Tenho a impressão de que a cela de meus amigos é um palácio. Clousiot tem uma rede, que lhe pertence, que comprou com dinheiro seu. Ele me obriga a dormir nela. Eu me estico, atravessado. Ele se espanta e eu lhe explico que se deita no sentido do comprimento quem não sabe se servir de uma rede.
Comer, beber, dormir, jogar damas ou baralho, com cartas espanholas, falar espanhol uns com os outros ou com os policiais e prisioneiros colombianos, para aprender bem a língua do país, todas essas atividades enchiam nosso dia e mesmo uma parte da noite. É duro ficar deitado nove horas por noite. Recordo, então, com muita intensidade, os detalhes da fuga do hospital de Saint-Laurent para Santa Marta; eles chegam, desfilam diante de mim e reclamam uma continuação. O filme não pode parar aí, é preciso que continue e ele continuará, meu caro. Deixe que eu recupere as forças e virão novos episódios, tenha confiança em mim! Achei minhas flechinhas e duas folhas de coca, uma completamente seca, a outra ainda um pouco verde. Fico mascando a folha verde. Todos me olham assombrados. Explico aos meus amigos que são as folhas com as quais se fabrica a cocaína.
– Não brinca!
– Experimente.
– Sim, é verdade, o negócio insensibiliza a língua e os lábios.
– Vendem isto por aqui?
– Não sei. Clousiot, como é que você se arruma para fazer aparecer a gaita de tempos em tempos?
– Troquei em Rio Hacha e, desde então, tenho sempre dinheiro na vista de todo mundo.
– Tenho trinta e seis moedas de ouro de 100 pesos com o comandante. Cada moeda vale 300 pesos. Um dia desses, vou levantar o problema.
– Este pessoal é fominha, é melhor oferecer a ele um negócio qualquer.
– Boa idéia.
Domingo, falei com o cônsul belga e o prisioneiro belga. Este prisioneiro cometeu um abuso de confiança com relação a uma companhia bananeira americana. O cônsul se pôs à minha disposição para nos proteger. Preencho uma ficha, onde declaro que sou filho de pais belgas, nascido em Bruxelas. Eu lhe falei das irmãs e das pérolas. Mas ele é protestante e não conhece nem as irmãs, nem os padres. Conhece um pouquinho o bispo. Quanto às moedas, seu conselho é não reclamar. Muito arriscado. Ele deverá ser avisado, com 24 horas de antecedência, a respeito de nossa partida para Barranquilla.
– E o senhor – diz o cônsul – poderá reclamar as moedas em minha presença, uma vez que, se bem compreendi, existem testemunhas.
– Existem, sim.
– Mas, por enquanto, não reclame nada, ele seria capaz de colocar o senhor de novo naqueles horríveis calabouços e talvez mesmo de mandar matá-lo. Essas moedas de 100 pesos são uma verdadeira fortuna. Elas não valem 300 pesos, como o senhor pensa, mas 500 cada uma. É um dinheirão. É bom não cutucar o diabo com vara curta. Quanto às pérolas, é outra coisa. O senhor me dê tempo para refletir.
Pergunto ao negro se não gostaria de fugir comigo e como, em sua opinião, a gente deve agir. Sua pele de tom claro ficou cinza quando ele ouviu falar de fuga.
– Pelo amor de Deus, homem. Nem pense nisso. Se fracassa, vai ter a morte lenta mais horrorosa. Você já teve um gostinho. Espere para chegar a outro lugar, a Barranquilla. Aqui seria um suicídio. Quer mesmo morrer? Então fique sossegado. Em toda a Colômbia, não tem um calabouço como este em que esteve. Então, por que nos arriscarmos aqui?
– Sim, mas aqui o muro não é alto demais, isso deve ser relativamente fácil.
– Homem, fácil ou não, não conte comigo. Nem para cair fora, nem para lhe ajudar. Nem mesmo para falar nesta coisa.
E, ao me deixar, apavorado, ainda me diz:
– Francês, você não é um homem normal, está louco pensando coisas destas, aqui, em Santa Marta.
Todas as manhãs e todas as tardes, fico olhando os prisioneiros colombianos que estão aqui por causa de complicações grossas. Têm todos caras de assassinos, mas a gente sente que estão dominados. O terror de ser enviado aos calabouços os paralisa completamente. Há uns quatro ou cinco dias, vimos sair do calabouço um diabo grandalhão, uma cabeça mais alto do que eu, chamado “El Caimán”. Goza da reputação de ser um homem extremamente perigoso. Falo com ele e, depois de três ou quatro passeios, lhe digo:
– Caimán, quieres fugarte conmigo?
Ele me olha como se eu fosse o demônio e me diz:
– Para voltar ao mesmo lugar, se a gente fracassa? Não, obrigado. Prefiro matar minha mãe do que voltar para lá.
