O homem de lábios arroxeados fechou a faca, levantou-se e limpou os farelos do colo. Começou a andar em direção aos degraus.

– Ora, vamos, lourinha, pra que é que você quer se meter com esses babacas?

Ela se virou e olhou para ele lá da extremidade do ancoradouro, em seguida olhou para nós, e podia-se ver que ela estava pensando na proposta dele quando a porta da loja de iscas se abriu e McMurphy saiu apressadamente. Passando por eles, desceu os degraus.

– Tripulação, embarcar, está tudo resolvido! Combustível e tudo pronto e a bordo há iscas e cerveja.

Ele deu uma palmada no traseiro de Billy, deu uns passos de dança e começou a soltar as cordas de suas amarras.

– O velho Capitão Block ainda está no telefone, mas vamos dar o fora assim que ele sair. George, vamos ver se você consegue esquentar esse motor. Scanlon, você e Harding desamarrem aquela corda ali. Candy! Que diabo você está fazendo aí? Vamos embora, querida, estamos de partida.

Entramos no barco às carreiras, satisfeitos com qualquer coisa que nos levasse para longe daqueles caras enfileirados na loja de iscas. Billy tomou a mão da garota e a ajudou a subir para bordo. George cantarolava sobre o quadro de instrumentos na ponte de comando, mostrando os botões para que McMurphy girasse ou apertasse.

– É esses engulhadores, barquinhos de engulhos, é como os chamamos – disse ele para McMurphy. – São tão fáceis, fáceis como dirigir um carro.

O médico hesitou antes de subir a bordo e olhou em direção à loja onde todos os vagabundos se estavam movendo em círculos em direção aos degraus.

– Não acha, Randle, que seria melhor que esperássemos… até que o capitão…

McMurphy, segurando-o pelas lapelas, levantou-o do ancoradouro, pondo-o dentro do barco como se ele fosse um garotinho.

– Sim, doutor, esperar até que o capitão o quê? - Começou a rir como se estivesse bêbado, falando de maneira agitada e nervosa. – Esperar até que o capitão saia e nos diga que o número de telefone que eu lhe dei é de um bordel em Portland? É claro! Ei, George, anda logo; assuma o comando dessa coisa e nos tire daqui! Sefelt! Solte aquela corda e suba. George, vam'bora!

O motor espocou e morreu, espocou outra vez como se estivesse pigarreando, então rugiu, pegando à toda.

– Ooobaa! Aí vai ele. Dê carvão pra ele, George, e todos os braços a postos para repelir abordagem.

Uma massa branca de fumaça e água ergueu-se da traseira do barco quando a porta da loja de iscas se abriu com estrondo e a cabeça do capitão saiu como uma bala e desceu as escadas como se estivesse arrastando não somente o seu corpo, mas também os dos outros oito vagabundos. Eles vieram correndo pelo ancoradouro e pararam bem no fervilhar de espuma que subia, cobrindo-lhes os pés à medida que George ia virando o grande barco para fora e para longe do ancoradouro, e tínhamos o mar para nós.

Uma guinada repentina no barco atirara Candy de joelhos no chão. Billy a ajudou a levantar-se e tentava ao mesmo tempo desculpar-se pela maneira como havia agido no ancoradouro. McMurphy desceu da ponte de comando e perguntou se eles dois gostariam de ficar a sós de forma que pudessem falar sobre os velhos tempos. Candy olhou para Billy e tudo que ele conseguiu fazer foi sacudir a cabeça e gaguejar. McMurphy disse que nesse caso era melhor que ele e Candy descessem e verificassem se havia vazamentos, e que o resto de nós podia ficar onde estava por enquanto. Ele ficou na porta da cabina, bateu uma continência, piscou, e nomeou George comandante e Harding imediato.

– Continuem, marujos – disse e seguiu a garota para o interior da cabina.

O vento amainou e o sol ficou mais alto, cromando de prateado o lado leste das vagas verde-escuras. George dirigiu o barco direto para o mar, a toda velocidade, fazendo com que o ancoradouro e a loja de iscas ficassem cada vez mais para trás. Quando passamos pelo último ponto do quebra-mar e pela última rocha negra, pude sentir que uma enorme calma descia sobre mim, uma calma que foi aumentando quanto mais nos afastávamos da terra.

Haviam discutido animadamente durante alguns minutos sobre nosso ato de pirataria quanto à posse do barco, mas agora todos estavam quietos. A porta da cabina se abriu uma vez, por tempo suficiente para que uma mão empurrasse para fora um caixote de cerveja. Billy abriu uma cerveja para cada um com um abridor que encontrou na caixa de equipamentos, e foi passando adiante. Bebemos e observamos a terra ir afundando na nossa esteira.

A uma milha da costa, mais ou menos, George diminuiu a marcha para o que ele chamou de giro preguiçoso, pôs quatro homens nas quatro varas na traseira do barco, e o resto de nós se esparramou sob o sol no teto da cabina ou lá em cima na proa. Tiramos a camisa e ficamos observando os quatro tentarem mastrear as varas. Harding disse que, pelo regulamento, cada homem ficaria com uma vara até que acertasse um, então tinha de trocar com outro que ainda não tivesse tido uma oportunidade. George ficou no leme, olhando para fora, pela vidraça manchada de sal, e berrava instruções sobre como ajustar as carretilhas e linhas e como prender um arenque no anzol, e a que distância e profundidade pescar.

