos não devem agitar suas bonitas mãos desse jeito. Sefelt: comece a choramingar porque seus dentes doem e o seu cabelo está caindo. Todo mundo: inspire… expire… em perfeita ordem; corações batendo todos no compasso determinado pelos cartões OD. Som de cilindros emparelhados.

Como um mundo de histórias em quadrinhos, onde os personagens são achatados e delineados em preto, movendo-se aos trancos através de uma espécie de história idiota qualquer, que poderia ser realmente engraçada se não fosse pelo fato de os personagens caricaturescos serem de verdade…

Às sete e quarenta e cinco, os crioulos vêm descendo pela fileira de Crônicos, esvaziando as sondas dos que ficam suficientemente quietos para usá-las. As sondas são camisas-de-vênus de segunda mão, as pontas cortadas e presas com fita de borracha a tubos que descem pelas pernas até um saco plástico que traz escrito "PARA JOGAR NO LIXO. NAO DEVE SER UTILIZADO OUTRA VEZ", os quais tenho a tarefa de lavar ao fim de cada dia. Os crioulos fixam a camisa-de-vênus prendendo-a com fita adesiva nos pêlos; os velhos Crônicos de sonda são pelados, como bebês, por causa da remoção da fita…

Às oito horas as paredes zunem e zunem em plena atividade. O alto-falante no teto diz "medicamentos", usando a voz da Chefona. Olhamos para o compartimento de vidro onde ela costuma ficar sentada, mas ela não está em lugar algum perto do microfone; de fato, ela está a 10 passos de distância do microfone, ensinando a uma das enfermeirinhas como se prepara uma bandeja de remédios bem arrumada, com os comprimidos dispostos ordenadamente. Os Agudos formam fila diante da porta de vidro, A, B, C, D, e depois os Crônicos e os Circulantes (os Vegetais recebem os deles depois, misturados numa colher de suco de maçã). Os caras vão avançando, e recebem uma cápsula num copinho de papel – jogam a cápsula no fundo da garganta, o copinho é enchido de água pela enfermeirinha e eles engolem a cápsula. Em raras ocasiões um idiota qualquer era capaz de perguntar o que era que lhe estavam pedindo para engolir.

– Espere só um pouquinho, boneca; que é que são essas duas cápsulas aqui com a minha vitamina?

Eu o conheço. É um Agudo grande e curioso, já começando a ganhar a reputação de criador de casos.

– É apenas um remédio, Sr. Taber, para o senhor. Agora engula.

– Mas eu quero saber que espécie de remédio. Cristo, posso ver que são comprimidos…

– Ora, apenas engula tudo de uma vez, vamos, Sr. Taber… por mim, sim? – Ela lança um olhar rápido na direção da Chefona, para ver como a sua técnica de namorico está sendo recebida, então torno a olhar para o Agudo. Ele ainda não está disposto a engolir uma coisa que não sabe o que é, nem mesmo só por ela.

– Senhorita, não gosto de criar casos, mas também não gosto de engolir uma coisa sem saber o que é. Como é que vou saber se este aqui não é um desses comprimidos esquisitos, que me vão fazer ser o que eu não sou?

– Não fique aborrecido, Sr. Taber…

– Aborrecido? Tudo que eu quero é saber, pelo amor de Deus…

Mas a Chefona se aproximou sem ser notada, fechou a mão sobre o braço dele, paralisando-o por completo até o ombro.

– Está tudo bem, Srta. Flinn – diz ela. – Se o Sr. Taber prefere agir como criança, ele precisa ser tratado como tal. Nós já tentamos ser gentis e ter consideração com ele. É óbvio que esta não é a resposta. Hostilidade, hostilidade, este é o agradecimento que recebemos. O senhor pode ir, Sr. Taber, se não quer tomar a medicação por via oral.

– Tudo que eu queria era saber, pelo amor de…

– O senhor pode ir.

Ele se afasta, resmungando, quando ela lhe solta o braço, e passa o dia rondando em volta da latrina, matutando a respeito dos tais comprimidos. Uma vez eu me livrei, segurando uma daquelas mesmas cápsulas vermelhas debaixo da língua, fiz de conta que tinha engolido, e a abri depois esmagando-a, no armário das vassouras. Por uma fração de segundo, antes que toda ela se transformasse em poeira branca, vi que era um aparelho eletrônico em miniatura, como os que eu ajudei a Equipe de Radar a desenvolver no Exército, fios suportes e transistores, aquele ali feito de maneira a se dissolver em contato com o ar…

Às oito e vinte, as cartas e os quebra-cabeças vão embora…

Às oito e vinte e cinco, um dos Agudos diz que costumava observar a irmã tomando banho; os três caras que estavam na mesa com ele caem uns por cima dos outros para ver quem consegue escrever aquilo no diário…

Oito e meia, a porta da enfermaria se abre e dois técnicos entram em passo de trote, cheirando a álcool; os técnicos sempre se movimentam depressa ou em passo de trote, porque estão sempre se inclinando tanto para a frente que têm de andar depressa para continuar de pé. Eles se inclinam para frente e sempre cheiram como se tivessem esterilizado os instrumentos em vinho. Fecham a porta do laboratório atrás de si, e eu vou varrer bem ali perto e consigo distinguir as vozes sobre o zzzt-zzzt-zzzt maligno de aço sobre a pedra de amolar.

