O plano não me agrada muito. Para poder ficar disfarçado, o revólver tem de ser uma arma muito pequena, no máximo um 6,35. Com uma coisa assim, a gente corre o risco de não intimidar suficientemente os guardas. Um deles pode reagir e seremos obrigados a matá-los. Digo não.
O desejo de ação não atormenta só a mim, mas também aos meus amigos. Com a diferença de que, em certos dias de desalento, chegam a admitir que o barco, que virá nos buscar, nos encontre ainda na prisão. Daí a se verem derrotados não vai muito. Discutem mesmo sobre quais poderão ser nossas punições por lá e quais os tratamentos que nos aguardam.
– Não posso mesmo escutar vocês, seus calhordas! Quando quiserem falar desse futuro, discutam na minha ausência, vão para um canto onde eu não esteja. A fatalidade, de que falam, só é aceitável quando a gente está impotente. Vocês estão impotentes? Tem alguém entre nós a quem cortaram os culhões? Se isso aconteceu, me avisem. Porque, seus merdas, vou lhes dizer: quando penso na fuga penso nela para todos. Quando meu cérebro estoura à força de calcular como fazer para a gente se evadir, estou pensando na evasão de todos. E não é fácil pensar numa fuga para seis homens. Porque eu, vou lhes dizer, se vejo o dia chegar sem ter feito nada, é fácil: mato um policial colombiano para ganhar tempo. E, então, terei tempo à minha frente. E, como estarei sozinho para fugir, será mais fácil.
Os colombianos preparam outro plano, que não é mal pensado. No dia da missa, domingo de manhã, a capela está sempre cheia de visitantes e de prisioneiros. No começo ouve-se a missa, todo mundo junto, e depois, terminado o ofício religioso, ficam na capela os presos que têm visita. Os colombianos me pedem para ir domingo à missa, a fim de verificar bem como a coisa se passa e poder coordenar a ação para o domingo seguinte. Eles me propõem ser o chefe da revolta. Mas eu recuso esta honra: não conheço bastante os homens que vão agir.
Respondo por quatro franceses. O bretão e o homem do ferro de engomar não querem participar da coisa. Não há problema, basta não irem à capela. Domingo, nós, os quatro que estamos no golpe, assistimos à missa. Esta capela é retangular. No fundo, o coro, no meio, de cada lado, duas portas que dão para os pátios. A porta principal dá para um posto de guarda. Ela é guarnecida com uma grade, atrás da qual se acham os guardas, uns vinte. Enfim, atrás deles, a porta para a rua. Como a capela está cheia de arrebentar, os guardas deixam a grade aberta e, durante o ofício, ficam de pé em fileira cerrada. Entre os visitantes, devem vir dois homens e armas. Estas serão trazidas por mulheres, entre suas coxas. Elas passarão as armas assim que todo mundo tenha entrado. Serão dois revólveres grandes de calibre 38 ou 45. O chefe do golpe receberá um revólver de grande calibre de uma mulher, que imediatamente se retirará. A gente deve atacar de uma só vez, ao sinal do segundo toque de sineta do menino do coro. Quanto a mim, devo meter uma faca enorme debaixo da garganta do diretor, Don Gregorio, dizendo: “Hay que dar la orden de nos dejar pasar, si no, le inalo”. (Dê ordem para nos deixarem passar, senão vou matá-lo.)
Um outro deve fazer o mesmo com o padre. Os três outros, de três ângulos diferentes, apontarão suas armas para os policiais em pé, junto à grade da entrada principal da capela. Comunicarão a ordem de abater o primeiro que não deixar cair sua arma. Os que não estiverem armados devem ser os primeiros a sair. O padre e o diretor servirão de escudos na retaguarda. Se tudo se passar normalmente, os policiais colocarão seus fuzis no chão. Os homens com os revólveres devem fazer com que eles entrem na capela. Sairemos, fechando primeiro a grade e a seguir a porta de madeira. O posto de guarda estará vazio, uma vez que todos os policiais assistem à missa obrigatoriamente em pé. Fora, a 50 metros, estará um caminhão com uma pequena escada suspensa atrás, para podermos subir mais depressa. O caminhão arrancará somente depois que o chefe da revolta tiver subido. Deve ser o último a subir. Depois de ter assistido ao desenvolvimento da missa, concordo. Tudo acontece como Fernando me descreveu.
