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O barco foi pintado de novo e acrescentaram uma borda de 10 centímetros de altura. A quilha foi reforçada. Nenhuma parte do cavername sofreu com a viagem, o barco está intato. O mastro foi trocado por outro mais alto, porém mais leve; a bujarrona e o traquete, feitos de sacos de farinha, por outras velas de bom pano cor de ocre. Na capitania, um capitão-de-mar-e-guerra me entregou uma bússola com rosa-dos-ventos (que eles chamam de compasso) e me explicou de que maneira, ajudado pelo mapa, posso saber aproximadamente a minha posição. A rota já está traçada, “oeste um quarto norte”, para chegar a Curaçau.

O capitão-de-mar-e-guerra me apresenta a um oficial de marinha, comandante do navio-escola Tarpon, que me pede o favor de sair para o mar lá pelas 8 horas da manhã seguinte e navegar um pouco fora do porto. Não compreendo por que, mas assim mesmo prometo fazer o que ele pede. No dia seguinte, estou na capitania na hora combinada, com Maturette. Um marinheiro sobe conosco e saímos do porto com bom vento. Duas horas depois, enquanto estamos bordejando para dentro e para fora do porto, chega um navio de guerra e se aproxima de nós. No convés, alinhados, estão os oficiais e os marinheiros, todos de branco. Passam perto e dão a volta em torno do nosso barco, gritando “Hurra!”, e abaixam duas vezes a bandeira. É uma saudação oficial, cujo significado não entendo. Voltamos para a capitania, onde o navio de guerra já está atracado. Também amarram nosso barco no cais. Um marinheiro nos faz sinal para segui-lo e subimos a bordo, onde o comandante nos recebe no alto da escada. Um apito modulado saúda nossa chegada e, após nos haver apresentado aos oficiais, ele nos faz passar diante dos alunos e dos suboficiais, alinhados em posição de sentido. O comandante pronuncia algumas palavras em inglês e, a seguir, ordena o “fora de forma”. Um jovem oficial me explica que o comandante acaba de dizer aos alunos quanto merecemos o respeito dos marinheiros por havermos feito, nessa pequena embarcação, uma viagem tão longa, e que íamos fazer outra ainda maior e mais perigosa. Agradecemos ao oficial por tanta honra. Ele nos presenteia com três capotes de oleado, que nos serão muito úteis mais tarde. São impermeáveis pretos, com um grosso fecho francês e o respectivo capuz.

Dois dias antes da partida, o Dr. Bowen nos procura para nos pedir, por parte do superintendente da polícia, que levemos conosco três degredados que chegaram aqui faz uma semana. Foram desembarcados na ilha e seus companheiros voltaram para a Venezuela, segundo dizem. Não estou gostando disso, mas fomos tratados com demasiada nobreza para podermos recusar receber esses três homens a bordo. Peço para falar com eles antes de dar minha resposta. Um carro da polícia vem me buscar. Sou levado para falar com o superintendente, o oficial cheio de galões que nos interrogou quando da nossa chegada. O sargento Willy serve de intérprete.

– Como vai o senhor?

– Bem, obrigado. Estamos precisando que vocês nos prestem um serviço.

– Se for possível, com muito prazer.

– Temos, na cadeia, três franceses degredados. Eles vêm vivendo clandestinamente há algumas semanas na ilha e alegam que seus companheiros os desembarcaram e foram embora. Achamos que afundaram o barco, mas eles dizem que nem sabem dirigir uma embarcação. Talvez seja uma manobra para que lhes forneçamos um barco. Precisamos mandá-los embora: seria lamentável, se eu me visse obrigado a entregá-los ao comissário do primeiro navio francês de passagem.

– Senhor superintendente, vou fazer o impossível para atendê-lo, mas antes quero falar com eles. O senhor deve compreender que é perigoso acolher a bordo três desconhecidos.

– Compreendo. Willy, dê ordem para os três franceses saírem ao pátio.

Quero conversar sozinho com eles e peço ao sargento que se retire.

– Vocês são degredados?

– Não, somos “duros” (forçados).

