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Descem todos e um deles, o menor, com uma cara de padre, muito escanhoada, nos diz:

– Sou o chefe de segurança da ilha de Curaçau. Pela minha própria obrigação, vejo-me constrangido a prendê-los. Vocês cometeram algum delito depois da sua chegada à ilha? Qual delito? E qual de vocês?

– Meu senhor, nós somos sentenciados evadidos. Viemos de Trinidad e faz poucas horas que o nosso barco se arrebentou contra os rochedos da ilha. Sou o chefe deste pequeno grupo e posso afirmar que nenhum de nós cometeu o menor delito.

O comissário vira-se para o Dr. Naal e lhe fala em holandês.

Enquanto discutem, chega um sujeito de bicicleta. Fala alto e depressa, dirigindo-se tanto ao Dr. Naal quanto ao comissário.

– Sr. Naal, por que disse a esse senhor que nós éramos ladrões?

– Por que este homem que chegou agora me avisou, antes que eu me encontrasse com vocês, que, escondido atrás de um cacto, ele os vira entrar e sair da sua casa. Este homem é um empregado meu que trata de uma parte dos burros.

– Então, só porque entramos na casa, somos ladrões? O senhor está dizendo uma bobagem, nós só bebemos água. Acha que isso é roubo?

– E a bolsa de florins?

– A bolsa eu abri, é verdade, e até quebrei o cordão. Mas não fiz nada senão espiar que espécie de dinheiro era, para saber em que país tínhamos chegado. Tornei a colocar escrupulosamente o dinheiro e a bolsa onde eles estavam, sobre a beirada do fogão.

O comissário me encara fixamente nos olhos e, voltando-se bruscamente para o homem da bicicleta, fala duro com ele. O Dr. Naal faz um gesto e quer falar. Secamente, à moda alemã, o comissário não o deixa intervir. O comissário faz subir o homem da bicicleta ao lado do motorista do seu carro, sobe atrás, acompanhado de dois policiais, e vai embora.

– Devo explicar a vocês – diz ele – que esse homem me disse que a bolsa havia desaparecido. Antes de mandar revistá-los, o comissário interrogou o homem, suspeitando de que ele mentia. Se vocês são inocentes, lamento muito o incidente, mas não tenho culpa.

Em cerca de um quarto de hora o carro está de volta e o comissário me diz:

– Você disse a verdade, esse homem é um infame mentiroso. Ele será punido por tentar prejudicar vocês gravemente.

Enquanto isso, o sujeito é embarcado na “viúva alegre”, meus cinco companheiros também sobem e eu vou embarcar também, mas o comissário me segura, dizendo:

– Venha no meu carro, ao lado do chofer.

Partimos à frente da camioneta e logo a perdemos de vista. Seguimos por estradas muito bem asfaltadas e penetramos na cidade, cujas casas são de estilo holandês. Tudo é muito limpo e toda a gente anda de bicicleta. Centenas de pessoas sobre duas rodas, assim, vão e vêm pela cidade. Entramos na Central de Polícia. Atravessando uma grande sala, onde vários oficiais da polícia, todos vestidos de branco, tem as suas escrivaninhas, entramos noutra sala, com ar condicionado. Aí, a temperatura é bem fresca. Um homem alto e forte, louro, de seus quarenta anos, está sentado numa poltrona. Levanta-se e fala em holandês. Terminados os cumprimentos, o comissário diz, em francês:

– Apresento-lhe o primeiro-comandante da polícia de Curaçau. Senhor comandante, este homem é um francês, chefe do grupo de seis homens que detivemos.

– Muito bem, comissário.

E, dirigindo-se a mim:

– Seja bem-vindo a Curaçau, em sua qualidade de náufrago. Qual é seu nome?

– Henri.

– Pois bem, Henri, você passou um mau quarto de hora por causa do incidente da bolsa, mas esse incidente também foi favorável para você, porque demonstrou que é mesmo honesto. Vou mandar pôr à sua disposição uma sala bem iluminada, com beliches, para que vocês descansem. O seu caso será submetido ao governador, que tomará as providências necessárias. Tanto o comissário quanto eu faremos todo o possível para ajudar vocês.