Esta foi minha última tentativa. Nunca mais falarei com alguém de fuga,
De tarde, vejo passar o comandante da prisão. Ele pára, me olha, depois me diz:
– Como vai tudo?
– Vai andando, mas iria melhor se eu tivesse minhas moedas de ouro.
– Por quê?
– Porque poderia pagar um advogado para mim.
– Venha comigo.
Ele me leva ao seu escritório. Estamos sozinhos. Ele me estende um charuto – nada mal – e o acende – cada vez melhor.
– Você sabe falar o espanhol bastante para compreender e responder, falando devagar?
– Sim.
– Bem. Você me diz que gostaria de vender as suas 26 moedas.
– Não, minhas 36 moedas.
– Ah! sim, sim! E com este dinheiro pagar um advogado? Mas só nós dois sabemos que você tem estas moedas.
– Não, há o sargento e os cinco homens, que me prenderam, e o subcomandante, que recebeu as moedas antes de entregar ao senhor. E ainda há o meu cônsul.
– Ah! Ah! Bueno. É até melhor que muita gente saiba, porque assim agimos às claras. Você sabe, eu lhe prestei um grande serviço. Fiquei na moita, não passei boletim de pedido de informações às diversas polícias, por onde você passou, para saber se tinham conhecimento de um roubo de moedas.
– Mas o senhor devia ter feito isso.
– Não, para o seu bem, era melhor não fazer.
– Eu lhe agradeço, comandante.
– Quer que venda as moedas para você?
– A quanto?
– Bem, ao preço que me disse que lhe pagaram três: 300 pesos. Você me dará 100 pesos por moeda como recompensa pelo serviço. Que é que acha?
– Não. Você me dá as moedas, de dez em dez, e eu lhe darei, não 100, mas 200 pesos por moeda. Isso vale o que fez por mim.
– Francês, você é malandro demais. Sou um pobre oficial colombiano muito confiante e um pouco besta, mas você é inteligente e, já lhe disse, malandro demais.
– Bem, então, faça uma proposta razoável.
– Amanhã, mando chamar o comprador aqui, no meu escritório. Ele vê as moedas, faz uma oferta, e nós rachamos meio a meio. Isto ou nada. Mando você para Barranquilla com as moedas ou guardo comigo as moedas para o inquérito.
– Não, aí vai minha última proposta: o homem vem aqui, vê as moedas e tudo que for acima de 350 pesos por moeda é seu.
– Está bem, você tem minha palavra. Mas onde vai botar tanto dinheiro?
– No momento de receber o dinheiro, você manda chamar o cônsul belga. Darei a ele o dinheiro para pagar meu advogado.
– Não, não quero testemunha.
– Você não arrisca nada, eu assinarei um papel dizendo que você me devolveu minhas 36 moedas. Aceite e, se você se comportar direito comigo, eu lhe proponho um outro negócio.
– Qual?
– Tenha confiança em mim. É um negócio tão bom como o outro e, neste segundo, a gente faz a 50 por cento.
– Qual é? Me diga.
– Arranje-se depressa amanhã, e de tarde, às 5 horas, quando meu dinheiro estiver seguro com meu cônsul, eu lhe falo do outro negócio.
A entrevista foi comprida. Quando voltava muito contente ao pátio, meus amigos já tinham entrado na cela.
– Então, que é que há?
Contei-lhes toda a nossa conversa. Apesar de nossa situação, morremos de rir.
– Que raposa, este cara! Mas você passou a perna nele. Acha que ele caiu nessa?
– Aposto 100 pesos contra 200 que ele está no papo. Alguém aposta?
– Não, eu também acho que ele caiu no laço.
Durante a noite inteira, fico pensando. Quanto ao primeiro negócio, está claro. O segundo – ele vai ficar um bocado contente de recuperar as pérolas – também está claro. Resta o terceiro. O terceiro… seria eu lhe oferecer tudo que me tocou para que me deixe roubar um barco no porto. Vamos ver se ele resiste à tentação. Que é que arrisco? Depois dos dois primeiros negócios, ele não pode mesmo me punir. Veremos. Não venda a pele do urso que ainda nem foi caçado. Você poderia aguardar Barranquilla. Mas por quê? Cidade mais importante, prisão mais importante, portanto mais bem vigiada e com muros mais altos. Precisava voltar a viver com Lali e Zoraima: fujo a toda pressa, espero por lá alguns anos, vou para a montanha com a tribo, que tem os bois, e, então, entro em contato com os venezuelanos. De qualquer jeito, preciso ser bem sucedido nesta evasão. A noite toda, calculo o que deveria fazer para me sair bem com o terceiro negócio.