— que poderia encontrar. Um universo restrito, quase monocromático, cujas únicas cores eram tons suaves de azul e verde, a visão limitada a menos de trinta metros de distância. Todo o tempo ele podia ver uma dúzia de caules delgados, sustentados a intervalos regulares por bexigas cheias de gás que os faziam flutuar. Eles se erguiam desde as profundezas sombrias para desaparecerem no „céu” luminoso acima. Algumas vezes Loren sentia como se estivesse caminhando através de um arvoredo num dia de neblina, então um cardume de peixes passava rapidamente, destruindo a ilusão.
— Duzentos e cinqüenta metros — ouviu alguém dizer.
— Logo veremos o fundo. Devo usar as luzes? A qualidade da imagem está piorando. Loren quase não reparara em mudança alguma porque os controles automáticos mantiveram o brilho da imagem. Mas percebia que devia ser quase inteiramente escuro a essa profundidade, o olho humano seria virtualmente inútil.
— Não, nós não queremos perturbar nada, até que seja necessário. Enquanto a câmara estiver operando vamos usar a luz disponível.
— Lá está o fundo. A maior parte é rocha, não há muita areia.
— Naturalmente. O Macrocystis thalassi precisa de rochas para se agarrar. Não é como o Sargassum flutuante. Loren podia perceber o que a pessoa estava dizendo. Os caules delgados terminavam numa rede de raízes, agarrando as projeções de rocha tão firmemente que nenhuma tempestade ou corrente de superfície poderia soltá-las. A analogia com uma floresta de terra firme era mais precisa do que imaginara. Muito cautelosamente o robô-pesquisador ia abrindo caminho através da floresta submarina, soltando o cabo atrás de si. Parecia não haver perigo de ele ficar emaranhado nos caules serpenteantes que subiam para a superfície invisível, já que havia bastante espaço entre as plantas. De fato, isso parecia até deliberado. Os cientistas, olhando para a grande tela monitora, perceberam a inacreditável verdade alguns segundos depois de Loren.
— Krakan! — sussurrou um deles. natural, é uma plantação! — Isto não é uma floresta
29. SABRA
Eles se autodenominavam Sabras, lembrando os pioneiros que, um milênio e meio antes deles, domaram uma vastidão quase tão hostil na Terra.
Os Sabras marcianos tiveram sorte num ponto: não tinham inimigos humanos para se oporem a eles, apenas o clima hostil, a atmosfera quase imperceptível, e as tempestades de areia que cobriam o planeta inteiro. Todos estes inconvenientes haviam sido superados, e se orgulhavam de dizer que ali não tinham apenas sobrevivido, mas vencido. A citação era apenas uma entre as incontáveis coisas tomadas emprestadas à cultura da Terra. Algo que sua feroz independência raramente permitia que reconhecessem. Por quase mil anos eles viveram na sombra de uma ilusão, quase uma religião. E, como qualquer religião, ela tinha desempenhado um papel essencial em sua sociedade. Ela lhes dera objetivos além deles mesmos e um sentido para suas vidas. Até os cálculos provarem o contrário, eles acreditavam, ou pelo menos tiveram a esperança, que Marte pudesse escapar ao destino da Terra. Seria por pouco, é claro, a distância extra apenas reduziria a radiação em cinqüenta por cento, mas isto podia ser o bastante. Protegidos pelos quilômetros de gelo ancestral existentes nos pólos, talvez os marcianos pudessem sobreviver onde os homens não poderiam. E houvera até mesmo uma fantasia, na qual apenas alguns poucos românticos realmente acreditaram, de que o derretimento das calotas polares pudesse restaurar os oceanos perdidos do planeta. E então, talvez a atmosfera se tornasse densa o bastante para que os homens pudessem andar a céu aberto livremente, usando apenas um equipamento simples de respiração e isolamento térmico. Estas esperanças terminaram de forma cruel, assassinadas por equações implacáveis. Nenhuma habilidade ou esforço permitiria aos Sabras se salvarem. Eles também morreriam com o mundo materno, cuja suavidade tão freqüentemente fingiam desprezar. E no entanto, agora, estendendo-se sob a Magalhães, havia um planeta que simbolizava todos os sonhos e esperanças da última geração de colonizadores marcianos. Enquanto Owen Fletcher olhava para baixo, em direção aos intermináveis oceanos de Thalassa, um único pensamento martelava-lhe o cérebro. De acordo com as sondas estelares, Sagan 2 era muito semelhante a Marte e esta fora a razão principal para que ele e seus companheiros fossem selecionados para esta viagem. Mas para que retomar esta batalha, daqui a trezentos anos e a setenta e cinco anos-luz de distância, quando a vitória já se encontrava aqui e agora? Fletcher não estava mais pensando meramente em deserção, isto significaria deixar muita coisa para trás. Seria muito fácil esconder-se em Thalassa, mas como ele se sentiria quando a Magalhães partisse com os últimos colegas e amigos de sua juventude?
