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Um dia de manhã, chegam uns quinze homens a cavalo, todos índios, com colares à volta do pescoço, imensos chapéus de palha, cache-sexe, as coxas, as pernas e os pés nus, a bunda de fora, as costas cobertas por belas peles de carneiro. Todos com facões na cintura, dois com fuzis de cano duplo para caça, o chefe com uma carabina de repetição e uma magnífica blusa de couro negro, além de um cinturão cheio de balas. Os cavalos são excelentes, pequenos, mas muito fortes, todos cinzentos. Na garupa, cada um deles traz plantas secas. Desde quando ainda estavam longe, anunciaram a chegada com tiros de fuzil; porém vinham galopando tão depressa, que logo chegaram até nós. O chefe dos recém-chegados é estranhamente parecido com Zato e seu irmão, embora mais velho. Descendo de seu puro-sangue, ele se dirige a Zato e os dois se tocam nos ombros. Entra sozinho na casa e volta com a índia atrás dele e o bebê em seus braços. Ergue-o e apresenta-o a todos. Depois faz o mesmo gesto que Zato fizera: volta-o para o oriente, onde o sol nasce, coloca-o atravessado no peito, com a cabeça debaixo do braço esquerdo, e torna a entrar na casa. Então, todos os cavaleiros desmontam, prendem os cavalos um pouco afastados, com as plantas em fardos pendurados no pescoço de cada um. Por volta de meio-dia chegam as índias, numa charrete enorme puxada por quatro cavalos, guiada por Zorrillo. Na charrete estão pelo menos vinte índias, todas jovens, e sete ou oito crianças, todas do sexo feminino.

Antes da chegada de Zorrillo, eu tinha sido apresentado a todos os cavaleiros, a começar pelo chefe. Zato me chama a atenção para o fato de que o dedo menor de seu pé esquerdo é torto e fica por cima do outro. Com seu irmão e com o chefe que acabara de chegar é a mesma coisa. Depois, mostra-me que no braço de cada um dos três está uma idêntica mancha negra, uma espécie de sinal de distinção. Compreendo que o recém-chegado é seu pai. As tatuagens de Zato são muito admiradas por todos, sobretudo a da cabeça de tigre. Todas as índias que acabam de chegar têm desenhos coloridos no corpo e no rosto. Lali coloca, no pescoço de algumas, colares d pedaços de coral e, no pescoço de outras, colares de conchas. Noto uma índia admirável, mais alta do que as outras, que são de estatura média. Tem um perfil de italiana, parece uma figura de camafeu. Os cabelos dela são negro-violeta, os olhos são completamente verde-jade, imensos, com cílios longos e sobrancelhas bem arqueadas. Os cabelos estão cortados à maneira índia, repartidos ao meio, com franja, caídos à esquerda e à direita, cobrindo as orelhas. As pontas estão cortadas à altura da metade do pescoço. Os seios de mármore são próximos no tronco e se abrem harmoniosamente.

Lali me apresenta a ela e leva-a à nossa casa com Zoraima e uma outra índia muito jovem, que traz umas canecas e uma espécie de pincéis. De fato, as visitantes vão pintar as índias da aldeia. Vejo a índia bonita pintar obras-primas em Lali e Zoraima. Os pincéis são feitos com pedacinhos de lã atados em varetas. Ela os molha em tintas de cores diferentes, para desenhar. Então pego o meu pincel e, começando pelo umbigo de Lali, desenho uma planta com dois galhos, cada um dos quais vai até a base de um dos seios; depois pinto pétalas cor-de-rosa e o bico do seio em amarelo. Dir-se-ia uma flor semi-aberta, com seu pistilo. As três outras querem que eu lhes faça a mesma coisa. Preciso perguntar a Zorrillo. Ele me diz que posso pintá-las como quiser, desde que elas estejam de acordo. Vocês podem imaginar o que fiz. Durante mais de duas horas, pintei os seios das jovens índias, tanto das visitantes como das outras. Zoraima exigiu uma pintura exatamente igual à de Lali. Enquanto isso, os índios assavam os carneiros e duas tartarugas. A carne delas é vermelha e bonita, parece carne de vaca.

