– Good afternoon (boa tarde) – diz o marinheiro.
Avança para mim, senta-se a meu lado, depois pega o leme e dirige o barco mais para o sul do que eu estava fazendo. Abandono-lhe a responsabilidade de dirigir, observando seu modo de trabalhar. Ele sabe manobrar muito bem, não há dúvida nesse ponto. Apesar de tudo, fico em meu lugar. Nunca se sabe.
– Cigarros?
Ele pega três maços de cigarros ingleses e dá um a cada um de nós.
– Com certeza – diz Cuic – deram-lhe os maços de cigarros quando ele desembarcou, pois ele não deve andar por aí com três maços.
Rio da reflexão de Cuic, depois observo o marinheiro inglês, que sabe manejar o barco melhor do que eu. Tenho toda a liberdade para pensar. Desta vez, a fuga deu certo para sempre. Sou um homem livre, livre. Um calor sobe-me à garganta; acredito mesmo que lágrimas saem dos meus olhos. É verdade. Estou definitivamente livre, uma vez que, com a guerra, nenhum país devolve evadidos.
Antes que a guerra termine, terei tempo de me fazer estimar e conhecer, não importa em que país eu me estabeleça. O único inconveniente é que com a guerra eu talvez não possa escolher o país em que quiser ficar. Isso não tem importância, não interessa onde eu viva, terei tempo de ganhar a estima e a confiança da população e das autoridades por meu modo de viver, que deverá ser irrepreensível. Até melhor: exemplar.
A segurança de ter, enfim, vencido o caminho da podridão é tal, que não penso em outra coisa. Enfim, você ganhou, Papillon! Ao fim de nove anos, você é de novo vencedor. Obrigado, meu Deus, talvez você não tenha podido fazê-lo antes, mas seus caminhos são misteriosos, não me queixo de você, pois graças à sua ajuda ainda sou jovem, sadio e livre.
É pensando no caminho percorrido nesses nove anos de trabalho forçado, mais os dois anos de cadeia cumpridos na França, antes (num total de onze), que sigo o braço estendido do marinheiro, que me indica: “a terra”.
Às 17 horas, depois de contornar um farol apagado, entramos num enorme rio, o Demerara. A chalupa reaparece, o marinheiro me devolve o leme e vai se colocar à frente. Recebe pelo ar uma grossa corda, que amarra no banco da frente. Ele mesmo desce as velas e, suavemente puxados pela chalupa, subimos uma vintena de quilômetros nesse rio amarelo, seguidos pelo torpedeiro a uns 200 metros. Depois de um cotovelo, uma grande cidade surge:
– Georgetown – grita o marinheiro inglês.
De fato, é na capital da Guiana Inglesa que entramos, suavemente puxados pela chalupa. Muitos cargueiros e navios de guerra. Canhões sobre pequenas torres estão alinhados à beira do rio. Há todo um arsenal, tanto nas unidades navais como em terra.
É a guerra. No entanto, há mais de dois anos que estamos em guerra, mas eu não havia sentido. Georgetown, a capital da Guiana Inglesa, porto importante no Rio Demerara, está cem por cento em pé de guerra. Uma cidade em armas me causa uma impressão esquisita. Assim que encostamos num embarcadouro militar, o torpedeiro que nos seguia aproxima-se lentamente e também encosta. Cuic com seu porco, Hue com uma trouxinha na mão e eu sem nada, subimos os três para o cais. Nenhum civil nesse embarcadouro, reservado para a Marinha. Somente marinheiros e militares. Um oficial chega, reconheço-o. É aquele que me falou em francês do torpedeiro. Gentilmente, ele me estende a mão e diz:
– Você está com boa saúde?
– Sim, capitão.
– Perfeito. No entanto, tem que passar pela enfermaria, onde vai tomar várias injeções. Seus amigos também.
12 GEORGETOWN
A tarde, depois de termos tomado diferentes vacinas, fomos transferidos para a Central de Polícia da cidade, uma espécie de comissariado gigantesco, onde centenas de policiais entram e saem sem parar. O superintendente da polícia de Georgetown, primeira autoridade da polícia, responsável pela tranqüilidade desse porto importante, recebe-nos imediatamente em seu escritório. Ao redor dele, oficiais ingleses vestidos com uniforme cáqui, impecáveis em seus shorts e meias brancas. O coronel nos faz sinal para sentarmos diante dele e, num excelente francês, nos diz:
– De onde vinham quando os encontraram no mar?
