Ele olha sorrindo para McMurphy, do outro lado da mesa. McMurphy balança a cabeça, dá uma piscadela, lambe o polegar. – Bem, senhores, o professor Harding parece que está ficando prosa. Ele ganha um par de rodadas e começa logo a dar uma de espertinho. Pois, muito bem; aí está ele sentado com um dois à mostra e apostamos um maço de Marlboro como ele vai desistir do jogo… Upa! melhorando, professor, aqui está um três, ele quer mais um outro, ganha outro dois, quer tentar uma quina, professor?. Tenta fazer aquela dobradinha ou joga no seguro? Outro maço diz que não vai, não. Pois bem, outra dama e o professor afunda nos exames…

Outra canção começa no microfone, alta com muitos metais e acordeão. McMurphy dá uma olhada nos microfones e a sua voz eleva-se cada vez mais para superá-la.

– O.K., O.K., o seguinte, pro diabo, ou bate ou fica… já te pego…

Isso continua até que as luzes se apagam, às nove e meia.

Eu poderia ter ficado observando McMurphy naquela mesa de jogo a noite inteira, a maneira como dava as cartas e conversava e os enredava, deixando-os perder até estarem quase a ponto de desistir, então perdia uma mão ou duas para incutir-lhes confiança e fazê-los continuar de novo. De uma feita, ele parou um instante para acender um cigarro, recostou-se na cadeira, as mãos cruzadas atrás da cabeça, e disse aos caras:

– O segredo de ser um malandro nota 10 está em ser capaz de saber o que é que o pato quer, e em fazê-lo acreditar que vai conseguir. Aprendi isso quando trabalhei por um tempo num stand de apostas num parque de diversões. Sen – te – se o otário direitinho com os olhos, quando ele se aproxima e a gente diz: "Ora, mas aqui está um cara que precisa se sentir machão." Assim, toda vez que ele parte para cima de você por estar levando a melhor sobre ele, você bate com as botas, morrendo de medo e lhe diz: "- Por favor, senhor. Não tem problema. A próxima rodada é por conta da casa, senhor." Assim ambos estão conseguindo exatamente aquilo que desejam.

Ele se balança para frente e as pernas da cadeira batem no chão com um estalo. Pega o baralho, corre o polegar nele, bate com o canto no tampo da mesa, lambe o polegar e o dedo.

– E o que eu acho que vocês otários aí precisam é de uma parada das boas para tentá-los. Aqui está, 10 maços a próxima rodada. Vamos, estou pronto pra vocês. Daqui pra frente têm de ter peito.

E joga a cabeça para trás e dá uma gargalhada, ante a maneira como os caras se apressaram em fazer as suas apostas.

Aquela gargalhada ecoou pela enfermaria durante toda a noite, e o tempo todo em que jogava fazia brincadeiras e conversava, tentando fazer com que os jogadores rissem com ele. Mas todos tinham medo de se descontrair; tinha durado muito tempo. Ele desistiu de tentar e resolveu jogar a sério. Eles ganharam uma ou duas partidas, mas ele sempre recuperava ou sempre tornava a lutar, e os cigarros começaram a se empilhar cada vez mais alto à sua direita e à esquerda, em pilhas com feitio de pirâmides.

Então, pouco antes de nove e meia, ele começou a deixá-los ganhar tudo de volta tão depressa que eles nem se lembram de ter perdido. Paga com os dois últimos cigarros, larga o baralho, torna a se recostar com um suspiro e empurra o gorro, tirando-o de cima dos olhos, e o jogo está acabado.

– Bem, senhores, ganhem um pouco, percam o resto, é o que digo. – Sacode a cabeça com tristeza. – Eu não sei… sempre fui um cara bastante bom em vinte-e-um, mas vocês aí podem realmente ser duros demais para mim. Têm uma espécie de jeito sobrenatural, faz até um cara ficar meio com medo de jogar amanhã contra uns craques tão grandes, por dinheiro de verdade.

Ele não está nem enganando a si mesmo acreditando que eles caíram nessa. Ele os deixa ganhar, e cada um de nós, assistindo ao jogo, sabe disso. Os jogadores também. Mas ainda não há um único cara remexendo a sua pilha de cigarros – cigarros que não ganharam, realmente, mas apenas recuperaram, porque eram deles para começar – que não tenha um sorriso afetado no rosto, como se fosse o mais duro dos jogadores de todo o Mississippi.

O crioulo gordo e um crioulo chamado Geever nos põem para fora da enfermaria e começam a apagar as luzes com uma chavinha numa corrente, e à medida que a ala vai ficando sombria e mais escura, os olhos da enfermeirazinha com a marca de nascença, no posto de controle, vão ficando maiores e mais brilhantes. Ela está na porta da sala de vidro, distribuindo os comprimidos da noite para os homens que vão passando por ela arrastadamente numa fila, e está tendo dificuldades em se lembrar com clareza de quem é que vai ser envenenado com que esta noite. Ela nem está olhando onde é que está pondo a água. O que distraiu sua atenção desse jeito foi aquele homenzarrão ruivo com aquele gorro horrível e aquela cicatriz de aspecto assustador, vindo em sua direção. Ela está observando McMurphy afastando-se da mesa de jogo na enfermaria que está as escuras, uma de suas mãos calosas torcendo o tufo de cabelo vermelho que sai pelo decote estreito da camisa do uniforme da colônia penal, e concluo pela maneira como ela recua quando ele se aproxima da porta da Sala das Enfermeiras que ela provavelmente foi advertida a respeito dele, com antecedência, pela Chefona. ("Ah, mais uma coisa antes que eu deixe tudo em suas mãos por esta noite, Srta. Pilbow; aquele homem novo que está sentado ali, aquele com as costeletas ruivas extravagantes e ferimentos no rosto – tenho razões para crer que é um maníaco sexual.") McMurphy vê como ela está com um ar assustado e os olhos arregalados em sua direção, assim enfia a cabeça na porta da sala onde ela está distribuindo os comprimidos e lhe dá um sorriso largo e amistoso, para ir ficando conhecido. Isto a perturba tanto que deixa cair a jarra dágua no pé. Dá um grito e pula num pé só, agita a mão, e o comprimido que me ia dar salta para fora do copinho e desce direto pela gola do seu uniforme, onde a marca de nascença corre como um rio de vinho por um vale abaixo.

