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– Listo (pronto).

Aparece a cara de Antonio, colada às grades, do lado de fora. Com a ajuda de Maturette e do bretão, consigo, num único movimento, não somente afastar uma barra, mas desprendê-la por baixo. Sou empurrado para a frente e o pessoal me dá umas palmadas na bunda, antes de eu pular. As palmadas são como o aperto de mão dos meus amigos. Antonio me pega pela mão e me arrasta para o muro. Pular o muro não é difícil, ele só tem 2 metros, mas assim mesmo corto a mão num dos cacos de vidro que o recobrem; não faz mal, vamos em frente. O danado do Antonio consegue descobrir o caminho no meio dessa chuva que não deixa enxergar 3 metros à frente. Aproveita para atravessar bem pelo centro da aldeia, depois tomamos um caminho entre o mato e a costa. Já bem adiantada a noite, percebemos uma luz. Temos que fazer um longo desvio pelo mato, felizmente pouco espesso, até retornarmos ao caminho. Prosseguimos sob a chuva até o despontar do dia. Na saída, Antonio me deu uma folha de coca, que eu mastigo da mesma maneira que o vi fazer na prisão. Quando o sol desponta, não me sinto cansado. Será efeito da coca? Com certeza. Apesar do dia já estar claro, continuamos a andar. De vez em quando, Antonio se deita no chão e coloca o ouvido contra o solo empapado de água. E vamos adiante.

Antonio tem um modo curioso de caminhar. Ele não corre nem anda, dá uma espécie de sucessivos pulinhos, todos do mesmo comprimento, enquanto seus braços balançam como se estivessem remando no ar. Parece que ouviu algum ruído, porque me arrasta para o mato. Continua chovendo. De fato, vemos passar um rolo compressor, puxado por um trator, certamente para comprimir a terra da estrada.

Dez e meia da manhã. A chuva parou, o sol se levantou. Entramos no mato, depois de havermos caminhado mais de 1 quilômetro sobre o capim e não na estrada. Deitados sob uma árvore muito copada, escondidos por uma vegetação espessa e cheia de espinhos, acredito que nada temos a temer, contudo Antonio não me deixa fumar nem mesmo falar baixo. Ele não pára de engolir o suco das folhas, faço como ele, mas com mais moderação. Tem um saquinho com mais de vinte folhas dentro, que me mostra. Seus dentes magníficos brilham na escuridão quando ri sem fazer barulho. Como estamos numa verdadeira nuvem de mosquitos, ele mastiga um charuto e, com a saliva cheia de nicotina, lambuzamos a cara e as mãos. Assim ficamos sossegados. Sete horas da noite. A noite desceu, mas a lua ilumina demais o caminho. Coloca o dedo sobre as 9 horas e diz: “lluvia (chuva)”. Compreendo que às 9 horas vai chover. Com efeito, às 9 e 20 recomeça a chover e nos pomos novamente a caminho. Para me manter à altura do meu companheiro, aprendi a andar pulando e a remar com os meus braços. Não é difícil, avança-se mais rápido do que andando depressa e, no entanto, não se corre. Durante a noite, tivemos que entrar três vezes no mato, para deixar passar um automóvel, um caminhão e uma carroça puxada por dois burros. Graças às folhas, não sinto canseira quando o dia se levanta. A chuva pára às 8 horas e então, como fizemos na véspera, caminhamos pelo capim mais de 1 quilômetro e entramos no mato, para nos esconder. O inconveniente dessas folhas é que tiram completamente o sono. Não fechamos o olho desde que partimos. As pupilas de Antonio estão tão dilatadas, que não se vê mais a íris. As minhas devem estar iguais.

