– Como están todos por aqui? - diz a irmã espanhola.
– Muy bien, hermana.
– Me alegro, vámonos, muchachos.
E saímos andando, tranqüilamente.
Às 10 horas da noite, um outro posto, muito iluminado. Duas filas de viaturas de toda classe esperam, paradas. Uma vem pela direita, a nossa pela esquerda. As malas dos carros são abertas e os policiais olham dentro. Vejo uma mulher, obrigada a descer, remexendo na sua bolsa. Ela é levada ao posto de polícia. Não tem, provavelmente, a cédula. Neste caso, não há nada a fazer. Os veículos passam, um depois do outro. Como existem duas filas, não se, pode ter uma passagem de favor. Por falta de espaço, é preciso se resignar a esperar. Sinto-me perdido. À nossa frente, está um ônibus pequeno cheio de passageiros. Em cima, sobre o teto, maletas e grandes embrulhos. Atrás, também, uma espécie de rede grossa cheia de embrulhos. Os policiais obrigam os passageiros a descer. Este ônibus não tem mais de uma porta, na frente. Homens e mulheres descem. Mulheres com crianças nos braços. Uma a uma tornam a subir.
– Cédula! Cédula!
E todos saem e mostram um cartão com sua fotografia.
Zorrillo nunca me falou nisso. Se soubesse, teria talvez tentado arranjar uma cédula falsa. Fico pensando que, se passar por este posto, pagarei o que for preciso, mas arranjarei uma cédula antes de viajar de Santa Marta a Barranquilla, cidade muito importante da costa atlântica: 250 000 habitantes, diz o dicionário.
Deus do céu, como é demorada a operação de exame desse ônibus. A irlandesa se volta para mim: “Fique calmo, Enrique”. Tomo imediatamente um susto com esta frase imprudente, o condutor certamente ouviu.
Chegando nossa vez, a carroça avança nesta luz brilhante. Resolvo me sentar. Ficando deitado, segundo me parece, posso dar a impressão de que me escondo. Apoiei as costas nas tábuas da carroça e olho para as costas das irmãs. Só posso ser visto de perfil e tenho o chapéu bastante afundado na cabeça, mas sem exagero.
– Como están todos por aqui? - repete a boa irmã espanhola.
– Muy bien, hermanas. Y como viajam tan tarde? (Muito bem, irmãs. E por que viajam tão tarde?)
– Por una urgencia, por eso no me detengo. Somos muy apuradas. (É um caso de urgência, por isso não paro. Estamos muito apressadas.)
– Vayanse con Dios, hermanas. (Vão com Deus, irmãs.)
– Gracias, hijos. Que Dios les protege. (Obrigado, meus filhos. Que Deus os proteja.)
– Amén - dizem os policiais.
E nós passamos tranqüilamente, sem que ninguém nos exija coisa alguma. As emoções dos minutos passados devem ter dado dor de barriga nas boas irmãs, porque, a 100 metros dali, fazem parar a viatura para descer e desaparecer por um instante no mato. Voltamos a andar. Acendo um cigarro. Estou tão emocionado, que, quando a irlandesa sobe, eu lhe digo:
– Obrigado, minha irmã.
Ela me diz:
– Não há de que, mas nós tivemos tanto medo, que isso nos desarranjou os intestinos.
Por volta da meia-noite, chegamos ao convento. Um grande muro, uma grande porta. O carroceiro saiu para ajeitar os cavalos e a carroça e as três meninas são conduzidas ao interior do convento. Na escadaria do pátio, uma discussão acalorada se trava entre a irmã porteira e as duas irmãs. A irlandesa me diz que não quer acordar a madre superiora para lhe pedir autorização para que eu durma no convento. Aí, fico indeciso. Deveria aproveitar rapidamente este incidente para me retirar e partir para Santa Marta, uma vez que sabia que só faltavam 8 quilômetros.
Este erro me custou, mais tarde, sete anos de cana.
Por fim, a madre superiora foi acordada, e me dão um quarto no segundo andar. Da janela, vejo as luzes da cidade. Distingo o farol e as luzes fixas. Do porto sai um barco grande.
Adormeço e o sol está alto quando batem à minha porta. Tive um sonho atroz. Lali abria a barriga dela em minha presença e nosso filho saía de sua barriga aos pedaços.
Faço a barba e me lavo muito rapidamente. Desço. Ao pé da escada está a irmã irlandesa, que me recebe com um ligeiro sorriso:
– Bom dia, Henri. O senhor dormiu bem?
