"Alguém, por favor, vá atender ao pobre Sr. Bancini", dissera ela.

Dois ou três se levantaram. Tentaram acalmá-lo, deram-lhe palmadinhas no ombro. Mas Pete não ia deixar que o calassem. "Cansado! Cansado!", continuou.

Finalmente a enfermeira mandou um dos crioulos levá-lo para fora da enfermaria à força. Ela se esqueceu de que os crioulos não tinham nenhum controle sobre pessoas como Pete.

Pete foi um Crônico a vida inteira. Embora não tenha vindo para o hospital senão com mais de 50 anos, sempre fora um Crônico. A cabeça dele tem duas grandes mossas, uma de cada lado, onde o médico que assistia sua mãe na hora do parto lhe apertou o crânio, tentando puxá-lo para fora. Pete havia olhado para fora, primeiro, e visto toda a aparelhagem da sala de parto a sua espera e de alguma forma se dera conta da coisa para onde estava nascendo, e se agarrara a tudo que estava a seu alcance ali dentro para tentar impedir-se de nascer. O médico tateou lá dentro e o apanhou pela cabeça com um par de tenazes cegas e o puxou com um arranco, e concluiu que estava tudo bem. Mas a cabeça de Pete ainda era nova demais, ainda macia como gesso, e, quando endureceu, aquelas duas mossas deixadas pelas tenazes permaneceram. E aquilo fez com que ele fosse simples a ponto de precisar de todos os seus mais valentes esforços, concentração e força de vontade, para executar apenas as tarefas que eram fáceis para uma criança de seis anos.

Mas uma coisa boa – o fato de ser simples assim – o colocou fora do alcance das garras da Liga. Não foram capazes de transformá-lo numa ferida. Assim o deixaram arranjar um emprego simples numa ferrovia, onde tudo que tinha de fazer era sentar-se numa casinha de madeira bem longe, lá no interior, num desvio solitário, e balançar uma lanterna vermelha para os trens, se o desvio fosse para uma mão, e uma verde, se fosse para a outra, e uma amarela, se houvesse um trem em algum lugar mais adiante. E ele o fez, com a força condutora e a garra que eles não conseguiram espremer para fora de sua cabeça, sozinho naquele desvio. E nunca nenhum controle foi instalado.

É por isso que os crioulos não tinham nenhuma autoridade sobre ele. Mas o crioulo não pensou naquilo naquele momento, da mesma forma que a enfermeira não pensou quando mandou que Pete fosse levado para fora da enfermaria. O crioulo aproximou-se depressa e deu um puxão no braço de Pete na direção da porta, exatamente como a gente puxa as rédeas de um cavalo para virá-lo.

– É isso mesmo, Pete. Vam'bora pro dormitório. Você incomodando todo mundo.

Pete sacudiu o braço, soltando-se.

– Estou cansado - advertiu.

– Vam'bora, velho 'cê tá criando caso. Vamos lá, deitar na cama e ficar quieto como um garoto bem comportado.

– Cansado…

– Eu disse que você vai pro dormitório, velho!

O crioulo tornou a lhe dar um puxão no braço, e Pete parou de balançar a cabeça. Enrijeceu-se, endireitou o corpo e ficou firme, e seus olhos se desanuviaram de repente. Normalmente, os olhos de Pete estão semicerrados e embaciados, como se houvesse leite neles, mas daquela vez eles se abriram claros como néon azul. E a mão naquele braço que o crioulo estava segurando começou a inchar. Os funcionários e a maioria do resto dos pacientes estavam falando entre si, sem prestar atenção àquele velho e a sua velha história de que estava cansado, imaginando que ele seria acalmado como de hábito e que a sessão continuaria. Eles não viram a mão na extremidade daquele braço ir latejando e ficando cada vez maior, à medida que ele a abria e fechava. Eu fui o único que viu. Eu a vi inchar-se e se fechar apertado, flutuar diante dos meus olhos, tornar-se lisa – dura. Uma grande bola de ferro enferrujado na ponta de uma corrente. Olhei fixo para ela e esperei, enquanto o crioulo dava um outro puxão no braço de Pete em direção ao dormitório.

