"Você vê? Você vê?", ele guincha e revira os olhos, acabando por cuspir a bebida do vidro, de tanto que está rindo. Ele ri tanto que eu penso que vai explodir.

Quando finalmente afoga o riso, começa novamente a andar ao longo da fileira de máquinas, e reinicia a dissertação. Pára de repente e dá um tapa na testa: "Oh, que distraído que eu sou!" – e volta correndo até o Crônico pendurado para arrancar mais um outro troféu e amarrá-lo no espartilho.

À direita e à esquerda acontecem outras coisas igualmente ruins – loucas, terríveis coisas malucas e estranhas demais para que se possa chorar por elas e verdadeiras demais para que se possa rir delas – mas a neblina está ficando suficientemente forte para que eu não tenha de vê-las. E alguém me está sacudindo o braço. Já sei o que vai acontecer: alguém vai me tirar da neblina e eu estarei de volta à enfermaria e não haverá nem um sinal do que aconteceu esta noite e, se eu fosse suficientemente bobo para tentar contar a alguém o que aconteceu, eles diriam "idiota, você apenas teve um pesadelo; coisas tão malucas como uma sala de máquinas nos intestinos de uma represa onde as pessoas são estripadas por operários robôs, não existem".

Mas se elas não existem, como é que um homem pode vê-las?

É o Sr. Turkle que me puxa para fora da neblina pelo braço, sacudindo-me e sorrindo. Ele diz:

– 'Tava tendo um sonho ruim, seu Bromden. – Ele é o ajudante que trabalha no longo turno solitário das onze às sete, um velho negro, com um grande sorriso sonolento na extremidade de um longo pescoço trêmulo. Está cheirando como se tivesse bebido um pouco. – Agora vá dormir de novo, seu Bromden.

Em algumas noites, ele desamarra o lençol que me prende, se estiver tão apertado a ponto de me deixar todo torto. Ele não o faria se achasse que o pessoal do turno do dia ia saber que fora ele, porque provavelmente o despediriam, mas ele acha que o pessoal do turno do dia imagina que fui eu mesmo quem desamarrou o lençol. Acho que ele faz isso realmente por bondade, para ajudar – mas verifica primeiro se está em segurança.

Dessa vez não desamarra o lençol, afasta-se de mim para ajudar dois auxiliares que nunca vi antes e um médico jovem a colocarem o velho Blastic na maca e levá-lo embora, coberto por um lençol – mexem nele com mais cuidado do que alguém jamais o fez antes em toda sua vida.

* * *

Chega a manhã, McMurphy levanta-se antes de mim, é a primeira vez que alguém se levanta antes de mim desde a época em que o tio Jules, o Caminhante de paredes, estava aqui. Jules era um velho negro de cabelos brancos, muito esperto, com uma teoria de que o mundo estava sendo virado para o outro lado, durante a noite, pelos crioulos; ele costumava escapulir de madrugada, para ver se os apanhava enquanto viravam o mundo. Como Jules, eu me levanto bem cedo de manhã, para observar que equipamentos eles estão trazendo disfarçadamente para a enfermaria, ou instalando na barbearia, e normalmente só ficamos eu e os crioulos no corredor durante 15 minutos antes que o paciente seguinte saia da cama. Mas agora de manhã ouço McMurphy lá fora no banheiro quando saio da cama. Eu o ouço a cantar! Canta de tal maneira que se pensaria que ele não tem uma única preocupação no mundo. A voz dele soa clara e forte, de encontro ao cimento e ao aço.

"Seus cavalos estão com fome, foi o que ela disse pra mim."

Ele está gostando do jeito como o som ressoa no banheiro.

"Venha para junto de mim, e dê-lhes um pouco de feno."

Ele toma fôlego e sua voz sobe uma oitava, ganhando altura e força até que chega ao ponto de estremecer a fiação em todas as paredes.

"Meus cavalos não estão com fome, eles não vão comer o seu fee-nn-oo-oo."

Ele sustenta o tom e brinca com ele, então continua direto com o resto da letra até o fim.

"Assim aadeusss, querida, vou tratar da minha vida."

Cantando! Todo mundo está estarrecido. Há anos que não ouvem tal coisa, não nessa enfermaria. A maioria dos Agudos se está levantando, no dormitório, apoiando-se nos cotovelos, piscando e ouvindo. Eles olham uns para os outros e levantam as sobrancelhas. Como é possível que os crioulos não o tenham calado lá fora? Eles nunca deixaram ninguém armar tamanho escarcéu antes, deixaram? Como é que é possível que eles tratem esse cara de maneira diferente? É um homem feito de pele e osso, que está destinado a ficar fraco e pálido, e morrer, igualzinho ao resto de nós. Ele vive de acordo com as mesmas leis, tem de comer, defronta-se com os mesmos problemas; essas coisas o fazem tão vulnerável à Liga quanto todas as outras pessoas, não é verdade?

Mas o novato é diferente, e os Agudos podem ver isso, diferente de qualquer pessoa que veio para esta enfermaria nos últimos 10 anos, diferente de qualquer outra pessoa que eles tenham conhecido lá fora. Talvez ele seja tão vulnerável quanto qualquer dos outros, mas a Liga não o apanhou.