– Da penitenciária da Guiana Francesa.
– Queira me dizer o ponto exato de onde se evadiram.
– Eu, da Ilha do Diabo. Os outros, de um campo semipolítico de Inini, perto de Kourou, Guiana Francesa.
– Qual a sua condenação?
– Prisão perpétua.
– E o motivo?
– Assassinato.
– E os chineses?
– Assassinato, também.
– Condenação?
– Prisão perpétua.
– Sua profissão?
– Eletricista.
– E eles?
– Cozinheiros.
– Você é por De Gaulle ou Pétain?
– Não sabemos nada disso. Somos homens prisioneiros e procuramos voltar a viver honestamente em liberdade.
– Vamos dar-lhes uma cela que ficará aberta o dia inteiro e à noite. Ficarão em liberdade depois que examinarmos suas declarações. Se nos disseram a verdade, nada têm a temer. Compreendam, estamos em guerra e temos que tomar mais precauções do que em tempo normal.
Logo, oito dias depois, somos postos em liberdade. Aproveitamos esses oito dias passados na Central de Polícia para adquirir roupas decentes. Foi corretamente vestidos que meus dois amigos chineses e eu nos encontramos, às 9 horas da manhã, na rua, munidos de um cartão de identidade com nossas fotografias.
A cidade, de 250 000 habitantes, é quase toda de madeira, construída à inglesa: ao nível do solo, cimento; o resto em madeira. As ruas e avenidas estão cheias de gente de todas as raças: brancos, gente cor de chocolate, negros, hindus, marinheiros ingleses e americanos, nórdicos, coolies. Estamos um pouco embriagados por nos encontrarmos nessa multidão tão matizada. Há uma alegria transbordante em nós, tão grande em nossos corações, que deve ser percebida em nossos rostos, mesmo nos dos chinas, pois muitas pessoas nos olham e nos sorriem gentilmente.
– Para onde vamos? – diz Cuic.
– Tenho uma indicação. Um policial negro me deu o endereço de dois franceses, em Penitence River.
Segundo as informações, é um bairro onde vivem exclusivamente hindus. Vou a um policial vestido de branco, impecável. Mostro-lhe o endereço. Antes de responder, ele nos pede as carteiras de identidade. Orgulhosamente, eu a entrego. “Muito bem, obrigado.” Então, ele nos põe num bonde, depois de ter falado com o condutor. Saímos do centro da cidade e, vinte minutos depois, o condutor nos faz descer. Deve ser ali. Na rua, perguntamos. “Frenchmen?” Um rapaz nos faz sinal para segui-lo. Nos leva diretamente a uma casa baixa. Assim que me aproximo, três homens saem da casa, com gestos acolhedores:
– Como, você aqui, Papi?
– Não é possível! – diz o mais velho, de cabelos todos brancos.
– Entre. Esta é minha casa. Os chineses estão com você?
– Estão.
– Entrem, sejam bem-vindos.
O velho forçado chama-se Guittou Auguste, vulgo Le Guittou, é um tipo bem característico de Marselha, estava no mesmo grupo que eu no La Martinière, em 1933, há nove anos. Depois de uma fuga mal sucedida, foi dispensado da sua pena principal e ficou cumprindo uma pena acessória; foi nesta situação que tornou a fugir, há três anos, disse-me ele. Dos outros dois, um é Petit-Louis, um cara de Aries, e o outro é um sujeito de Toulon, o Julot. Eles também partiram depois de terminar suas penas principais, mas deveriam ter ficado na Guiana Francesa o mesmo número de anos a que haviam sido condenados, dez e quinze anos (esta segunda pena chama-se duplicata).
A casa tem cinco cômodos: dois quartos, uma cozinha, uma sala de jantar e um escritório. Eles fazem calçados em balata, uma espécie de borracha natural recolhida no mato, que, trabalhada com água quente, torna-se maleável e modela-se bem. O único defeito é que, se fica muito exposto ao sol, o negócio se derrete, porque não é borracha vulcanizada. Procuram evitar isso intercalando folhas de tecido entre as camadas de balata.