– Velho, eu disse que 'cê tem…

Ele viu a mão. Tentou recuar e escapar dela, dizendo "você é um bom garoto, Peter", mas era um pouco tarde demais. Pete balançava a bola tomando impulso desde o joelho. O crioulo foi achatado contra a parede e ficou pregado ali um instante, depois deslizou até o chão como se a parede ali estivesse escorregadia. Ouvi canos estourarem e curtos-circuitos por toda parte dentro da parede, e o estuque se partiu exatamente no formato em que ele bateu.

Os outros dois – o menor e outro grandão – ficaram parados, estupidificados. A enfermeira estalou os dedos, e eles despertaram de repente. Movimento imediato, deslizando pelo assoalho. O pequeno ao lado do grande como uma imagem refletida num espelho de diminuir. Estavam quase alcançando Pete quando de repente lhes ocorreu o que o outro crioulo devia ter sabido, que Pete não estava preso sob controle como o resto de nós, que ele não se ia importar nem um pouco só por eles lhe darem uma ordem ou um puxão no braço. Se fossem realmente levá-lo, teriam de levá-lo como se leva um urso ou um touro selvagem, e com um do trio fora de ação de cara no rodapé, os outros dois crioulos não quiseram arriscar-se.

Este pensamento ocorreu a ambos ao mesmo tempo, e eles pararam imóveis, o grande e o seu reflexo minúsculo, exatamente na mesma posição, o pé esquerdo na frente, a mão direita estendida, a meio caminho entre Pete e a Chefona. Aquela bola de ferro balançando na frente deles e aquela raiva branca como neve atrás deles, eles tremeram, soltaram fumaça e eu podia ouvir as engrenagens rangendo. Podia vê-los se contorcerem confusos, como máquinas aceleradas ao máximo e com os freios empurrados até o fundo.

Pete ficou de pé ali, no meio do assoalho, balançando a bola, para trás e para a frente, ao lado do corpo, todo inclinado por causa do peso. Todo mundo o observava, agora. Ele olhou do crioulo grande para o pequeno, e quando viu que não iriam chegar mais perto, virou-se para os pacientes.

– Vocês vêem… é um monte de besteiras – disse-lhes. – É tudo um monte de besteiras.

A Chefona se havia esgueirado da cadeira e se dirigia sorrateiramente para sua bolsa de vime encostada na porta.

– Sim, sim, Sr. Bancini – murmurou ela. – Agora, se apenas o senhor se acalmasse…

– É isso que tudo é, nada mais que um monte de besteiras. – A voz dele perdeu a força metálica e tornou-se tensa e desesperada como se ele não tivesse muito tempo para terminar o que tinha de dizer. – Vocês vêem, eu não posso fazer nada, não posso… não vêem? Eu nasci morto. Vocês não. Vocês não nasceram mortos. Ah h h h, tem sido tão difícil…

Ele começou a chorar. Não conseguia mais fazer as palavras saírem direitas; abria e fechava a boca para falar, mas não conseguia mais arrumar as palavras em frases. Sacudia a cabeça para desanuviá-la e pestanejou, olhando para os Agudos.

– Ah h h h, eu… digo a 'ocês … eu digo a vocês. Começou a afundar de novo, e a bola de ferro tornou a reduzir-se a uma mão. Ele a mantinha estendida semi-aberta a sua frente, como se estivesse oferecendo alguma coisa aos pacientes.

– Eu não posso fazer nada. Eu nasci um aborto. Ouvi tantos insultos que morri. Não posso fazer nada. Estou cansado. Estou desistindo de tentar. Vocês têm chances. Eu ouvi tantos insultos que nasci morto. Vocês conseguiram fácil. Eu nasci morto e a vida foi difícil. Estou cansado. Estou exausto de falar e de ficar em pé. Eu estive morto 55 anos.