Nove horas da noite. Chove. Parece que a chuva espera exatamente essa hora para recomeçar a cair. Mais tarde, eu iria saber que nos trópicos, quando a chuva começa a cair a tal hora, durante todo o quarto de lua ela cairá à mesma hora todo dia, parando também mais ou menos à mesma hora. Esta noite, no início da marcha, ouvem-se vozes e luzes. “Castillette”, diz Antonio. O diabo do homem me pega pela mão sem hesitar, entramos no mato e, depois de um desvio de mais de duas horas, nos encontramos novamente na estrada. Caminhamos, ou melhor, andamos aos saltos durante toda a noite e grande parte da manhã. O sol secou as nossas roupas no corpo. Fazia três dias que estávamos molhados, três dias em que só comemos um pedaço de rapadura na partida. Antonio parece estar quase certo de que agora estamos livres de encontros perigosos. Caminha despreocupadamente e já há várias horas que não encosta o ouvido no chão. O caminho segue pela praia e Antonio corta uma vara. Caminhamos agora sobre a areia úmida. Afastamo-nos do caminho. Antonio pára a fim de examinar uma longa faixa de areia pisada, de 50 centímetros de largura, que sai do mar e chega até a parte seca. Acompanhamos as pegadas e, chegando a um lugar em que a risca se alarga em forma de círculo, Antonio enfia a vara na terra fofa. Quando a retira, a ponta está suja de um líquido amarelo como gema de ovo. De fato, cavamos um buraco na areia com as mãos e logo aparecem uns ovos, trezentos ou quatrocentos, mais ou menos, nem sei dizer. São ovos de tartaruga do mar. Esses ovos não têm casca, somente uma pele. Enchemos de ovos a camisa que Antonio tirou do corpo, cabem talvez uns cem. Saímos da praia e atravessamos a estrada, para penetrar no mato. Abrigados dos olhares estranhos, começamos a comer, mas somente a gema, me explica Antonio. Com um golpe de seus dentes de lobo, ele corta a pele que envolve o ovo, deixa escorrer a clara e chupa a gema, um ovo para ele, outro para mim. Abre uma quantidade enorme sempre dividindo comigo. Logo estamos cheios a ponto de quase estourar. Deitamo-nos no chão, fazendo do nosso paletó travesseiro. Diz Antonio:

– Mañana tu sigues solo dos dias más. De mañana en adelante no hay policias.

Esta noite, às 10 horas, chegamos às vizinhanças do último posto de fronteira. Nós o reconhecemos pelos latidos dos cães e pela farta iluminação da casinha. Tudo isso é contornado de modo magistral por Antonio. Daí por diante, andamos a noite inteira sem tomar precauções. O caminho não é largo, apenas um vereda, que a gente Percebe ser bastante freqüentada, pois está sem capim. Tem mais ou menos 50 centímetros de largura e contorna o mato, dominando a praia de uma altura de cerca de 2 metros. Percebem-se também, em certos lugares, umas pegadas de ferraduras de cavalos e de burricos. Antonio senta-se numa grossa raiz de árvore e me faz sinal para fazer o mesmo. O sol bate firme. No meu relógio são 11 horas, pelo sol deve ser meio-dia: um pauzinho fincado na terra não projeta nenhuma sombra, portanto é meio-dia e eu acerto meu relógio. Antonio esvazia o saquinho de folhas de coca: ainda tem sete. Ele me da quatro e guarda três. Afasto-me um pouco, entro no mato, volto com 150 dólares de Trinidad e 60 florins e os estendo a Antonio. Ele me olha espantado, apalpa as notas, não compreende por que estão novas em folha e como não estão molhadas, pois ele nunca me viu secá-las. Ele me agradece, com as notas na mão, reflete demoradamente, depois pega seis de 5 florins (portanto 30 florins) e me devolve o resto. Apesar da minha insistência, não quer receber mais nada. Nesse momento, parece que algo muda em sua atitude. Havíamos decidido nos separar ali mesmo, mas agora ele parece querer me acompanhar por mais um dia. Ele me faz compreender que depois dará meia volta. Pois bem, partimos após engolir algumas gemas de ovo. Fumamos um charuto, depois de muito pelejar para fazer fogo, esfregando mais de meia hora duas pedras uma contra a outra, até saltar uma faísca sobre um pouco de musgo seco.

Faz três horas que estamos andando e eis que surge um homem a cavalo, aproximando-se diretamente de nós. O homem traz um imenso chapéu de palha, botas e em vez de calças veste uma espécie de calção de couro; usa camisa verde e um blusão desbotado, também verde, tipo militar. Como armas, uma belíssima carabina e um revólver na cinta.

– Caramba! Antonio, hijo mio (meu filho)!

De muito longe, Antonio havia reconhecido o cavaleiro; nada disse, mas é certo que sabia quem estava chegando. É um belo tipo, de seus quarenta anos, pele bronzeada. Desce do cavalo e os dois se dão mutuamente grandes pancadas nas costas. Esse modo de se abraçar, eu observei mais tarde em toda a parte.