– Sim, minha irmã.
– Venha, por favor, ao escritório de nossa madre superiora, que quer ver o senhor.
Entramos. Uma mulher está sentada atrás de uma escrivaninha. Um rosto extremamente severo, de uma pessoa de cinqüenta e tantos anos talvez, me encara com olhos negros sem brandura.
– Señor, sabe usted hablar español?
– Muy poco.
– Bueno, Ia hermana va a servir de intérprete.
– O senhor é francês, foi o que me disseram.
– Sim, madre.
– O senhor fugiu da prisão de Rio Hacha?
– Sim, madre.
– Há quanto tempo?
– Perto de sete meses.
– Que fez durante este tempo?
– Estive com os índios.
– O quê? O senhor, com os guajiros? Isso não se admite. Esses selvagens nunca permitiram ninguém no seu território. Nenhum missionário conseguiu penetrar ali, imagine. Não admito essa resposta. Onde o senhor esteve? Diga a verdade.
– Madre, estava com os índios e tenho prova.
– Qual?
– Pérolas que eles pescaram.
Desprego o saco que está seguro com alfinetes no meio das costas do meu paletó e o entrego a ela. Ela abre o saco e dele sai um punhado de pérolas.
– Quantas pérolas há aí?
– Não sei, talvez quinhentas ou seiscentas. Mais ou menos.
– Isso não é uma prova. O senhor pode ter roubado em outro lugar.
– Madre, para que sua consciência fique em paz, se quiser eu fico aqui o tempo que for preciso para que possa se informar se houve um roubo de pérolas. Prometo à senhora não me mexer de meu quarto até o dia em que a senhora decidir o contrário.
Ela me olha muito fixamente. Suponho que deve dizer a si mesma: “E se você fugir? Já fugiu da prisão, daqui é mais fácil…”
– Deixarei com a senhora o saco de pérolas, que são toda a minha fortuna. Sei que estou em boas mãos.
– Bem, está combinado. Não, o senhor não precisa ficar fechado no seu quarto. De manhã e à tarde, pode descer ao jardim, quando minhas filhas estão na capela. O senhor comerá na cozinha, junto com os empregados.
Saio desta entrevista um pouco tranqüilizado. No momento em que vou subir ao meu quarto, a irmã irlandesa me leva para a cozinha. Uma taça grande de café com leite, pão preto muito fresco e manteiga. A irmã me vê comer sem dizer uma palavra e sem se sentar, de pé à minha frente. Tem um aspecto preocupado. Digo:
– Obrigado, minha irmã, por tudo que fez em meu favor.
– Gostaria de fazer mais ainda, mas não posso fazer mais nada, meu amigo Henri – e, com estas palavras, sai da cozinha.
Sentado diante da janela, olho a cidade, o porto, o mar. O campo ao redor está bem cultivado. Não consigo me desfazer da impressão de que me encontro em perigo. A tal ponto, que decido escapar na noite próxima. Tanto pior para as pérolas, que fiquem para seu convento ou para ela própria, a madre superiora. Ela não confia em mim e, além do mais, não devo me enganar, porque não é possível que não fale francês, uma catalã, madre superiora de um convento, portanto instruída. Isso é bem esquisito. Conclusão: nesta noite caio fora.
Sim, nesta tarde vou descer ao pátio, para ver o lugar por onde posso saltar o muro. Por volta da 1 hora, batem à minha porta:
– Desça, por favor, para comer, Henri.
– Sim, já vou, obrigado.
Sentado à mesa da cozinha, mal começo a me servir da carne com batatas cozidas, quando a porta se abre e aparecem, armados de fuzis, quatro policiais em uniformes brancos, um com galões, de revólver na mão.
– No te mueve o te mato! (Não te mexas ou te mato!)
Ele me põe algemas. A irmã irlandesa dá um grande grito e desmaia. Duas irmãs da cozinha a levantam.
– Vamos - diz o chefe.
Ele sobe comigo ao meu quarto. Minha trouxa é revolvida e encontram logo as 36 moedas de ouro de 100 pesos que ainda me restam, porém não examinam o estojo com as duas flechas. Sem dúvida, acreditaram que eram lápis. Com uma satisfação não escondida, o chefe bota nos seus bolsos as moedas de ouro. A gente sai. No pátio, uma viatura comum.