Mais doze Sabras se encontravam em hibernação. Dos cinco despertos ele já tinha sondado cautelosamente dois, e recebido resposta favorável. Se os outros dois também concordassem com ele, poderia falar com os outros doze. A Magalhães devia terminar sua jornada estelar ali, em Thalassa.
30. O FILHO DE KRAKAN
Havia muito pouca conversa a bordo, enquanto o Calypso retornava a Tarna fazendo uns modestos vinte nós. Seus passageiros estavam pensativos, meditando sobre as implicações daquelas imagens do leito oceânico. E Loren se encontrava ainda desligado do mundo exterior, mantendo sobre o rosto os óculos de visão total enquanto passava de novo as imagens da exploração do trenó na floresta submarina. Desenrolando seu cabo como uma grande aranha mecânica, o robô movera-se cautelosamente através dos grandes caules, que pareciam delgados devido ao seu enorme comprimento, mas que na realidade eram mais grossos do que o corpo de um homem. Parecia óbvio agora que eles se sucediam em colunas e fileiras muito regulares, e assim ninguém se surpreendeu quando terminaram num limite claramente definido. E então, realizando suas tarefas habituais em seu acampamento na selva, surgiram os scorps. Fora uma medida sábia não acender os holofotes, as criaturas encontravam-se totalmente inconscientes da presença do observador silencioso, flutuando na quase escuridão, apenas alguns metros acima deles. Loren tinha visto vídeos de formigas, abelhas e cupins e a maneira pela qual os scorps agiam lembrava-lhe exatamente essas tais criaturas. À primeira vista parecia impossível acreditar que tão intrincada organização pudesse existir sem uma inteligência controladora, e no entanto seu comportamento poderia ser inteiramente automático, como no caso dos insetos da Terra. Alguns scorps estavam cuidando dos grandes caules que subiam até a superfície captando os raios do sol invisível, outros andavam pelo fundo do mar carregando pedras, folhas e… sim, toscos mas inconfundíveis cestos e redes. Então os scorps eram construtores de ferramentas, mas até isso por si só não era prova de inteligência. Alguns ninhos de pássaros eram mais elaborados que estes artefatos um tanto toscos, aparentemente construídos com talos e folhagens da onipresente alga. „Eu me sinto como um visitante do espaço”, pensou Loren, „colocado sobre uma vila da Idade da Pedra na Terra, no momento em que o Homem descobria a agricultura. Poderia tal visitante ter avaliado corretamente a inteligência humana a partir dessa pesquisa? Ou o veredicto teria sido comportamento puramente instintivo?” A sonda agora penetrara tanto na clareira que a floresta circundante já não era mais visível, muito embora os caules mais próximos não estivessem a mais de cinqüenta metros de distância. Foi nesse momento que um dos nortistas, brincalhão, pronunciou o nome que se tornaria inevitável, mesmo nos relatórios científicos: „Centro de Scorpville.” Na falta de expressões melhores, parecia tratar-se ao mesmo tempo de uma área residencial e de negócios. Um afloramento de rochas, de uns cinco metros de altura, serpenteava através da abertura, sua face perfurada por inúmeros buracos escuros, do tamanho exato para um scorp poder passar. Embora estas pequenas cavernas fossem irregularmente espaçadas, possuíam um tamanho tão uniforme que dificilmente poderiam ser aberturas naturais. A aparência geral era a de um prédio de apartamentos projetado por algum arquiteto excêntrico. Scorps entravam e saíam dessas aberturas como empregados de escritório numa das antigas cidades de antes da era das telecomunicações, pensou Loren. Sua atividade lhe parecia tão sem nexo quanto o comércio entre os seres humanos teria parecido para os scorps.