(Todo mundo na enfermaria terá orgulho da maneira como os pacientes cooperam. Nós recebemos uma plaqueta de metal presa num pedaço de bordo que vem gravado assim: PARABÉNS POR SE DAREM BEM COM O MENOR NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS DE QUALQUER DAS ENFERMARIAS DO HOSPITAL. É um prêmio pela cooperação. Fica pendurada bem em cima do livro de registro, exatamente no meio, entre os Crônicos e os Agudos.)
Essa nova Admissão, o ruivo, McMurphy, sabe muito bem que não é um Crônico. Depois de ter examinado a enfermaria por um minuto, ele vê que está destinado ao lado dos Agudos e vai direto para lá, sorrindo e apertando as mãos de todo mundo que encontra. De início, vejo que ele está fazendo todo mundo do lado de lá sentir-se pouco à vontade, com todas as suas brincadeiras e palhaçadas e com a maneira atrevida com que grita com o crioulo, que ainda está atrás dele com um termômetro, e especialmente com aquela sua grande risada aberta. Os indicadores tremem no painel de controles com o seu ressoar. Os Agudos ficam com um ar assustado e inquieto quando ele ri, assim como ficam as crianças numa sala de aula quando algum garoto está fazendo bagunça demais, com a professora fora da sala. Elas estão todas com medo de que a professora possa voltar de repente, e meter na cabeça que todos eles têm de ficar de castigo depois. Estão todos se remexendo, agitando-se, em reação aos indicadores no painel de controle; vejo que McMurphy percebe que está fazendo com que se sintam inquietos, mas ele não deixa que isso o detenha.
– Porra, mas que coleção de caras mais tristes. Vocês aí não me parecem assim tão loucos. – Ele tenta fazer com que eles se descontraiam, assim como a gente vê um leiloeiro que diz piadas para descontrair o público antes de começar o pregão. – Qual de vocês alega ser o mais louco? Qual é o maior lunático? Quem dirige estes jogos de cartas? É o meu primeiro dia, e o que gosto de fazer é causar uma boa impressão logo de início no homem certo, se ele me puder provar que é o homem certo. Quem é o ganso machão de doidos?
Está dizendo isso diretamente para Billy Bibbit. Ele se inclina e olha fixo com tanta dureza para Billy que este se sente compelido a gaguejar que ele ainda não é o gan-gan-gan-so macho dos doidos, embora seja o próximo na li-li-linha de sucessão para o posto.
McMurphy estende a manopla para baixo na frente de Billy, e Billy não pode fazer outra coisa senão apertá-la.
– Bem, companheiro – diz ele a Billy -, estou realmente satisfeito que você seja o próximo na li-linha para o posto, mas uma vez que estou pensando em assumir o comando deste espetáculo inteiro eu mesmo, de ponta a ponta, talvez seja melhor eu falar com o homem de cima. – Ele olha em volta, até onde alguns Agudos pararam de jogar cartas, cobre uma das mãos com a outra e estala os dedos todos de uma vez. – Estou querendo ser, sabe, companheiro, uma espécie de magnata da jogatina nesta enfermaria, incrementar um vinte-e-um violento. Assim, é melhor você me levar ao seu chefe e nós vamos resolver quem vai ser o machão aqui dentro.
Ninguém sabe ao certo se este homem, forte como um touro, com a cicatriz e o sorriso selvagem, está fazendo uma simples encenação ou se é suficientemente louco para estar de acordo com a maneira como fala, ou ambas as coisas, mas eles estão começando a divertir-se com as tiradas dele. Observam, enquanto ele fecha aquela grande mão vermelha no braço magro de Billy, esperando para ver a resposta de Billy. Billy percebe que agora cabe a ele quebrar o silêncio, assim olha em volta e escolhe um dos jogadores de pinocle:
– Harding – diz Billy. – Acho que seria você. Você é o presidente do Conselho de Pa-Pa-Pacientes. Es-Es-este homem quer falar com você.
Agora os Agudos estão sorrindo, já não mais tão inquietos, satisfeitos porque algo fora da rotina está acontecendo. Todos riem de Harding, perguntam-lhe se é o machão dos maníacos. Ele põe as suas cartas na mesa.
Harding é um homem simplório e nervoso, com um rosto que às vezes faz a gente pensar que já o viu no cinema, um rosto bonito demais para ser apenas um qualquer na rua. Ele tem ombros largos e magros e os curva sobre o peito quando está tentando esconder-se dentro de si mesmo. Tem mãos tão compridas, brancas e elegantes que acho que elas se esculpiram uma à outra de um bloco de sabão, e às vezes elas se soltam e flutuam no ar na frente dele, livres como dois passarinhos brancos, até que ele perceba e as prenda entre os joelhos; desagrada-lhe o fato de ter mãos bonitas.
Ele é o presidente do Conselho de Pacientes, porque tem um papel que diz que se formou numa universidade. O papel está numa moldura e fica na sua mesinha de cabeceira, ao lado de um retrato de uma mulher de maiô que também parece que a gente já viu no cinema – tem uns seios muito grandes e está segurando a parte de cima do maiô sobre eles com os dedos, e olhando de esguelha para a câmara. A gente pode ver Harding sentado numa toalha atrás dela, parecendo muito magricela nos seus calções, como se ele estivesse esperando por algum sujeito grandalhão para chutar areia em cima dele. Harding se gaba muito de ter uma mulher daquelas como esposa, diz que ela é a mulher mais sexy do mundo e que ela não se cansa de tê-lo todas as noites.