– E pegue aquela vara número quatro e acrescente 350 gramas nela com um cabo que tenha uma carretilha de correr, – mostro pra vocês daqui a um minuto – e vamos sair atrás desse grandalhão até lá no fundo com essa vara, puxa vida!

Martini correu até a beira e inclinou-se sobre a amurada, olhando fixo para a água, na direção da sua linha.

– Oh! Oh, meu Deus – disse ele, mas o que quer que tenha visto estava muito lá no fundo para qualquer de nós.

Havia outros barcos de pesca subindo e descendo pela costa, mas George não fez nenhuma tentativa de se juntar a eles; continuou seguindo firme em frente, ultrapassando-os, em direção ao mar aberto.

– Podem apostar – disse ele. – A gente sai com os barcos comerciais, para onde há peixe de verdade.

As vagas deslizavam, esmeralda-escuro de um lado, prateado do outro. O único ruído era o pipocar e o zumbido ocasional do motor, quando as ondas cobriam e descobriam o escape, e o grito estranho e perdido dos pequenos pássaros pretos, mergulhando em volta, pedindo informações uns aos outros. Tudo mais estava em silêncio. Alguns dos rapazes dormiam, e outros observavam a água. Estávamos navegando a cerca de uma hora quando a ponta da vara de Sefelt se arqueou e mergulhou na água.

– George! Jesus, George, venha nos dar uma mão! George não queria nada com a vara, sorriu e disse a

Sefelt para afrouxar a rosca do travão, manter a ponta para cima, para cima, e pintar o diabo com aquele cara até ele cansar!

– Mas e se eu tiver um ataque?

– Ora, nós simplesmente poremos um anzol e uma linha em você e o usaremos como isca – disse Harding. – Agora mande brasa em cima desse cara como o capitão ordenou e pare de se preocupar com ataques.

Trinta metros atrás do barco o peixe surgiu ao sol num chuveiro de escamas prateadas, os olhos de Sefelt se arregalaram, e ele ficou tão entusiasmado a observar o peixe que deixou a extremidade da vara virar para baixo, e a linha voltou com um estalo contra o barco, como um elástico.

– Para cima, eu lhe disse! Você deixou que ele pudesse puxar direto, não vê? Mantenha essa ponta para cima… para cima! Você tinha apanhado um grande prateado, puxa vida!

O maxilar de Sefelt estava pálido e trêmulo quando ele finalmente entregou a vara a Fredrickson.

– O.K… mas se você apanhar algum com um anzol na boca, é o meu bendito peixe!

Eu estava tão entusiasmado quanto os outros. Não havia planejado pescar, mas depois de ver aquela força de aço que um salmão tem na ponta de uma linha, saí do topo da cabina e vesti a camisa para esperar minha vez.

Scanlon estabeleceu um prêmio para o maior peixe e um outro para o primeiro que fosse apanhado: quatro pratas de cada um que quisesse participar. Mal tinha acabado de pegar o dinheiro no bolso, Billy puxou para dentro uma coisa horrorosa, que parecia um sapo de cinco quilos com espinhas por todo lado.

– Isso não é peixe – disse Scanlon. – Você não pode ganhar com isso.

– Não é nenhum p-p-passarinho.

– Isso aí é uma espécie de bacalhau – disse George. – Ele é um peixe ótimo de comer se a gente tirar todos os espinhos dele.

– Está vendo. Ele também é peixe. P-p-pague. Billy me cedeu a sua vara, recebeu o dinheiro e foi sentar-se junto da cabina onde se encontravam McMurphy e a garota. Ficou olhando para a porta fechada com tristeza.

– Eu go-go-go-gostaria que houvesse varas para todos – disse ele encostando-se na parede da cabina.

Eu me sentei e segurei a vara, observei a linha correr na esteira. Cheirei o ar e senti que as quatro latas de cerveja que havia bebido libertavam dúzias de mecanismos de controle bem lá dentro de mim: por toda parte, os lados cromados das ondas cintilavam e brilhavam ao sol.

George gritou para nós que olhássemos mais para a frente, que dali vinha exatamente o que estávamos procurando. Eu me inclinei e me virei para olhar, mas tudo que vi foi uma grande tora de madeira flutuando, e aquelas gaivotas pretas voando em círculos e mergulhando em volta da tora, como folhas negras apanhadas num redemoinho. George aumentou um pouco a velocidade, dirigindo-se para o lugar onde os pássaros voavam em círculos, e a velocidade do barco puxou tanto a minha linha que eu concluí que a gente não seria capaz de dizer se tinha apanhado alguma coisa ou não.

– Essas gaivotas aí, elas vão sempre atrás de cardumes de peixes-vela – disse-nos George enquanto manobrava. – São peixinhos brancos bem pequenos, do tamanho de um dedo. Depois de secos, queimam igualzinho a uma vela. Eles são comida de peixe, peixinhos camaradas. E pode apostar que onde há um cardume de peixes-vela a gente acha os salmões prateados à procura de alimento.

Ele se meteu no meio dos pássaros, desviando-se da tora flutuante. De repente, por toda a parte em volta de mim, os declives lisos de cromo fervilhavam de peixinhos, e as costas lisas como um torpedo azul-prateado dos salmões rompiam através daquilo tudo. Vi uma daquelas costas mudar de direção e dirigir-se para um ponto a 30 metros atrás da minha vara, onde deveria estar o meu arenque. Segurei com firmeza, meu coração saltando, e então senti um arranco nos braços como se alguém tivesse batido na vara com um bastão de beisebol e a minha linha saiu queimando, deslizando na carretilha sob o meu polegar, vermelha como sangue.