– Que é que nós já temos a essa hora revoltante da manhã?

– Temos de instalar um Comutador Interno de Curiosidade num sujeitinho abelhudo. Ela diz que tem de ser um trabalho rápido, e não tenho certeza se temos uma dessas engenhocas no estoque.

– Poderíamos ter de chamar a IBM para nos mandar uma com urgência; deixe-me verificar lá com o Fornecimento…

– Ei; apanhe uma garrafa daquela boa enquanto estiver lá e traga: está ficando de um jeito que não consigo instalar uma droga de um aparelho dos mais simples sem precisar de um suporte. Bem, que diabo, é melhor do que trabalho de garage…

As vozes deles são forçadas e rápidas demais na resposta para serem parte de uma conversa de verdade – parecem mais com falas de desenho animado. Trato de me afastar e ir varrendo para longe antes que seja apanhado ouvindo atrás da porta.

Os dois crioulos pegam Taber na latrina e o arrastam até o quarto acolchoado. Ele leva um bom chute nas canelas. Está berrando furioso de ódio. Fico surpreendido de ver como parece indefeso quando os negros o seguram, como se estivesse enrolado em faixas de ferro negro.

Eles o atiram de cara sobre o colchão. Um se senta sobre a cabeça dele, e o outro lhe rasga as calças, abrindo a parte de trás, e vai arrancando pedaços de pano até que o traseiro cor de pêssego de Taber fica emoldurado pelo verde-alface esfarrapado. Ele está abafando pragas no colchão, e o crioulo sentado sobre a sua cabeça dizendo: "É isso mesmo, seu Taber, é isso mesmo…" A enfermeira se vem aproximando pelo corredor, espalhando vaselina sobre uma longa agulha, fecha a porta, assim que eles ficam fora de vista durante um segundo. então ela torna a sair, limpando a agulha num farrapo das calças de Taber. Ela deixou o vidro de vaselina no quarto. Antes que o crioulo possa fechar a porta, vejo um deles ainda sentado sobre a cabeça de Taber, alisando-o com um Kleenex. Ficam lá dentro muito tempo antes que a porta se abra novamente e saiam, carregando-o pelo corredor até o laboratório. Agora as calças dele já foram arrancadas mesmo, e ele está enrolado num lençol úmido…

As nove horas, os jovens internos, vestidos em roupas com cotovelos de couro, conversam com os Agudos durante 50 minutos sobre o que eles fizeram quando eram garotinhos. A Chefona desconfia da aparência desses residentes de cabelos cortados curtos e aqueles 50 minutos que eles passam na enfermaria são um período duro para ela. Enquanto estão por ali, a máquina começa a engasgar, e ela está de cenho franzido, tomando nota do que é preciso para examinar os dossiês daqueles rapazes, para descobrir velhas infrações de trânsito e coisas no gênero…

Às nove e cinqüenta, os residentes vão embora e a máquina volta a zumbir macio. A enfermeira observa a enfermaria de dentro do seu compartimento de vidro; a cena diante dela torna a adquirir aquela clareza azul-metálico, aquele movimento limpo e ordenado de um desenho animado.

Taber é tirado do laboratório numa cama Gurney de rodinhas.

– Tivemos de dar mais uma injeção nele quando começou a acordar durante a punção espinhal – diz-lhe o técnico. – Que é que acha de o levarmos direto para o Setor Um e bombardearmos com Est enquanto estivermos por lá… e assim não desperdiçamos o seconal?

– Acho que é uma excelente sugestão. Talvez depois disso possamos levá-lo até o encefalógrafo e verificar a cabeça dele… poderíamos encontrar provas da necessidade de um tratamento cerebral.

Os técnicos saem andando depressa, empurrando o homem na Gurney, como personagens de historietas em quadrinhos – ou como fantoches, fantoches mecânicos num daqueles espetáculos de Punch e Judy, em que se espera que seja engraçado ver o fantoche derrotado pelo Diabo e engolido pela cabeça por um jacaré sorridente…

Às dez horas, chega a correspondência. Às vezes é você quem recebe o envelope rasgado…

Às dez e meia, vem o Relações-Públicas seguido de um grupo de senhoras. Bate palmas com as mãos gordas na porta da enfermaria. "Oh, alô, amigos; animação, animação… Olhem só, meninas; vejam só como é limpo e claro, hem? Esta é a Srta. Ratched. Escolha sempre esta enfermaria porque é a dela. Meninas, ela é como uma mãe. Não estou querendo falar em termos de idade, mas vocês compreendem"…