Quando Billy o aponta, Harding se recosta na cadeira e assume um ar de importância, fala para cima, para o teto, sem olhar nem para Billy nem para McMurphy.
– Por acaso este… cavalheiro tem entrevista marcada, Sr. Bibbit?
– O senhor tem entrevista marcada, Sr. McM-m-murphy? O Sr. Harding é um homem ocupado, ninguém o vê sem ter hora ma-marcada.
– Esse homem ocupado, o Sr. Harding, ele é o machão dos malucos? – Ele olha para Billy com um olho e Billy concorda abanando a cabeça para cima e para baixo bem depressa; Billy está deliciado com toda a atenção que está recebendo.
– Então diga ao machão dos doidos Harding que R. P. McMurphy está esperando para vê-lo, porque este hospital não é bastante grande para nós dois. Estou acostumado a ser o chefe. Fui um machão de conversador de trouxas pra tudo que foi tramóia entre os madeireiros, no noroeste, e machão dos jogadores durante a guerra na Coréia e fui até o maior mondadeiro de ervilhas naquela plantação em Pendleton – assim, creio que se estou condenado a ser um lunático, então estou destinado a ser um que seja mesmo bom. Diga a esse Harding que ou ele me enfrenta de homem para homem ou ele é um garganta esculhambada e é melhor que esteja fora da cidade antes do pôr do sol.
Harding ainda se recosta mais para trás, enfia os polegares nas lapelas.
– Bibbit, diga a este jovem carreirista, McMurphy, que eu o encontrarei no vestíbulo principal ao meio-dia em ponto e que resolveremos este caso de uma vez por todas, de libidos inflamadas.
Harding tenta falar com a voz arrastada como McMurphy; soa engraçado, com sua voz fina e ansiosa:
– Também poderia avisá-lo, só para ser justo, que sou o maior maníaco lunático machão doido desta enfermaria há quase dois anos seguidos, e que sou mais maluco do que qualquer homem vivo.
– Sr. Bibbit, o senhor poderia avisar a este Sr. Harding que sou tão maluco que admito ter votado no Eisenhower.
– Bibbit! Diga ao Sr. McMurphy que sou tão maluco que votei no Eisenhower duas vezes!
– E então diga logo ao Sr. Harding – ele apóia as duas mãos sobre a mesa e se inclina, a voz ficando mais baixa – que sou tão maluco que planejo votar no Eisenhower outra vez, agora em novembro.
– Eu tiro o chapéu – Harding diz, inclina a cabeça e depois aperta a mão de McMurphy. – Não há dúvida na minha mente de que McMurphy tenha vencido, mas o que não tenho bem certeza é do quê.
Todos os outros Agudos deixam de lado o que estavam fazendo e vêm aproximando-se para ver de que espécie nova é este sujeito. Ninguém como ele jamais esteve na enfermaria antes. Estão perguntando-lhe de onde ele vem e o que é que ele faz, de uma maneira como nunca os vi fazer antes. Ele diz que é um homem com uma missão. Diz que era apenas um vagabundo errante e um madeireiro, antes que o Exército o apanhasse e lhe ensinasse qual era sua vocação natural, exatamente como eles ensinam a arte da evasão, a alguns homens a arte da mistificação e a alguns outros, como haviam bancado os dados, diz ele, eles ensinaram a jogar pôquer. Desde então ele se acomodou e se dedicou ao jogo em todos os níveis. Apenas jogar pôquer e continuar solteiro e viver onde e como quisesse, se as pessoas o deixassem.
– Mas – diz ele – vocês sabem como a sociedade persegue um homem dedicado. Desde que encontrei minha vocação, já estive preso em tantas cadeias de cidades pequenas que poderia escrever um livro. Dizem que sou um desordeiro incorrigível. Como se eu brigasse um bocado. Merda. Eles não se importavam tanto quando eu era um madeireiro estúpido e me metia numa briga; isto é descupável, eles dizem, é um sujeito trabalhador que dá duro, botando pra fora o vapor. Mas se você é um jogador, se eles sabem que você é cara de topar um jogo de fundo de salão de vez em quando, tudo que você tem de fazer é cuspir atravessado e você é um criminoso maldito. Puxa, estava estourando o orçamento aquela história de me levar e de me trazer para a cadeia de carro, naquele tempo.
Ele sacode a cabeça, infla as bochechas e continua:
– Mas aquilo foi só num certo período. Aprendi os truques. Para dizer a verdade, aquela pena por assalto, que eu estava cumprindo em Pendleton, foi a primeira cadeia em perto de um ano. Foi por isso que acabei estourado. Estava fora de forma; o cara conseguiu se levantar do chão e chamar os tiras antes que eu abandonasse a cidade. Um sujeito muito duro…
Ele ri de novo e vai apertando mãos e se senta para jogar queda-de-braço toda vez que o crioulo chega perto demais com o termômetro, até ter conhecido todo mundo do lado dos Agudos. E quando acaba de apertar a mão do último Agudo continua direto e vem até os Crônicos, como se não fôssemos nada de diferente. Não se pode saber se ele é realmente simpático ou se tem alguma razão de jogador para tentar aproximar-se e conhecer caras já tão pirados que muitos deles não sabem nem os próprios nomes.
Ele está ali puxando a mão de Ellis da parede e sacudindo, igualzinho como se fosse um político, candidato a alguma coisa, e o voto de Ellis fosse tão bom como o de todo mundo.
– Companheiro – diz a Ellis numa voz solene – meu nome é R. P. McMurphy e não gosto de ver um homem barbado chapinhando na sua própria água. Por que é que você não se enxuga?