Com a nova clientela, aconteceu o que tinha de acontecer. A gente chamava uma das moças de “Flor de Canela”. Efetivamente, sua pele tinha a cor da canela. Essa nova boneca, que tirei dos antros de Georgetown, deixava os clientes completamente loucos com seu modo de se despir.
Quando era sua vez de entrar, trazíamos um canapé de cetim branco para o palco e não apenas ela se punha em pelo com uma ciência perversa pouco comum, mas também, depois de ficar nua como um verme, deitava-se no canapé e acariciava a si mesma. Seus longos dedos afilados deslizavam por toda a carne nua, brincando com o próprio corpo, dos cabelos às pontas dos pés. Nenhuma parte escapava às suas apalpadelas. Inútil dizer qual era a reação desses homens, frustrados pela mata e cheios de álcool.
Como era muito interesseira, ela exigira que, para participar de sua loteria, os jogadores deveriam pagar o preço de duas garrafas de champanha e não só de uma, como faziam para as outras. Depois de jogar inutilmente várias vezes, tentando a sorte e se esforçando por ganhar Flor de Canela, um mineiro atarracado, portador de uma barba negra bem espessa, não encontrou outro jeito, quando minha hindu passou vendendo os números do último strip de Flor de Canela, senão o de comprar os trinta números da sala. Só restaram, portanto, os dois números do bar.
Certo de ganhar, depois de ter pago as sessenta garrafas de champanha, o barbudo esperava, confiante, o desnudamento de Flor de Canela e a extração da loteria. Flor de Canela estava muito excitada, por ter bebido muito nessa noite. Eram 4 horas da manhã quando começou sua última apresentação. Com a ajuda do álcool, ela foi mais sensual do que nunca e seus gestos ainda mais ousados do que de costume. Rrrrran! Fizemos girar a roleta, que, com seu pequeno indicador de chifre, vai mostrar o ganhador.
O barbudo baba de excitação, depois de ter visto a exibição da boneca Flor de Canela. Espera, está certo de que ela vai lhe ser servida, em pêlo, sobre o prato prateado, coberta com o famoso leque de plumas e, entre suas magníficas coxas, as duas garrafas de champanha. Catástrofe! O cara dos trinta números perde. É o 31 que ganha; é o bar, portanto. Primeiro, ele não entende bem a tragédia e só percebe completamente quando vê a artista ser erguida e colocada no balcão. Então, o barbudo fica louco, derruba a mesa que está à sua frente e em dois saltos está no bar. Sacar o revólver e dar três tiros na moça foi coisa que não durou três segundos.
Flor de Canela morreu em meus braços. Eu a pegara depois de pôr aquele animal a dormir com um golpe de cassetete da polícia americana, que trago sempre comigo. Por estar repreendendo uma garçonete, por causa da sua bandeja, me atrasei na minha intervenção, o que deu tempo para o animal cometer a loucura. Resultado: a polícia fechou a Cabana de Bambu e voltamos para Georgetown.
Eis-nos de novo em nossa casa. Indara, como uma verdadeira hindu, fatalista, não muda de caráter. Para ela, essa ruína não tem nenhuma importância. A gente faz outra coisa, é tudo. Os chineses, do mesmo jeito. Nada muda em nosso harmonioso grupo. Nem uma reprovação por minha idéia barroca de tirar as moças na sorte, idéia que, no entanto, foi a causa do nosso fracasso. Com nossas economias, depois de ter pago escrupulosamente todas as nossas dívidas e dar uma soma em dinheiro à mãe de Flor de Canela, não ficamos de mau humor. Todas as noites, vamos ao bar onde os forçados se reúnem. Passamos noites encantadoras, mas Georgetown, por causa das restrições da guerra, começa a me cansar. Quanto ao mais, minha princesa nunca foi ciumenta e eu sempre tive toda liberdade. Mas, agora, ela não me larga um só instante e fica horas sentada a meu lado, em qualquer lugar onde eu esteja.
As probabilidades de comerciar em Georgetown se complicam. Assim, um belo dia, sinto vontade de partir da Guiana Inglesa para outro país. Não é nada arriscado, há a guerra. Nenhum país nos devolverá, pelo menos é o que suponho.
