– É o sujeito da borboleta na qual você colou asas – diz o comissário. – Graças a esse estratagema, vendeu-a por 500 dólares.
Duas horas depois, Cuic e Indara lá estão com um advogado. Ele fala muito bem o francês. Explico-lhe que nada sei de borboletas, que não sou caçador, nem colecionador. Vendo as caixas para ajudar os caçadores, que são meus clientes, que foi o americano que ofereceu 500 dólares, não eu que os pedi, e que, aliás, ele a examinara para ter certeza de que ela era o que pensava, que o ladrão, então, era ele, pois nesse caso a borboleta valeria cerca de 2 000 dólares.
Dois dias depois, passo ao tribunal. O advogado me serve também de intérprete. Repito minha tese. Em seu favor, o advogado tem um catálogo com preços de borboletas. Um espécime parecido está cotado no livro a acima de 1 500 dólares. O americano é duramente criticado pelo tribunal. Terá, ainda por cima, que pagar os honorários do meu advogado, mais 200 dólares.
Todos os duros e hindus estão reunidos, festejamos a libertação com pastis feito em casa. Toda a família de Indara foi ao tribunal, estão orgulhosos de ter na família – depois da absolvição – um super-homem. Pois eles não eram patetas, e duvidavam muito de que eu não tivesse colado as asas.
Pronto, fomos obrigados a vender o restaurante, isso devia acontecer. Indara e Daya eram bonitas demais e aquela espécie de strip-tease delas, sempre apenas esboçado sem jamais continuar, desvairava ainda mais aqueles marinheiros sanguíneos do que se fosse um desnudamento integral. Tendo reparado que, quanto mais colocavam suas maminhas embaixo do nariz dos marujos, mais recebiam de gorjeta, bem inclinadas sobre a mesa, nunca acabavam de fazer a conta ou encontrar o troco certo. Depois desse tempo de exposição bem calculado, endireitavam-se e diziam: “E a minha gorjeta?” – “Ah!” Os pobres caras eram generosos e aqueles amorosos acesos, sem jamais serem apagados, não sabiam bem onde estavam com a cabeça.
Um dia, aconteceu o que eu previa. Um enorme diabo de um ruivo cheio de sardas não se contentou em ver apenas a coxa inteira descoberta: a uma aparição fugaz da calcinha, ergueu a mão e seus dedos de bruto, mantendo a minha javanesa presa como que a um torno. Como ela estava com um jarro de vidro na mão, não levou muito tempo para quebrá-lo na cabeça dele. Com o golpe, ele larga a calça e desaba. Corro para erguê-lo. Os amigos dele pensam que eu vou espancá-lo e, antes que eu diga ui, recebo um soco magistral em pleno olho. Talvez o marinheiro-boxeador tenha mesmo querido defender seu chapa. Ou queria surrar o marido da linda hindu, responsável pelo que não podia acontecer com ela? Sabe-se lá! De qualquer modo, meu olho recebe o direto bem em cheio. Ele conta muito depressa com sua vitória, pois se coloca em guarda de boxe diante de mim e grita: Boxe, boxe, man! Com um pontapé nas partes, seguido por uma cabeçada à Papillon, o boxeador se estende ao comprido.
A balbúrdia se torna geral. O maneta sai da cozinha em meu socorro e distribui golpes de bastão, usando o porrete que serve para fazer macarrão especial. Cuic chega com um longo garfo nos dentes e mergulha na confusão. Um vagabundo parisiense, aposentado dos bailes de gaita da Rua da Lappe, serve-se de uma cadeira como clava. Achando-se certamente desprotegida pela perda de sua calcinha, Indara se retira da batalha.
Conclusão: cinco americanos seriamente feridos na cabeça, outros com dois furos do garfo de Cuic em várias partes do corpo. Há sangue por todo lado. Um policial negro coloca-se à porta, para que ninguém saia. Felizmente, pois chega um jipe da polícia militar. Polainas brancas e bastão erguido, eles querem entrar à força e, vendo todos os seus marinheiros cheios de sangue, certamente têm intenção de vingá-los. O policial negro os repele, depois coloca o braço e o bastão atravessados na porta e diz: “Her Majesty Police” (Polícia de Sua Majestade).