A Chefona o apanhou de jeito pelo outro lado da sala, mesmo através das calças. Ela saltou para trás sem tirar a agulha depois da injeção, e aquilo ficou pendurado nas calças dele como um rabinho de vidro e aço, o velho Pete se afundando cada vez mais, não por causa da injeção, mas por causa do esforço; os últimos dois minutos o haviam exaurido completa e definitivamente, de uma vez por todas – era só olhar para ele que se via que estava acabado.

Assim, na realidade, não havia nenhuma necessidade da injeção; a cabeça dele já começara a balançar-se para trás e para a frente, seus olhos estavam embaciados. Quando a enfermeira voltou para apanhar a seringa, ele estava tão inclinado para frente que chorava direto para o chão, sem molhar o rosto, lágrimas manchando um trecho grande, à medida que balançava a cabeça para frente e para trás, pingando, pingando, formando um desenho regular no chão da enfermaria, como se ele as estivesse semeando. "Ah h h h", gemeu ele. Não se moveu quando ela tirou a agulha.

Ele voltara à vida durante, talvez, um minuto, para tentar dizer-nos alguma coisa, uma coisa que nenhum de nós se importava em ouvir ou compreender, e o esforço o havia exaurido até a última gota. Aquela injeção no quadril foi tão desperdiçada como se ela a tivesse dado num homem morto – sem coração para bombeá-la, sem veias para levá-la até a cabeça, sem cérebro lá em cima para ser mortificado pelo seu veneno. Teria dado no mesmo se ela a tivesse aplicado num cadáver velho e seco.

– Estou… cansado…

– Bem. Acho que, se vocês dois aí, rapazes, forem corajosos o suficiente, o Sr. Bancini irá para a cama como um bom rapaz.

– … mui… to cansado.

– E o ajudante Willians está voltando a si, Dr. Spivey. Cuide dele, sim. Isso. O relógio dele está quebrado e ele cortou o braço.

Pete nunca mais tentou nada de parecido com aquilo, e nunca tentará. Agora, quando começa a se agitar durante uma sessão e eles tentam calá-lo, ele sempre se cala. Ainda se levanta de tempos em tempos e balança a cabeça e nos diz o quanto está cansado, mas não é mais uma queixa ou uma desculpa ou uma advertência – ele já acabou com isso; é como um velho relógio que não diz mais as horas, mas também não pára; com os ponteiros deformados, estendidos, e o mostrador vazio, sem números, e a campainha de despertar, enferrujada e silenciosa, um velho relógio inútil, que apenas continua fazendo tique-taque e cuco, sem nada significar.

O grupo ainda está estraçalhando o pobre Harding quando soam as duas horas.

Às duas horas, o médico começa a se remexer na cadeira. As sessões são desagradáveis para ele, a menos que esteja dissertando sobre sua teoria; ele teria preferido passar o seu tempo lá embaixo, no consultório, fazendo gráficos. Ele se remexe um pouco e finalmente pigarreia, e a enfermeira consulta o relógio e nos diz que é para trazermos de volta as mesas e que retomaremos aquela discussão novamente amanhã, a uma hora. Os Agudos saem do transe, olham na direção de Harding por um instante. Seus rostos queimam de vergonha, como se tivessem acabado de despertar para o fato de que foram feitos de idiotas mais uma vez. Alguns vão para a sala da banheira, do outro lado do corredor, para buscar as mesas, alguns vagueiam até as prateleiras de revistas e demonstram muito interesse pelas velhas revistas Mc Call's, mas o que todos eles realmente estão fazendo é evitar Harding. Foram novamente manobrados para torturar um de seus amigos como se fosse um criminoso e todos eles fossem promotores, juizes e júri. Durante 45 minutos estiveram retalhando um homem em pedaços, quase que como se tivessem prazer nisso, atirando-lhe perguntas: Que é que ele pensa que há de errado com ele, que não consegue satisfazer a dama, por que insiste em dizer que ela nunca teve nada a ver com outro homem; como é que espera ficar bom se não responde com honestidade? - perguntas e insinuações, até que agora se sentem mal a respeito delas e não querem sentir-se pior ainda estando perto dele.