Guittou está de acordo. Ele também acha que devem existir países melhores e mais fáceis de se viver do que a Guiana Inglesa. Começamos a preparar uma fuga. De fato, sair da Guiana Inglesa é um delito muito grave. Estamos em tempo de guerra e nenhum de nós tem passaporte.
Chapar, que se evadiu de Caiena depois de ser desinternado, está aqui há três meses. Trabalha, por 1 dólar e 50 por dia, fazendo doces numa confeitaria chinesa. Ele também quer ir embora de Georgetown. Um forçado de Dijon, Deplanque, e um bordelês também são candidatos à fuga. Cuic e o maneta preferem ficar. Sentem-se bem aqui.
Como a saída do Demerara é extremamente vigiada e está sob o fogo dos ninhos de metralhadoras, dos lança-torpedos e de canhões, copiaremos exatamente um barco de pesca inscrito em Georgetown e sairemos, fazendo-nos passar por ele. Eu me recrimino por não ter reconhecimento para com Indara e não corresponder como deveria ao seu amor total. Mas não posso fazer nada, ela se gruda tanto a mim, que isso me irrita; agora, ela me enerva. Os seres simples, claros e sem inibições em seus desejos, não esperam que a pessoa que amam os solicite para fazer amor. Essa hindu reage exatamente como as irmãs índias de Guajira. No momento em que sentem vontade de se expandir, oferecem-se e, se a gente não as toma, a ofensa é muito grave. Uma dor verdadeira e tenaz germina no mais profundo de meu eu e isso me irrita, pois, mais do que às irmãs índias, não quero fazer Indara sofrer e tenho que me esforçar para que ela goze o mais possível em meus braços.
Ontem, assisti à coisa mais linda que se pode ver, do ponto de vista mímico, como expressão do que a gente sente. Na Guiana Inglesa existe uma espécie de escravatura moderna. Os javaneses vêm trabalhar nas plantações de algodão, de cana-de-açúcar ou de cacau com contratos de cinco e dez anos. O marido e a mulher são obrigados a sair todos os dias para o trabalho, a menos que estejam doentes. Quando o médico não os considera doentes, eles têm que dar um mês de trabalho suplementar ao fim do contrato. E outros meses se acrescentam, ainda, por delitos menores. Como todos são jogadores, endividam-se até o pescoço na plantação e, para pagar seus credores, assinam, para receber um prêmio, um prolongamento de um ou vários anos.
Praticamente, não saem mais. Para eles, que são capazes de apostar suas mulheres e cumprir escrupulosamente a palavra, uma só coisa é sagrada: os filhos. Fazem tudo para mantê-los frees (livres). Passam as maiores dificuldades e privações, mas muito raramente um de seus filhos assina um contrato com a plantação.
Pois bem, hoje é o casamento de uma moça hindu. Todo mundo está vestido com mantos compridos: as mulheres de voal branco e os homens com túnicas brancas que descem até os pés. Muitas flores de laranjeira. A cena, depois de várias cerimônias religiosas, desenrola-se no momento em que o noivo vai levar sua mulher. Os convidados ficam à esquerda e à direita da porta da casa. De um lado, mulheres; do outro, homens. Sentados na soleira da porta aberta, o pai e a mãe. Os noivos beijam seus parentes e passam entre as duas fileiras, que têm alguns metros de comprimento. De repente, a noiva escapa do braço do marido e corre para sua mãe. A mamãe tapa os olhos com uma das mãos e com a outra manda-a de volta ao marido.
Este estende os braços e chama, ela faz gestos com os quais demonstra que não sabe o que fazer. Sua mãe deu-lhe a vida e, muito bem, ela representa uma criança saindo do ventre de sua mãe. Depois, a mãe lhe deu o seio. Ela vai esquecer isso tudo para seguir o homem que ama? Talvez, mas não seja apressado, diz ela com gestos, espere mais um pouco, deixe-me contemplar ainda estes pais tão bons que, até eu encontrar você, foram a razão de minha vida.
Então, ele também faz mímica, com a qual faz compreender que a vida exige que ela seja, também, esposa e mãe. Tudo isso ao som de cantos de jovens e rapazes que lhes respondem. Por fim, depois de ter escapado mais uma vez dos braços do marido, é ela própria quem dá alguns passos, correndo, salta nos braços do marido, que a leva bem depressa para a carroça, com guirlandas de flores, que os espera.