Sento-me perto de Zato e do pai dele, na tenda. Os homens comem de um lado, as mulheres do outro, exceto as que nos servem. A festa termina com uma espécie de dança, noite alta. Para a música, há um índio que toca uma flauta de madeira de som rude e bate em dois tambores de pele de carneiro. Muitos índios, homens e mulheres, estão bêbados, porém não há nenhum incidente desagradável. O feiticeiro veio, montado num burrico. Todos olham a cicatriz cor-de-rosa que ficou no lugar da ferida, aquela ferida que todos conheciam: ficam espantados de vê-la fechada. Só Zorrillo e eu sabemos como foi a coisa. Zorrillo me explica que o chefe que veio à nossa aldeia é o Pai de Zato e se chama Justo: é ele quem ajuda as controvérsias surgidas entre as pessoas de sua tribo e entre as diversas tribos de guajiros. Zorrillo me diz também que, quando há incidentes com outra raça de índios, os lapus, eles se reúnem para discutir e ver se fazem a guerra ou resolvem amigavelmente as coisas. Quando um índio é assassinado por outro índio de outra tribo, faz-se um acordo segundo o qual, para evitar a guerra, o assassino pague pelo morto à tribo deste. O preço às vezes chega a duzentas cabeças de gado, pois, nas montanhas e ao pé delas, todas as tribos tem muitas vacas e muitos bois. Infelizmente, os índios nunca vacinam o gado contra a febre aftosa e as epidemias matam grande quantidade de animais. Em certo sentido – diz Zorrillo -, isso é bom, pois sem essas epidemias haveria gado demais. Esse gado não pode ser oficialmente vendido nem na Colômbia nem na Venezuela: deve ficar sempre em território indígena, pois as autoridades têm medo de que ele leve a febre aftosa para outras regiões de ambos os países. Zorrillo me informa, entretanto, que há muito contrabando de gado pelas montanhas.

O chefe visitante – Justo – me diz através de Zorrillo que eu vá vê-lo em sua aldeia, onde, segundo parece, há mais de cem cabanas. Diz que venha com Lali e Zoraima, que ele nos instalará numa cabana, e que eu não leve coisa nenhuma, pois lá terei tudo de que precisarmos. Diz que eu leve apenas o meu material de tatuagem para fazer nele, também, um tigre. Tira sua pulseira de couro preto e me dá. Segundo Zorrillo, esse é um gesto importante que significa que ele é meu amigo e não será capaz de recusar a satisfação de qualquer desejo meu. Pergunta-me se eu quero um cavalo, respondo-lhe que quero mas não posso aceitar, pois aqui quase não existe capim para alimentá-lo. Diz que Lali ou Zoraima, quando for necessário, podem ir com o cavalo a uma distância de meio dia deste lugar, onde existe capim alto e bom. Aceito o cavalo e ele diz que logo o mandará para mim.

Aproveito esta longa visita de Zorrillo para dizer-lhe que confio nele, que espero que ele não me traia, falando sobre a minha idéia de ir para a Venezuela ou para a Colômbia. Ele me descreve os perigos dos primeiros 30 quilômetros de um lado e do outro das fronteiras. Pelas informações dos contrabandistas, o lado venezuelano é mais perigoso que o colombiano. Entretanto, ele próprio poderia ir comigo, no lado colombiano, até perto de Santa Marta, acrescentando que já fizera essa caminhada e que a Colômbia era realmente a melhor solução. Está de acordo com a minha idéia de comprar outro dicionário, ou melhor, livros que ensinam espanhol e nos quais eu aprenderia frases usuais. Segundo ele, se eu aprendesse a gaguejar bastante, seria uma grande vantagem para mim, pois as pessoas que me escutassem se impacientariam e acabariam as minhas frases, sem prestar muita atenção na pronúncia e no sotaque. Fica resolvido que ele me trará os livros, um mapa (o mais preciso que for possível) e se encarregará de vender as minhas pérolas quando chegar a ocasião e arranjar dinheiro colombiano. Zorrillo me explica que os índios, a começar pelo chefe, só podem me apoiar na minha decisão de partir,, já que a partida é o que eu desejo. Lamentarão que eu vá embora, mas compreenderão que é normal eu querer voltar para junto dos meus. O difícil vai ser com Zoraima e, sobretudo, com Lali. Qualquer uma das duas, mas especialmente Lali, é muito capaz de me derrubar com um tiro de fuzil. Outra coisa: Zorrillo me faz notar algo que eu não sabia, isto é, que Zoraima está grávida. Não tinha percebido. Estou espantado.