Só quando chegam os policiais ingleses é que nos deixam sair e subir no tintureiro. Somos levados ao comissariado. Além de mim, que tenho o olho preto, nenhum de nós está ferido, o que faz com que não queiram acreditar em nossa legítima defesa.
Oito dias depois, no tribunal, o presidente aceita nossa tese e nos põe em liberdade, salvo Cuic, que pega três meses por pancadas e ferimentos. Era difícil encontrar uma explicação para os múltiplos furos duplos distribuídos em profusão por Cuic.
Como, para completar, em menos de quinze dias ele tivera seis encrencas, não podíamos mais apoiá-lo. Os marinheiros decidiram não considerar essa briga como terminada e, como há gente que vem todo dia com novidades, como saber se são amigos ou inimigos?
Portanto, vendemos o restaurante, pelo mesmo preço que havíamos pago. É verdade que, com a má fama que tinha adquirido, não havia fila de compradores.
– Que vamos fazer, maneta?
– Enquanto esperamos que Cuic saia, vamos descansar. Não podemos recuperar a carroça e o asno, porque os vendemos junto com a clientela. O melhor é não fazer nada, descansar. Depois, a gente vê.
Cuic saiu. Diz que foi bem tratado: “O único aborrecimento”, conta, “foi que fiquei perto de dois condenados à morte”. Ora, os ingleses têm um hábito sujo: avisam ao condenado, 45 dias antes da execução, que ele vai ser enforcado, numa corda bem alta e curta, a tal dia e tal hora, porque a rainha recusou sua graça. “Então”, conta Cuic, “todas as manhãs os condenados gritam um para o outro: ‘Um dia a menos, Johnny, só restam tantos dias!’ E o outro não parava de insultar seu cúmplice o dia inteiro.” Fora isso, Cuic estava tranqüilo e com boa aparência.
Pascal Fosco desceu das minas de bauxita. É um dos homens que haviam tentado um ataque a mão armada contra o correio de Marselha. Seu cúmplice foi guilhotinado. Pascal é o melhor de todos nós. Bom mecânico, não ganha mais do que 4 dólares por dia; mas, mesmo com isso, sempre arranja um jeito de ajudar um ou dois forçados em dificuldades.
Essa mina de terra de alumínio fica bem longe, no mato. Uma cidadezinha se formou em torno do acampamento, onde vivem operários e engenheiros. No porto carrega-se sem cessar, o minério em numerosos cargueiros. Tenho uma idéia: por que não iríamos montar um cabaré naquele povoado perdido na mata? As pessoas de lá devem se aborrecer demais à noite.
– É verdade – me diz Fosco -, lá não há nenhuma distração. Lá não tem nada.
Indara, Cuic, o maneta e eu, alguns dias depois, estamos num barco, que em dois dias de navegação nos leva pelo rio até Mackenzie, nome da mina.
O acampamento dos engenheiros, dos chefes e dos operários especializados é limpo, claro, com casinhas confortáveis, todas munidas de tela metálica para proteger dos mosquitos. O povoado, em si, é uma nojeira. Nenhuma casa de tijolo, de pedra ou cimento. Nada mais do que taperas feitas de barro e bambus, tetos de folhas de palmeiras selvagens ou, as mais modernas, de folhas de zinco. Quatro bares horríveis regurgitam de clientes. Os marinheiros lutam para conseguir uma cerveja quente mesmo. Nenhum estabelecimento tem geladeira.
Pascal tem razão, há o que fazer nesse povoado. Afinal de contas, estou em fuga, é aventura, não posso viver normalmente como meus companheiros. Trabalhar para ganhar apenas o indispensável para viver, isso não me interessa.
Como as ruas ficam pegajosas de barro quando chove, escolho um lugar mais elevado, um tanto retirado do centro do povoado. Estou certo de que não vai ser inundado quando chover, nem por dentro, nem ao redor da construção que pretendo fazer.
Em dez dias, ajudados por carpinteiros negros que trabalham na mina, construímos uma sala retangular de 20 metros de comprimento por 8 de largura. Trinta mesas de quatro lugares permitirão que 120 pessoas se sentem comodamente. Um estrado onde se exibirão os artistas, um bar da largura da sala e uma dúzia de banquinhos altos. Ao lado do cabaré, uma outra construção com oito cômodos, onde poderão viver muito bem dezesseis pessoas.