A enfermeira dá uma sacudidela no braço de Fredrickson, como se ele tivesse pegado no sono e repete:

– Mesmo levando-se em consideração os efeitos nocivos do remédio, não acha que é melhor do que isso?

Enquanto olha fixo para o chão, as sobrancelhas de Fredrickson se levantam como se estivesse vendo pela primeira vez como ele fica pelo menos uma vez por mês. A enfermeira sorri, bate de leve no braço dele, e se dirige para a porta, lança um olhar zangado para os Agudos para envergonhá-los por se terem juntado para olhar para uma coisa daquelas. Quando ela se retira, Fredrickson estremece e tenta sorrir.

– Não sei por que fui ficar zangado com a velhota… quero dizer, ela nada fez que me desse razão para explodir daquele jeito, deu?

Não é como se ele quisesse uma resposta; é mais uma espécie de conscientização de que ele não consegue descobrir uma razão. Ele torna a estremecer e começa a esgueirar-se, afastando-se do grupo. McMurphy vai até ele e pergunta, em voz baixa, o que é que eles tomam?

– Dilantin, McMurphy, um anticonvulsivo, se interessa saber.

– E não funciona, ou coisa assim?

– Sim, eu acho que funciona direito… se você tomar.

– Então qual é o problema de tomar ou não tomar?

– Olhe, se é que lhe interessa! Aqui está a porcaria do problema sobre tomá-lo ou não. – Fredrickson levanta a mão e agarra o lábio inferior com o polegar e o indicador, puxa para baixo para mostrar as gengivas feridas, vermelhas e brancas em volta dos dentes compridos e brilhantes. – As gengivas – diz ele segurando o lábio – Dilantin apodrece suas gengivas. E num acesso você range os dentes. E você…

Há um ruído no chão. Eles olham para onde Sefelt está, gemendo e arquejando, no exato momento em que o crioulo lhe arranca dois dentes junto com a vareta.

Scanlon pega a bandeja e se afasta do grupo dizendo:

– Um inferno de vida. Fodido se fizer e fodido se não fizer. Bota um homem num diabo dum beco sem saída.

McMurphy diz:

– Sim, eu compreendo o que você quer dizer. – Olha para baixo, para o rosto de Sefelt, que se vai recompondo, o rosto dele começou a tomar aquela mesma expressão cansada e confusa do rosto do chão.

O que quer que tenha pifado na engrenagem acabaram de consertar. O funcionamento calculado e limpo está voltando: seis e meia, fora da cama; sete horas, no refeitório; oito, vêm os quebra-cabeças para os Crônicos e as cartas para os Agudos… na Sala das Enfermeiras posso ver as mãos brancas da Chefona flutuarem sobre os controles.

* * *

Às vezes eles me levam com os Agudos, às vezes não. Quando eles me levam junto com eles até a biblioteca, eu caminho até a seção de livros técnicos, fico ali olhando para os títulos dos livros sobre eletrônica, livros que reconheço daquele ano que passei na universidade; lembro-me de que, por dentro, os livros estão cheios de desenhos esquemáticos, equações e teorias – coisas difíceis, exatas e seguras.

Tenho vontade de folhear um dos livros, mas tenho medo. Estou com medo de fazer qualquer coisa. Sinto-me como se estivesse flutuando no ar amarelo, empoeirado, da biblioteca, a meio caminho do fundo, a meio caminho do topo. As fileiras de livros oscilam acima de mim, ziguezagueando loucamente, correndo em todos os ângulos diferentes, de um para outro. Uma prateleira de livros se inclina um pouco à esquerda, outra para a direita. Algumas delas se estão inclinando sobre mim, e não sei como os livros não caem. Vão subindo, subindo, até que se perdem de vista, as estantes de livros em perigo de desmoronar, presas com ripas e pedaços de madeira, levantadas por bastões, encostadas em escadas, por todos os lados em volta de mim. Se eu tirasse um livro, Deus sabe que coisa terrível poderia acontecer.

Ouço alguém chegar, e é um dos crioulos da nossa ala e a esposa de Harding está com ele. Estão conversando e rindo quando entram na biblioteca.

– Olha aqui, Dale – grita o crioulo para Harding. que está lendo um livro. – Olhe só quem veio visitar você. Eu disse a ela que não era hora de visitas, mas você sabe como ela fala macio e acabou me convencendo a trazê-la até aqui, de qualquer maneira. – Ele a deixa de pé diante de Harding e sai, acrescentando misteriosamente: – Agora, não vá esquecer, viu?

Ela atira um beijo para o crioulo, vira-se para Harding, num movimento de quadris para frente.

– Alô, Dale.

– Querida – diz ele, mas não faz qualquer movimento para dar os dois passos que o separam dela. Ele olha em volta, para todo mundo que está observando.

Ela é tão alta quanto ele. Usa sapatos de salto alto e carrega uma bolsa, não pela alça, mas segurando-a como se fosse um livro. As unhas dela são vermelhas como gotas de sangue, contra o preto brilhante da bolsa de verniz.

– Ei, Mack – grita Harding para McMurphy, que está sentado do outro lado da sala, lendo uma revista de histórias em quadrinhos. – Se você puder privar-se de suas pesquisas literárias por um momento, apresento você à minha cara-metade. Eu poderia ser banal e dizer, "à minha melhor metade", mas creio que esta expressão indica uma espécie de divisão basicamente igual, não acha?

Ele tenta rir, e seus dois dedos finos de marfim se enfiam no bolso da camisa para pegar os cigarros, remexem, desajeitadamente, tirando o último maço. O cigarro treme quando ele o coloca entre os lábios. Ele e a esposa ainda não deram um passo na direção um do outro.