– Deixe-me lhe dar uma mãozinha, dona.

E entra pela porta da Sala das Enfermeiras, aquela mesma mão cheia de cicatrizes e tatuagens, e da cor de carne crua.

– Para trás! Há dois ajudantes aqui comigo!

Ela vira os olhos em busca dos crioulos, mas eles estão ocupados amarrando os Crônicos na cama, em lugar não suficientemente perto para ajudar depressa. McMurphy sorri e vira a mão, para que ela possa ver que ele não está segurando uma faca. Tudo que ela pode ver é a luz brilhando na palma calejada, lisa e opaca.

– Tudo que pretendo fazer, dona, é…

– Para trás! Os pacientes não têm permissão para… Oh, afaste-se, eu sou católica! - e imediatamente puxa a corrente de ouro do pescoço com um arranco, de forma que a cruz sai voando do rego entre os seus seios, e atira o comprimido perdido no ar, como um estilingue! McMurphy dá um golpe no ar bem na frente do rosto dela. Ela grita e enfia a cruz na boca, cerra os dentes como se estivesse prestes a levar um soco, fica de pé assim, branca como uma folha de papel, exceto pela marca que fica mais escura do que nunca, como se tivesse sugado todo o sangue de todo o resto do corpo dela. Quando ela finalmente abre os olhos de novo, ali está aquela mão calejada bem na frente dela com o meu pequeno comprimido vermelho bem no meio.

– Era apanhar a sua jarra dágua que a senhora deixou cair. – Ele a está segurando na outra mão.

Ela deixa sair o ar com um sibilar alto. Tira a jarra da mão dele.

– Obrigada. Boa noite, boa noite – e fecha a porta na cara do homem seguinte, esta noite não haverá mais pílulas.

No dormitório, McMurphy atira a pílula na minha cama.

– Quer a sua bolinha, chefe?

Sacudo a cabeça para o comprimido e ele o atira para fora da cama com um peteleco, como se fosse um inseto que o estivesse incomodando. O comprimido pula pelo chão com um ruído como o de um grilo. Ele se vai aprontando para ir para a cama, tirando a roupa. As cuecas sob as calças de trabalho são de cetim preto como carvão, cobertas de grandes baleias brancas de olhos vermelhos.

– Ganhei de uma aluna de um colégio co-educacional no Estado de Oregon, chefe, especializada em literatura. – Ele estala o elástico com o polegar. – Ela me deu porque disse que eu era um símbolo.

Os braços, o pescoço e o rosto dele estão bronzeados pelo sol, e cobertos de pêlos alaranjados e crespos. Tem tatuagens em cada um dos ombros largos; uma diz "Bravos Fuzileiros Navais" e tem um diabo com um olho vermelho e chifres vermelhos e um rifle M-l, a outra é uma mão de pôquer, aberta em leque sobre o seu músculo – ases e oitos. Coloca o monte de roupas na mesinha de cabeceira junto da minha cama e começa a socar o travesseiro. Designaram-lhe a cama à direita da minha.

Ele se enfia entre os lençóis e me diz que é melhor eu tratar de me apressar também, porque lá vem um dos crioulos para apagar as luzes. Olho em volta e o crioulo chamado Geever está vindo, atiro longe os sapatos e me meto na cama bem no momento em que ele vem me amarrar com um lençol. Quando ele acaba de cuidar de mim, lança um último olhar em torno, dá umas risadinhas e apaga as luzes do dormitório.

Exceto pela luz igual a pó branco que vem da Sala das Enfermeiras, lá fora, no corredor, o dormitório está às escuras. Posso apenas distinguir McMurphy perto de mim, respirando profunda e regularmente, os lençóis que o cobrem subindo e descendo. A respiração vai ficando cada vez mais lenta, até que chego à conclusão de que ele já está dormindo há algum tempo. Então ouço um ruído suave e rouco vindo da cama dele, como a casquinada de um cavalo. Ainda está acordado e está rindo para consigo mesmo de alguma coisa.

Ele pára de rir e murmura:

– Puxa, você deu mesmo um pulo e tanto quando eu lhe disse que aquele babaca estava vindo, chefe. Pensei que alguém tivesse me dito que você era surdo.

* * *

Pela primeira vez há muito tempo estou na cama sem ter tomado aquele pequeno comprimido vermelho (se me escondo, para não tomá-lo, a enfermeira da noite com a marca de nascença manda o crioulo chamado Geever sair para me caçar, para me manter preso com a lanterna até que ela possa aprontar a seringa), assim, finjo que estou dormindo quando o crioulo passa com a lanterna para fazer a verificação.

Quando a gente toma um daqueles comprimidos vermelhos, a gente não adormece apenas; fica-se paralisado de sono, e a noite inteira não se pode acordar, não importa o que esteja acontecendo em volta. É por isso que o pessoal. me dá comprimidos; no lugar de antigamente, eu costumava acordar durante a noite e os apanhava executando todos os tipos de crimes horríveis nos pacientes adormecidos em torno de mim.