"Minha carroça está carregada", canta ele, "meu chicote está na minha mão…"

Como foi que ele conseguiu escapar do laço? Talvez, como o velho Pete, a Liga não tenha conseguido apanhá-lo suficientemente cedo, com seus controles. Talvez ele tenha crescido de uma maneira tão selvagem, rodando por todo o país, saltando de um lugar para outro, nunca se deixando ficar numa cidade por mais de alguns meses, quando era garoto, de forma que uma escola nunca conseguiu ter muita influência sobre ele; cortando madeira, jogando, controlando parques de diversões, viajando com passos rápidos, e ligeiro, mantendo-se tanto em movimento que a Liga nunca tenha tido uma oportunidade de instalar alguma coisa. Talvez seja isso, ele nunca deu uma oportunidade à Liga, exatamente como ontem de manhã, ele nunca deu uma oportunidade ao crioulo de apanhá-lo com o termômetro, porque um alvo em movimento é difícil de atingir.

Nenhuma esposa a querer um linóleo novo. Nenhum parente na tentativa de influenciá-lo com olhos lacrimejantes. Ninguém com quem se importar, o que faz com que ele seja suficientemente livre para ser um bom pilantra. E talvez a razão por que os crioulos não tenham entrado correndo naquele banheiro para acabar com a sua cantoria seja porque eles sabem que ele está fora do controle, e eles se lembram daquela outra vez com o velho Pete e do que um homem fora do controle é capaz. E eles podem ver que McMurphy é um bocado maior do que o velho Pete; se realmente chegar às vias de fato, vão ser necessários os três e mais a Chefona do lado com uma seringa. Os Agudos balançam a cabeça uns para os outros; esta é a razão, concluem, por que os crioulos não acabaram com a cantoria dele, quando teriam feito com qualquer um de nós.

Vou do dormitório para o corredor no momento exato em que McMurphy sai do banheiro. Está de gorro e muito pouco além disso, apenas uma toalha enrolada nos quadris. Traz uma escova de dentes na outra mão. Pára ali no corredor, olha de um lado para o outro, equilibrando-se nos dedos dos pés para evitar o quanto possível o frio dos ladrilhos. Avista um crioulo, o menor, e vai andando até ele e lhe dá um soco no ombro como se tivessem sido os melhores amigos durante toda uma vida.

– Ei, você aí, companheiro, quais são as minhas possibilidades de arranjar um bocado de pasta de dente para escovar os meus moedores?

A cabeça do crioulo anão gira e fica de nariz contra o punho daquela mão. Ele franze o cenho para ela, então faz uma verificação rápida de onde se encontram os outros dois crioulos só para "quem sabe", e diz a McMurphy que eles não abrem o armário antes das seis e quarenta e cinco.

– É a norma da casa – diz ele.

– É isso mesmo? Quero dizer, é lá que eles guardam a pasta de dentes? No armário?

– Isso mesmo, trancada no armário.

O crioulo tenta recomeçar a encerar os rodapés, mas aquela mão ainda está enganchada sobre o seu ombro como uma grande ostra vermelha.

– Trancada no armário, é? Ora, ora, muito bem. Agora, diga-me qual é a sua opinião, por que eles guardam a pasta trancada? Quer dizer, não é como se fosse uma coisa perigosa, é? Não se pode envenenar um homem com pasta de dente, pode? Não se pode dar uma porretada na cabeça de alguém com o tubo, pode? Qual é a razão que você acha que eles têm para botar uma coisa tão inofensiva como um tubinho de pasta de dente trancada a chave?

– É a norma da enfermaria, Sr. McMurphy, é essa a razão. – E, quando ele vê que essa última razão não impressiona McMurphy como deveria, franze o cenho para a mão no seu ombro e acrescenta: – Cum'é que o senhor acha que seria, se todo mundo fosse escovar os dentes toda vez que desse na telha?

McMurphy solta o ombro, puxa de leve aquele tufo de pêlos vermelhos no pescoço e pensa a respeito.

– Humm… humm, hum-hum, acho que saquei o que você está querendo dizer: a norma da ala é para aqueles que não podem escovar os dentes depois de cada refeição.

– Meu Deus, não entendeu?

– Claro, agora entendo. Está dizendo que teria gente que escovaria os dentes sempre que desse vontade.

– É isso aí, é por isso que nós…

– E, puxa vida, pode imaginar só? Dentes sendo escovados às seis e meia, seis e vinte… quem sabe?, talvez às seis horas. É, posso compreender o seu ponto de vista.

Ele dá uma piscadela por sobre o ombro do crioulo para mim, que estou de pé encostado na parede.

– Tenho de limpar esse rodapé, McMurphy.

– Ah. Não tinha a intenção de afastar você do seu trabalho. – Ele começa a recuar, afastando-se, enquanto o crioulo se inclina para recomeçar o trabalho. Então se aproxima novamente e se abaixa para olhar para dentro da lata ao lado do crioulo. – Bem, olhe só; que é que nós temos aqui?

O crioulo olha para baixo.

– Olhar para onde?

– Olhar aí dentro dessa lata velha, cara. Que negócio é esse aí dentro dessa lata velha?

– É… sabão em pó.

– Bem, eu geralmente uso pasta, mas – McMurphy mete a escova lá embaixo no pó, dá uma girada com ela, tira e bate na borda da lata – mas isso aqui serve muito bem pra mim. Obrigado. Vamos tratar daquele negócio de norma da enfermaria depois.

E torna a dirigir-se ao banheiro, onde posso ouvir a sua cantoria adulterada pelo compasso da escova nos dentes.

O crioulo fica de pé ali, olhando para onde ele foi, com o trapo de esfregar pendendo frouxo na mão cinzenta. Depois de um minuto, ele pisca, olha em volta e vê que eu o estava observando, aproxima-se e me arrasta pelo corredor abaixo, puxando-me pelos cordões do pijama, e me empurra para um lugar no chão, que ontem mesmo eu limpei.