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“Quanto ao delito de evasão, nós reconhecemos os senhores culpados em segundo grau. Por este delito, o tribunal os condena a dois anos de reclusão”.

Dizemos a uma voz: “Obrigado, comandante”. Eu acrescento: “Obrigado ao tribunal”.

Na sala, os guardas, que assistiam ao processo, não voltam mais.

Quando tornamos a entrar no edifício onde estão nossos companheiros, todo mundo fica contente com a notícia, ninguém está invejoso. Pelo contrário. Mesmo os que sofreram condenações pesadas nos felicitam sinceramente pela nossa sorte.

François Sierra veio me abraçar. Está louco de alegria.

6 AS ILHAS DA SALVAÇÃO

A CHEGADA À S ILHAS

É amanhã que a gente vai embarcar para as Ilhas da Salvação. Apesar da minha luta toda, aqui estou. E, desta vez, a poucas horas de ser internado pelo resto da vida. Primeiro, terei de cumprir dois anos de reclusão na Ilha Saint-Joseph. Espero desmentir a alcunha que os forçados deram a ela, de “devoradora de homens”.

Perdi o round, mas meu espírito não é o de um vencido.

Posso me dar por muito feliz de ter só dois anos a cumprir nessa cadeia de outra cadeia. Conforme prometi a mim mesmo, não vou me deixar levar facilmente pelas divagações a que leva o isolamento completo. Para me livrar disso, tenho um esquema: tenho, acima de tudo, de me imaginar livre, saudável e bem disposto, como um forçado normal das ilhas. Estarei com trinta anos na saída.

Nas ilhas, as evasões são muito raras, bem sei. Mas, mesmo que contados nos dedos de uma mão, alguns homens escaparam. Pois bem, quanto a mim, escaparei, tenho certeza. Daqui a dois anos. escaparei das ilhas vou repetindo eu a Clousiot, que viaja a meu lado.

– Meu velho Papillon, nada consegue abalá-lo, e essa sua fé de um dia ser livre me dá inveja. Há um ano que você não pára de preparar tentativas e nunca desistiu. Mal fracassou uma fuga e você já está preparando outra. Fico até espantado de você não ter tentado nada aqui.

– Aqui, velho, só tem um jeito: fomentar uma revolta. Só que, para mim, não dá tempo de arregimentar todos estes homens. Quase provoquei uma revolta, mas tive medo de ela acabar também comigo. Estes quarenta homens que estão aqui são todos forçados antigos. O caminho da podridão os engoliu, eles reagem diferente da gente. Por exemplo: os antropófagos, os caras das formigas, aquele que botou veneno na sopa e, para matar um homem, não hesitou em envenenar sete outros que nunca lhe tinham feito nada.

– Mas nas ilhas os caras vão ser assim também.

– Certo, mas escaparei das ilhas sem precisar de ninguém. Vou partir sozinho ou, no máximo, com um cara. Está rindo, Clousiot, por quê?

– Estou rindo porque você nunca abandona o jogo. Esse fogo que lhe queima as tripas, de estar em Paris para acertar as contas com seus três amigos, lhe dá uma tal força, que você nem admite que o que mais deseja possa fracassar.

– Tchau, Clousiot. Até amanhã. Pois é, vamos ver essas famosas Ilhas da Salvação. Uma primeira coisa para se perguntar: por que essas ilhas da perdição são chamadas de Ilhas da Salvação?

E, voltando as costas para Clousiot, volto um pouco mais a cara para o vento da noite.

No dia seguinte, bem cedo, embarcamos para as ilhas. Vinte e seis homens num barco de 400 toneladas, o Tanon, embarcação costeira que faz a ligação entre Caiena, as ilhas e São Lourenço. Dois a dois, temos os pés amarrados com uma corrente e estamos algemados. Dois grupos de oito homens na frente, vigiados cada um por quatro guardas de mosquetão na mão. E mais um grupo de dez atrás, com seis guardas e os dois chefes da escolta. Todo o pessoal está na ponte deste barco e é bem possível que a gente desmaie assim que o tempo engrossar.

Decidi não pensar durante esta viagem, estou querendo me distrair. Por isso, só para chatear, grito para o vigia perto de mim, com a sua cara de coveiro:

– Com as correntes que vocês nos botaram, é certo que não escaparemos se este bote podre afundar, o que é bem possível, no estado em que está, se o mar engrossar.