McMurphy se levanta da cadeira e tira o gorro enquanto se aproxima. A esposa de Harding olha para ele e sorri, levantando uma das sobrancelhas.

– Boa tarde, Sra. Harding – diz McMurphy. Ela lhe dá um sorriso mais largo ainda e diz.

– Eu detesto Sra. Harding, Mack; por que não me chama de Vera?

Os três se sentam no sofá onde Harding se encontrava, e ele conta à esposa coisas sobre McMurphy e como McMurphy levou a melhor sobre a Chefona. Ela sorri e diz que aquilo não a surpreende nem um pouco. Enquanto Harding está contando a história, ele se entusiasma e se esquece das mãos, e elas fazem uma trama no ar diante dele, num quadro suficientemente claro para que se possa vê-las dançando a história no ritmo da sua voz como duas lindas bailarinas de branco. As mãos dele podem ser qualquer coisa. Mas tão logo a história acaba, ele percebe que McMurphy e a esposa estão observando as mãos, e ele as aprisiona entre os joelhos. Ele ri daquilo e a esposa lhe diz:

– Dale, quando é que você vai aprender a rir em vez de dar esse guinchado de rato?

É a mesma coisa que McMurphy disse sobre o riso de Harding naquele primeiro dia, mas de alguma forma é diferente; enquanto que o fato de McMurphy dizê-lo acalmou Harding, o fato de ela dizer o mesmo o tornou mais nervoso do que nunca.

Ela pede um cigarro, e Harding torna a enfiar os dedos no bolso e o sente vazio.

– Estão sendo racionados – diz ele, dobrando os ombros magros para frente como se estivesse tentando esconder o cigarro fumado pela metade que está segurando: – um maço por dia. Isso não parece deixar qualquer margem de cavalheirismo para um homem, Vera, minha querida.

– Oh, Dale, você nunca tem o suficiente, não é? Os olhos dele assumem aquela expressão maliciosa, caprichosa e febril enquanto olha para ela e sorri.

– Estamos falando simbolicamente, ou ainda estamos lidando com os cigarros concretos de aqui e agora? Não importa; você sabe a resposta à pergunta, qualquer que seja o sentido que lhe tenha querido dar.

– Eu não quis dar nenhum sentido, exceto exatamente o que disse, Dale…

– E você não quis dar nenhum sentido, doçura; o fato de você ter dito "não quis" e "nenhum" constitui uma dupla negativa. McMurphy, o inglês de Vera rivaliza com o seu em termos de ignorância gramatical. Olhe, querida, compreenda que entre "não" e "nenhum" há…

– Está bem! Chega! Eu quis dizer nos dois sentidos. Eu quis dizer de qualquer maneira que você queira compreender. Eu quis dizer que você nunca tem o suficiente de nada, ponto parágrafo!

– O suficiente de nada, minha criança brilhante. Ela olha com raiva para Harding, por um segundo, então se vira para McMurphy, que está sentado a seu lado.

– Você, Mack, que tal você? Será que pode lidar com uma coisinha simples como oferecer um cigarro a uma garota?

O maço dele já está no colo. Ele olha para o maço como se desejasse que não estivesse ali. Então, diz:

– Claro, eu sempre tenho cigarros. A razão é que sou um malandro. Eu filo sempre que surge uma oportunidade, é por isso que o meu maço dura mais que o de Harding. Ele só fuma os dele. Assim, pode ver como é mais provável que ele fique sem cigarros do que…

– Você não precisa desculpar-se pelos meus defeitos, amigo. Isso não combina com o seu caráter e não favorece o meu.

– Não, mesmo – diz a moça. – Tudo que você tem de fazer é acender o meu cigarro.

E ela se inclina tanto para a frente, em direção ao fósforo, que até do outro lado da sala eu posso ver por dentro do decote da blusa.

Ela fala mais um pouco sobre alguns amigos de Harding que ela desejaria deixassem de aparecer em casa procurando por ele.

– Você conhece o tipo, não é, Mack? – diz ela. – Os rapazes barulhentos, de lindos cabelos compridos, bem penteados, e de punhos frouxos que sacodem com graça. – Harding pergunta-lhe se era só a ele que os rapazes pretendiam ver, e ela responde que qualquer homem que apareça para vê-la sacode mais do que seus malditos punhos frouxos.

Ela se levanta de repente e diz que está na hora de ir. Segura a mão de McMurphy e lhe diz que espera vê-lo novamente, numa outra ocasião, e sai da biblioteca. McMurphy não pode dizer uma palavra. Ao bater dos saltos altos dela a cabeça de todo mundo se levanta, e eles a observam pelo corredor, até que ela vira, saindo de vista.

– Que é que você acha? – diz Harding. McMurphy tem um sobressalto.

– Ela tem um belo par de tetas – é tudo em que ele pode pensar. – Grandes como os da Velha Dama Ratched.

– Não quis dizer fisicamente, amigo, quis dizer o que é que você…

– Que diabo, Harding! – berra McMurphy de repente. – Eu não sei o que pensar! Que é que você quer que eu seja? Um conselheiro matrimonial? Tudo que sei é isso: para começar ninguém é grande mesmo, e me parece que todo mundo passa a vida inteira arrebentando com as outras pessoas. Eu sei o que você quer que eu pense; você quer que eu sinta pena de você, que pense que ela é realmente uma cadela. Bem, você não a fez se sentir como uma rainha, tampouco. Você que se foda com o seu "que é que você acha?" Tenho meus próprios problemas para me preocupar com os seus. Pare com isso! – Ele lança um olhar furioso pela biblioteca, para os outros pacientes. – Todos vocês! Parem de me aporrinhar, merda!