– Por que disseram que eram degredados?

– A gente pensava que eles preferem um homem que cometeu alguns pequenos delitos do que um cara que cometeu algum crime muito grave. Vê-se que estávamos enganados. E você, quem é?

– Um “duro”.

– Não te conhecemos.

– Eu sou do último comboio; e vocês?

– Do comboio de 1929.

– E eu de 27 – diz o terceiro.

– O negócio é o seguinte: o superintendente me chamou para me pedir que levássemos vocês a bordo, onde já somos três. Ele diz que, se eu não aceitar, como nenhum de vocês sabe manejar um barco, ele será obrigado a entregá-los ao primeiro navio francês que passar. Que é que vocês acham?

– Por motivos que são só da nossa conta, não queremos voltar para o mar. Poderíamos fingir que partimos com vocês, você nos deixa na ponta da ilha e continua a sua fuga.

– Não posso fazer isso.

– Por quê?

– Porque não quero pagar com uma sujeira as atenções que tiveram conosco.

– Mas eu acho, companheiro, que, antes dos rosbifes, você deve ajudar os duros.

– Por quê?

– Porque você também é um duro.

– Sim, mas há tantas espécies de duros, que talvez haja mais diferença entre mim e vocês do que entre mim e os rosbifes, depende do ponto de vista.

– Então você vai deixar que nos entreguem às autoridades francesas?

– Não, mas também não vou desembarcar vocês antes de Curaçau.

– Não tenho coragem de recomeçar – diz um deles.

– Escutem, vejam primeiro o meu barco. Talvez aquele com que vocês vieram fosse ruim.

– Bem, vamos experimentar – dizem os dois outros.

– Muito bem. Vou pedir ao superintendente licença para vocês verem o barco.

Acompanhados pelo sargento Willy, vamos para o porto. Os três sujeitos parecem ter mais confiança depois que vêem o barco.

NOVA PARTIDA

Partimos dois dias depois, nós três e mais os três desconhecidos. Não sei como souberam da notícia, mas uma dúzia das mulheres dos bares assistem à partida, bem como a família Bowen e o capitão do Exército da Salvação. Como uma das mulheres me abraça, Margaret me diz, rindo:

– Henri, como você ficou noivo tão depressa? Isso não está direito!

– Até logo para todos. Não, adeus! Mas fiquem sabendo que vocês deixaram em nossos corações uma marca tão grande, que nunca se apagará.

E às 4 horas da tarde partimos, puxados por um rebocador. Fomos muito rápidos ao sair da barra, não deixando de enxugar uma lágrima e de olhar até o último momento o grupo que veio nos dizer adeus e que agita grandes lenços brancos. Logo que é desamarrado o cabo que nos liga ao rebocador, todas as velas se inflam e enfrentamos as primeiras dos milhões de ondas que teremos de furar antes de chegar ao destino.

Há duas facas a bordo, uma comigo, outra com Maturette.

O machado está perto de Clousiot, bem como o facão. Temos certeza de que nenhum dos outros está armado, mas combinamos que nunca nós três vamos dormir ao mesmo tempo durante a viagem. Ao pôr do sol, o navio-escola nos acompanha perto de meia hora, saúda-nos e vai embora.

– Como é que você se chama?

– Leblond.

– Que comboio?

– Vinte e sete.

– Qual é a pena?

– Vinte anos.

– E você?

– Kergueret. Comboio 29, quinze anos, sou bretão.

– Você é bretão e não sabe dirigir um barco?

– Não.

– Eu me chamo Dufils e sou de Angers. Peguei a perpétua por causa de uma palavra cretina que eu disse no tribunal, do contrário teria tido dez anos no máximo. Comboio 29.

– Que palavra foi essa?

– Vou explicar. Matei minha mulher com o ferro de passar roupa. Durante os debates, um jurado me perguntou por que tinha usado um ferro de passar roupa para matar. Não sei por que, respondi que a tinha matado com um ferro de passar roupa porque ela estava desrespeitando o vinco das minhas calças. E foi por causa dessa frase idiota que eles me salgaram tanto, disse o meu advogado.