Ainda sonolento, o guarda reage como o previsto.

– Pode se afogar, tanto faz. A ordem é botar as correntes e pronto. A responsabilidade é daqueles que dão as ordens. Nós, que cumprimos, estamos garantidos.

– De qualquer modo, está certo, seu vigia, com correntes ou sem correntes, se este caixão abrir iremos todos para o fundo.

– Sabe, há muito tempo – diz o estúpido – que este barco faz o percurso e nunca aconteceu nada.

– Exato, mas é justamente porque há tempo demais que ele existe que, na certa, agora pode acontecer alguma coisa de um momento para outro.

Tinha conseguido o que queria: abalar o silêncio geral que me irritava. Logo o assunto foi retomado por vigilantes e forçados.

– Pois é, este barco é um perigo e, além do mais, estamos acorrentados. Sem as correntes, a gente tinha uma chance.

– Oh! dá na mesma. A gente, com a farda, as botas e o mosquetão, também não bóia.

– O mosquetão não importa; se o barco afundar, a gente joga fora – diz outro.

A isca pegou, dou o segundo lance:

– Onde estão os botes salva-vidas? Estou vendo só esse pequenininho aqui, para oito homens no máximo. Só o comandante e a tripulação vão encher ele. Para os outros, banana!

Então o troço pega, papo aceso.

– É mesmo, não tem nada e o barco está num estado tal, que é uma irresponsabilidade inaceitável que pais de família tenham que correr um perigo para acompanhar esses malandros.

Como estou no grupo detrás, é perto da gente que viajam os dois chefes do comboio. Um deles me olha e diz:

– Você é o Papillon, aquele que está voltando da Colômbia?

– Son.

– Não me espanta que você tenha ido tão longe, parece que entende de marinha.

Pretensiosamente, respondo:

– Sim, muito.

A resposta gela os caras. Além disso, o comandante desce do passadiço, pois acabamos de sair do estuário do Maroni, e, como é o trecho mais perigoso, ele mesmo pega o timão. Agora, entrega-o para outro. Então, esse comandante, um preto do Sudão, baixote e gordinho, de cara ainda jovem, pergunta onde estão os caras que foram até a Colômbia num pedaço de pau.

– Este, este e aquele lá, ao lado – responde o chefe do comboio.

– Quem era o capitão? – pergunta o anão.

– Eu, senhor.

– Pois olha, meu chapa, como marinheiro, lhe dou os parabéns. Você não é um qualquer. Olhe!

Bota a mão no bolso da japona:

– Pegue este pacote de fumo e o papel. Fume à minha saúde.

– Obrigado, meu comandante. Mas eu também devo dar os parabéns ao senhor pela coragem de navegar com este rabecão, uma ou duas vezes por semana, ao que parece.

Estoura numa gargalhada, para completar a irritação daqueles que eu queria chatear. Diz:

– Ah! está certo! Faz tempo que eles deviam ter jogado esse bote no cemitério, mas a companhia aguarda que ele afunde para receber o seguro.

Aí corto a conversa com uma observação que é como um soco no estômago:

– Ainda bem que tem um bote salva-vidas para o senhor e a tripulação.

– Sim, ainda bem – responde o comandante sem pensar, sumindo logo em seguida pela escada.

Esta conversa, que eu tinha provocado deliberadamente, distraiu a minha viagem durante mais de quatro horas. Cada um queria acrescentar alguma coisa e o papo se estendeu, não sei como, até a frente do barco.

O mar, hoje, lá pelas 10 da manhã, não está agitado, mas o vento não favorece à viagem. Estamos indo em direção nordeste, isto é, contra as ondas e o vento, o que naturalmente faz balançar e jogar o barco mais que de costume. Alguns guardas e forçados estão doentes. Por sorte, aquele que está acorrentado comigo agüenta o balanço, pois não há nada mais desagradável que um sujeito vomitando perto da gente. Este rapaz é um verdadeiro moleque parisiense. Foi para os trabalhos forçados em 1927. Faz, então, sete anos que está nas ilhas. É relativamente jovem, tem 38 anos.