Vêm a seguir os perigosos de segunda categoria: ficarão no campo de Saint-Laurent e serão obrigados a fazer trabalhos de jardinagem e cultivar a terra. Toda vez que houver necessidade, são enviados para campos muito duros: Campo Florestal, Charvin, Cascata, Enseada Vermelha, Quilômetro 42, chamado “o campo da morte”.
– Enfim, a categoria normal: são empregados na administração, nas cozinhas, na limpeza do povoado e do campo ou em diversos trabalhos: oficina, marcenaria, pintura, forja, eletricidade, colchoaria, alfaiataria, lavanderia, etc.
– Portanto, a hora H é a da chegada: se a gente é chamado e levado para a cela, é porque vai ser internado nas ilhas, o que tira toda esperança de evasão. Só há uma chance: ferir-se depressa, abrir os joelhos ou a barriga, para ir ao hospital e dali se evadir. É preciso evitar, a qualquer preço, ir para as ilhas. Outra esperança: se o barco que deve levar os internados para as ilhas não estiver pronto para fazer a viagem, então é preciso largar a gaita e oferecer alguma coisa ao enfermeiro. Este nos aplicará uma injeção de essência de terebintina numa articulação ou passará um cabelo molhado em urina na pele, para que ela se infeccione. Ou nos dará enxofre para respirar e depois dirá ao médico que estamos com 40 graus de febre. Durante estes poucos dias de expectativa, é preciso ir para o hospital, seja de que maneira for.
– Se a gente não é chamada e é deixada com os outros nos barracões, no campo, então há tempo para agir. Neste caso, não se deve procurar um trabalho no interior do campo. É preciso pagar ao administrador para arranjar no povoado um lugar de limpador de privadas, de varredor, ou ser empregado na serraria de uma empresa civil. Saindo para trabalhar fora da penitenciária e voltando a cada tarde ao campo, a gente tem tempo para entrar em contato com forçados libertos, que vivem no povoado, ou com chineses, para que eles preparem a fuga. É preciso evitar os campos em torno do povoado: todo mundo morre ali depressa; há campos onde ninguém resistiu três meses. Em pleno mato, os homens são obrigados a cortar 1 metro cúbico de madeira por dia.
Julot ruminou para nós todas essas informações preciosas, ao longo da viagem. Quanto a ele, está preparado. Sabe que vai diretamente para o calabouço, por ter tentado fugir. Por isso, tem uma faquinha, quase um canivete, dentro do seu canudo. Na chegada, vai tirar a faquinha e abrir o joelho. Ao descer do navio, cairá da escada na frente de todo mundo. Acha que será transportado diretamente do cais para o hospital. Exatamente isso, aliás, é o que acontecerá.
Os vigilantes se revezaram para ir trocar de roupa. Voltam, cada um por sua vez, vestidos de branco, com um capacete colonial no lugar do quépi. Julot diz: “Estamos chegando”. Faz um calor de matar, porque fecharam as vigias. Através delas, a gente vê o mato. Estamos, portanto, em Maroni. A água é lamacenta. Esta floresta virgem é verde e impressionante. Pássaros alçam vôo, perturbados pelo apito do navio. Vamos muito devagar, o que permite observar calmamente a vegetação escura, exuberante e densa. Vemos as primeiras casas de madeira, com seu teto de folha de zinco. Negros e negras estão na frente das portas, espiando o navio passar. Já se acostumaram a vê-lo descarregar seu carregamento humano e é por isso que não fazem nenhum gesto de boas-vindas à sua passagem. Três toques de apito e ruídos de hélice nos informam que estamos chegando; depois cessa todo o ruído da máquina. Seria possível ouvir o vôo de uma mosca.
Ninguém fala. Julot tem sua faca aberta e corta sua calça no joelho, rasgando as bordas das costuras. Só daqui a pouco que ele deverá cortar seu joelho – para não deixar um rastro de sangue. Os vigilantes abrem a porta da cela e somos enfileirados três a três. Estamos na quarta fileira, Julot entre Dega e mim. Subimos para a coberta. São 14 horas. Um sol de fogo surpreende meu crânio raspado e meus olhos. Alinhados sobre a coberta, somos dirigidos para a passarela. Em uma parada da coluna, provocada pela entrada dos primeiros na passarela, sustento o saco de Julot em suas costas e ele, com as duas mãos, arranha a pele de seu joelho, afunda a faca e corta, com um só golpe, 7 a 8 centímetros de carne. Passa a faca pra mim e agüenta sozinho seu saco. No momento em que entramos na passarela, cai de propósito e rola até embaixo, É levantado pela gente que está perto e, sendo visto ferido, chamam padioleiros. O roteiro se desenvolve como ele tinha previsto: vai embora carregado numa padiola por dois homens.