Apertou-me a mão e saímos. No pátio, o Dr. Naal pede desculpas pelo acontecido e promete interessar-se pelo nosso caso. Duas horas depois, estamos todos trancados numa sala muito grande, retangular, com umas doze camas, uma mesa comprida com bancos no centro. Com os dólares de Trinidad, pedimos a um guarda, pela janela gradeada, que nos compre fumo, papel e fósforos. Ele não apanha o nosso dinheiro.

– Esse negro de ébano – diz Clousiot – está com cara de cumpridor fanático do regulamento. Parece que não vamos ter esse fumo tão cedo.

Passo então a bater na porta, que se abre no mesmo momento. Um homenzinho, com aparência de coolie, com uma roupa cinzenta típica de preso e ainda por cima um número no peito, para que ninguém se engane, diz para mim:

– Dinheiro, cigarros.

– Não. Tabaco, fósforos e papel.

Ele volta dentro de poucos minutos, com tudo o que pedimos e mais um bule fumegante de chocolate. Nós todos bebemos, em grandes vasilhas trazidas pelo prisioneiro.

À tarde, eles vêm me procurar. Volto à sala do comandante.

– O governador me deu ordem de deixar vocês livres no pátio da cadeia. Diga aos seus companheiros que não procurem fugir, pois as conseqüências seriam graves para todos nós. Você, como chefe do grupo, pode ir à cidade todos os dias de manhã, das 10 ao meio-dia, e todas as tardes, das 3 às 5. Você tem dinheiro?

– Sim. Moeda inglesa e francesa.

– Um policial à paisana acompanhará você aonde queira ir, durante as suas saídas.

– Que vão fazer com a gente?

– Pelo que me parece, vamos procurar embarcá-los, um de cada vez, nos petroleiros de várias nações. Como Curaçau tem uma das maiores refinarias do mundo, que processa o petróleo da Venezuela, entram e saem por dia uns vinte a 25 petroleiros de todos os países. Seria a solução ideal para vocês, porque chegariam em outros países sem problema algum.

– Que outros países, por exemplo? Panamá, Costa Rica, Guatemala, Nicarágua, México, Canadá, Cuba, Estados Unidos e os países de lei inglesa?

– Impossível. A Europa também é impossível. Fiquem tranqüilos, tenham confiança, deixem-nos trabalhar para ajudá-los a pôr o pé no estribo, no caminho de uma vida nova.

– Obrigado, comandante.

Conto tudo fielmente aos meus companheiros. Clousiot, o mais desconfiado do bando, pergunta:

– Qual é a sua opinião, Papillon?

– Não sei ainda. Acredito que estão nos levando na conversa, para ficarmos quietos e não fugirmos,

– Pois olhe – diz ele -, acho que você tem razão.

Já o bretão acredita naquele plano maravilhoso. O sujeito do ferro de engomar demonstra também seu júbilo, dizendo:

– Acabaram-se as canoas e as aventuras, agora estamos garantidos. Chegaremos a um país qualquer num grande petroleiro e ficaremos oficialmente lá; acabou tudo.

Leroux tem a mesma opinião.

– E você, Maturette?

E o menino de dezenove anos, esse pequeno-burguês acidentalmente transformado em presidiário, esse garoto de traços mais finos que uma mulher, diz, com sua voz suave:

– E vocês acreditam que esses policiais de cabeças quadradas vão fabricar para cada um de nós carteiras de identidade duvidosas ou falsas? Eu, não. O mais que podem fazer é fechar os olhos para que a gente, clandestinamente, embarque um por um num petroleiro de partida, e nada mais. Aliás, eles fariam isso para se livrar de nós sem dor de cabeça. Esta é a minha opinião. Não acredito na história.

Saio poucas vezes, de manhã, para fazer algumas compras. Já estamos aqui há uma semana e nada de novo aconteceu. Estamos ficando nervosos. Certa tarde, aparecem três padres, acompanhados de policiais, visitando uma por uma todas as salas e todas as ceias. Ficam muito tempo na cela mais próxima de nós, onde está um negro acusado de estupro. Supondo que eles virão nos ver, entramos todos em nossa sala e nos sentamos nas camas. De fato, chegam os três padres, acompanhados pelo Dr. Naal, pelo comandante da polícia e por um sujeito cheio de galões e vestido de branco, que deve ser oficial de marinha.