Joseph Dega não virá à visita domingo. Ele sabe por quê. Vai preparar um táxi falso para que não precisemos ir no caminhão, e nos levará a um esconderijo, que também vai preparar. Fico muito excitado durante toda a semana e aguardo a ação com impaciência. Fernando pôde arranjar um revólver por um outro meio. É um 45 da Guarda Civil colombiana, uma arma verdadeiramente temível. Quinta-feira, uma das mulheres de Joseph veio me ver. É muito gentil e me diz que o táxi será de cor amarela, a gente não pode se enganar.
– O.K. Obrigado.
– Boa sorte.
Ela me beija amavelmente nas faces e me parece um pouco comovida”.
– Entre, entre. Que esta capela se encha para escutar a voz de Deus – diz o padre.
Clousiot está completamente preparado. Maturette tem os olhos brilhantes e o outro não se afasta de mim um passo. Muito calmo, ocupo meu lugar. Don Gregorio, o diretor, está aí, sentado numa cadeira ao lado de uma mulher grandalhona. Estou em pé, encostado na parede. À minha direita, Clousiot, à minha esquerda, os dois outros, vestidos convenientemente, para que não sejamos notados em público, se chegarmos à rua. Tenho a faca toda aberta contra meu antebraço direito. Ela está segura por um elástico grosso e coberta pela manga de minha camisa cáqui, bem abotoada no punho. É no momento da elevação, quando todo mundo baixa a cabeça, como se procurasse alguma coisa, que o menino do coro, depois de ter tilintado muito depressa sua sineta, deve fazer ouvir três toques distintos. O segundo é o nosso sinal. Cada qual sabe, então, o que deve fazer.
Primeiro toque, segundo… Eu me jogo em cima de Don Gregorio, o punhal sobre seu grosso pescoço encarquilhado. O padre grita: “Misericordia no me maten”. E, sem os ver, ouço os três outros ordenarem aos guardas para jogar os fuzis no chão. Tudo vai bem. Pego Don Gregorio pela gola de seu bonito terno e lhe digo:
– Sigue y no tengas miedo, no te haré dano. (Siga-me e não tenha medo, não lhe farei mal.)
O padre está seguro, com uma navalha no pescoço, perto de meu grupo. Fernando diz:
– Vamos, francés, vamos a Ia salida. (Vamos, francês, vamos para a saída.)
Com a alegria do triunfo, do êxito, empurro todo o meu pessoal para a porta que dá para a rua, quando estouram dois tiros de fuzil ao mesmo tempo. Fernando cai e também um dos que estão armados. Avanço, assim mesmo, 1 metro, mas os guardas se reergueram e nos barram a passagem com seus fuzis. Por sorte, entre eles e nós estão mulheres. Elas os impedem de atirar. Dois outros tiros de fuzil, seguidos por um tiro de revólver. Nosso terceiro companheiro armado acaba de ser abatido, depois de ter tempo de dar um tiro, um pouco a esmo, pois feriu uma moça. Pálido como a morte, Don Gregorio me diz:
– Me dê a faca.
Eu lhe entrego a arma. Já não adiantava continuar a luta. Em menos de trinta segundos, a situação tinha virado.
Mais de uma semana depois, soube que a revolta havia fracassado por causa de um preso de outro pátio, que assistia à missa como curioso, de fora da capela. Desde os primeiros segundos da ação, ele advertiu as sentinelas do muro de ronda. Elas saltaram desse muro de mais de 6 metros para dentro do pátio, uma de um lado da capela, a outra do outro, e, através das barras das portas laterais, atiraram primeiro em cima dos dois que, em pé, sobre um banco, ameaçavam com suas armas os policiais. O terceiro foi abatido alguns segundos depois, ao passar pelo campo de mira deles. A conseqüência foi uma bela corrida. Quanto a mim, fiquei ao lado do diretor, que gritava ordens. Dezesseis dentre nós, incluindo os quatro franceses, nos reencontramos com as barras da justiça num calabouço, postos a pão e água.
Don Gregorio recebeu a visita de Joseph. Ele me manda chamar e me explica que, para agradar a Joseph, vai me recolocar no pátio com meus camaradas. Graças a Joseph, dez dias depois da revolta estávamos de novo no pátio, inclusive os colombianos, e na mesma cela. Aí chegando, peço que concedamos a Fernando e aos seus dois amigos mortos na ação alguns minutos de lembrança. Por ocasião de uma visita, Joseph me explicou que havia feito uma subscrição e que, entre todos os cáftens, juntou 5 000 pesos, com os quais pôde convencer Don Gregorio. Esse gesto elevou os cáftens em nosso conceito.