Uma multidão variada nos olha, curiosa. Pretos, mulatos, índios, chineses, brancos na miséria (que devem ser forçados libertos) examinam cada um dos que chegam à terra e se enfileiram atrás dos outros. Do outro lado, vigilantes, civis bem vestidos, mulheres na moda de verão, rapazes com o capacete colonial na cabeça. Também eles olham os recém-chegados. Quando já somos duzentos, o comboio se move. Marchamos durante quase dez minutos e chegamos diante de uma porta de tábuas, muito alta, onde está escrito: “Penitenciária de Saint-Laurent-du-Maroni. Capacidade: 3 000 homens”. A porta se abre e a gente entra por fileiras de dez. “Um, dois; um, dois, marche!” Numerosos forçados assistem à nossa chegada. Estão empoleirados nas janelas ou sobre grandes pedras, para ver melhor.
Chegando ao meio do pátio, ouvimos a ordem gritada:
– Alto! Coloquem seus sacos na frente de vocês. Distribuam os chapéus, vocês aí!
Dão a cada um de nós um chapéu de palha, muito necessário: ou três já caíram de insolação. Dega e eu nos olhamos, porque um guarda agaloado pegou uma lista entre as mãos. Pensamos no que disse Julot. Chamam Guittou: “Por aqui!” Ele é enquadrado por dois vigilantes e vai embora. Suzini, a mesma coisa; Girassol, igualmente.
– Jules Pignard!
– Jules Pignard (é Julot) se feriu, foi para o hospital.
– Está bem.
Estes são os internados nas ilhas, depois o vigilante prossegue:
– Escutem atentamente. Cada pessoa que eu chamar sairá da fila com seu saco em cima do ombro e irá se enfileirar diante desse barracão amarelo, o n.° 1.
Fulano, presente, etc. Dega, Garrier e eu logo nos encontramos com os outros, alinhados na frente do barracão. Abrem a porta para nós e entramos numa sala retangular, com o comprimento aproximado de 20 metros. No meio, um corredor de 2 metros de largura; à direita e à esquerda, uma barra de ferro, que vai de uma ponta à outra da sala. Lonas, que servem de rede para dormir, estão estendidas entre a barra e a parede, cada lona com uma cobertura. Cada um se instala onde quiser. Dega, Pierrot le Fou, Santori, Grandet e eu nos arrumamos uns pertos dos outros e imediatamente as curriolas se formam. Vou ao fundo da sala: à direita, o banheiro; à esquerda, as privadas, mas sem água corrente. Dependurados nas barras das janelas, assistimos à distribuição dos outros, que chegaram depois de nós. Louis Dega, Pierrot le Fou e eu estamos radiantes: não fomos internados, por isso estamos juntos num barracão. Se não fosse assim, já estaríamos numa cela, conforme explicou Julot. Todo mundo está contente, até o momento em que, quando tudo acaba, por volta das 5 horas da tarde, Grandet diz:
– É esquisito, neste comboio não chamaram um só internado. É estranho. Por mim, tanto melhor.
Grandet é o cara que roubou o cofre-forte de uma central, caso que fez rir toda a França.
Nos trópicos, a noite e o dia chegam sem crepúsculo nem aurora. Passa-se de uma ao outro de uma vez, o ano inteiro, na mesma hora. A noite cai bruscamente às 6 e meia da tarde. E, às 6 e meia, dois velhos forçados trazem dois lampiões de petróleo, que são pendurados em um gancho no teto e dão muito pouca luz. Três quartos da sala ficam em plena escuridão. Às 9 horas, todo mundo dorme, porque, passada a excitação da chegada, a gente morre de calor. Nem sinal de vento, todo mundo fica de cueca. Deito entre Dega e Pierrot le Fou, conversamos baixinho e depois dormimos.